domingo, 28 de março de 2010

Especial Direito do Consumidor

Direito do Consumidor - Saber Direito









Programa Prova Final - Relações de Consumo








Responsabilidade Civil Pelo Vício - Programa Prova Final








Práticas Comerciais e Proteção Contratual - Programa Prova Final








Como identificar uma relação de consumo
Daniel Diniz Manucci

advogado em Minas Gerais


As relações de consumo tem sua origem estritamente ligada às transações de natureza comercial e ao comércio propriamente dito, surgindo naturalmente à luz deste.

Com o implemento e a difusão do comércio, as relações de consumo experimentaram naturalmente ao longo dos tempos, um processo de aprimoramento e de desenvolvimento "pari passu" com o desenvolvimento das práticas comerciais, ganhando posteriormente importância, até atingir a forma contemporânea conhecida por nós, sendo devidamente regulamentada com o advento da lei 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que passou a tutelar essa relação, revestindo-a de caráter público, afim de resguardar os interesses da coletividade.

Geralmente as relações de consumo surgem através de um negócio jurídico compreendido entre duas ou mais pessoas, geradas através de princípios contratuais básicos.


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No entanto, para aferir com precisão a existência de uma relação de consumo, é indispensável ter conhecimento prévio de dois conceitos fundamentais, necessários para se indentificar tal relação, quais sejam, Consumidor e Fornecedor.

Consumidor, à luz do artigo 2º da lei 8078/90, é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final.

Por sua vez, fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (art. 4º da lei 8078/90).

Como se observa pelos conceitos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor acerca das figuras de consumidor e fornecedor, é imprescindível que se tenha como entes formadores da relação de consumo essas duas figuras em pólos distintos, devendo o consumidor figurar em um pólo da relação e o fornecedor em outro.

Através de uma simples análise, fica claro que os conceitos de consumidor e fornecedor são muito amplos e trazem consigo muitas dúvidas acerca da sua definição e utilização.

A dúvida mais importante que surge no que diz respeito a definição de consumidor é com relação à palavra destinatário final, de suma importância para se determinar essa figura.

Destinatário final é aquela pessoa, física ou jurídica que adquire ou se utiliza de produtos ou serviços em benefício próprio, ou seja, é aquele que busca a satisfação de suas necessidades através de um produto ou serviço, sem ter o interesse de repassar este serviço ou esse produto a terceiros.

Caso este produto ou serviço seja repassado a terceiros, mediante remuneração, inexiste a figura do consumidor e surge imediatamente a do fornecedor.

É mister que se saiba que as pessoas jurídicas também podem se enquadrar como consumidores desde que adquiram produto ou serviços como destinatários finais.

Depois de identificadas as duas partes essenciais de uma relação de consumo, que surgem dentro de um negócio jurídico, cabe aferir se existe uma relação entre essas partes.

Verificada uma relação jurídica entre as partes e existindo o fornecedor de um lado e consumidor do outro, está perfeitamente configurada uma relação de consumo.

Uma pequena observação a ser feita com relação ao tema é de que o fornecedor não necessita ser necessariamente uma pessoa jurídica, já que o texto legal traz a figura dos entes despersonalizados, podendo se entender assim por uma interpretação "latu sensu", de que também figuram como fornecedores aqueles que praticam atividades definidas em lei como fornecedor, podendo ser definidos como tais as pessoas que atuam na economia informal, autônomos, etc...

Os entes de direito público que prestam serviços essenciais à sociedade como serviços de fornecimento de água, luz e esgoto também se enquadram na figura de fornecedores com base no artigo 3º da lei 8078/90.

Desta feita, resta claro que a importância de se identificar uma relação de consumo dentro de um negócio jurídico está no fato de poder se estabelecer com precisão a competência para a incidência do Código de Defesa do Consumidor como corpo legal para dirimir os conflitos, pois se configurada tal relação o consumidor poderá experimentar todas as vantagens relativas à sua aplicação.


A relação jurídica de consumo:
conceito e interpretação
Elaborado em 06.2007.

Marcelo Azevedo Chamone

Advogado, Especialista e Mestre em Direito, professor em cursos de pós-graduação


1. INTRODUÇÃO

A dicotomia entre relações jurídico-obrigacionais civis e comerciais já era ancestral quando, em 1866, Teixeira de Freitas propôs a sua unificação enquanto abandonava a elaboração do projeto de um Código Civil onde o Governo insistia em manter o cisma. O jurisconsulto baiano já visualizara a artificialidade dessa divisão – não havia qualquer diferença de essência entre as obrigações civis e as comerciais.

Tal proposta unificadora somente veio finalmente a se tornar direito positivo com a aprovação do Código Civil de 2002, resultado de um projeto de 1975, muito embora outros anteprojetos já tivessem trilhado a mesma linha, tal como os anteprojetos de Código das Obrigações de 1941 (redigido por Orozimbo Nonato, Hahnemann Guimarães e Philadelpho Azevedo), e de 1963 (de Caio Mário da Silva Pereira).

Em 1943 a repartição dicotômica se tornou tricotômica com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho – às duas modalidades de relações obrigacionais acresceu-se a relação de emprego. Desde então se debate onde estaria a marca divisória entre as relações civis e as trabalhistas, o que só foi acentuado com a expansão da competência da Justiça do Trabalho – talvez esteja aí o germe de uma futura reunificação.

Já em 1990 essa divisão foi acentuada com a edição do Código de Defesa do Consumidor; surgiu uma nova modalidade de relação obrigacional, a de consumo. Mais uma vez surgiram acalorados debates sobre os limites dessa nova categoria, sobre o que seria relação de consumo e o que seguia sendo relação civil ou (até 2003) comercial.

Uns buscam ampliar a área de incidência da legislação consumerista, para abranger o maior número de relações no mercado, sob o argumento de ampliar ao máximo a proteção às partes vulneráveis – seja sob o aspecto técnico ou econômico – nas relações obrigacionais; enquanto outros querem restringir-la, pretendendo valorizar a proteção às situações em que o consumidor "seja realmente" a parte mais fraca da relação.

Com a edição do Código Civil de 2002 tal discussão perdeu um pouco de sua relevância, uma vez que a responsabilidade objetiva (carro-chefe da lei consumerista) foi elevada a padrão juntamente com a responsabilidade subjetiva, num sistema que vem sendo apelidado de "dúplice". Na verdade, em decorrência do art. 927, parágrafo único, a regra da responsabilidade subjetiva ficou praticamente reduzida às relações entre particulares.

Do mesmo modo, a ampliação das hipóteses de revisão contratual trazidas pelo novo Código Civil aproximou muito as relações civis das de consumo, deixando ainda mais embaçada a linha divisória entre elas.

A fragilidade dos conceitos se mostra aparente com a recente e ainda incipiente discussão surgida com a EC nº 45, onde vertentes da jurisprudência trabalhista defendem que todos os tipos de prestação de serviços, inclusive os regidos pelo CDC, estariam sob a competência da Justiça do Trabalho.

Esse breve panorama do tratamento legislativo dado às relações obrigacionais serve para mostrar a artificialidade e instabilidade de qualquer tentativa de compartimentalização. Sempre que o tratamento não for unificado haverá debates doutrinários e jurisprudenciais sobre a delimitação de cada um, ora tendendo para um lado, ora para o outro.

No que concerne às relações de consumo, o momento jurisprudencial indica que o pêndulo tende para a restrição da aplicação do CDC, limitando, como veremos abaixo, o conceito de consumidor.

Assim, passaremos a definir o conceito de cada um dos elementos da chamada "relação de consumo", atentando para as principais correntes doutrinárias, buscando identificar o estado-da-arte do tema.


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2. RELAÇÃO DE CONSUMO

Por relação de consumo é de se entender toda relação jurídico-obrigacional que liga um consumidor a um fornecedor, tendo como objeto o fornecimento de um produto ou da prestação de um serviço.

Em geral há uma cumulação de prestação de serviço com fornecimento de produto. Assim, para se determinar qual o regime jurídico a ser aplicado ao caso, é preciso "averiguar qual é o elemento nuclear do vínculo obrigacional: uma obrigação de dar ou uma obrigação de fazer. Tratando-se daquela, a hipótese é de produto; no outro caso, o objeto é um serviço." [01]

Nem sempre a relação de consumo será um negócio jurídico; como veremos abaixo, a lei coloca sob a mesma denominação relações contratuais (negócios jurídicos) e não-contratuais, decorrentes de atos e fatos jurídicos.

Deste modo, temos que o Código irá atuar de forma preventiva e repressiva nas relações de consumo tanto no âmbito contratual como no extracontratual, tanto no pré-contratual como no pós-contratual.

No plano do direito privado material, o CDC trata sobre os seguintes temas: da responsabilidade civil (arts. 6º, VI; 8º a 28); das práticas comerciais (arts. 6º, I a IV; 29 a 45); e da proteção contratual (art. 6º, V e X; 46-54).

Como veremos mais detalhadamente abaixo, o CDC traz quatro definições diferentes de consumidor: a duas delas (art. 2º, caput e parágrafo único) são aplicadas todas as disposições do Código; a outra (art. 17) as regras sobre responsabilidade civil extracontratual; e para a última categoria (art. 29) as regras sobre proteção contratual e práticas abusivas.

Temos, então, que a proteção do CDC recairá exclusivamente ao consumidor standard (art. 2º, caput) e aos "intervenientes" nas relações de consumo (art. 2º, parágrafo único) somente nas situações de responsabilidade civil contratual (vícios do produto ou serviço). Destarte, a princípio, todas as demais disposições do CDC se aplicariam quase que irrestritamente à coletividade em geral face a redação genérica dos artigos que ampliam o conceito de consumidor.

Essa conclusão leva à interessante reflexão sobre a quantidade de folhas que já foram escritas sobre a definição do conceito standard de consumidor, quando uma parte tão pequena do Código é dedicada exclusivamente a ele.

Não obstante, a fim de identificar claramente os limites de cada uma dessas esferas de proteção, delimitaremos a seguir os elementos básicos das relações de consumo, nos termos dos conceitos dados pelo próprio Código.


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3. CONSUMIDOR

Em 1988 foi publicado pelo então promotor de justiça de São Paulo, Herman Benjamin, artigo já clássico onde o autor buscava, com o auxílio de textos de legislação e doutrina estrangeira, delimitar o conceito de consumidor.

Àquela época e ainda hoje o tema é tormentoso:

"Embora o vocábulo consumidor não esteja assentado com um conceito claro, já se podem identificar algumas áreas de disputa conceitual: a) quanto à natureza do sujeito protegido: pessoal natural ou jurídica; b) quanto à necessidade de vínculo contratual: só quando há contrato ou também nos casos de relações jurídicas extracontratuais; c) quanto à finalidade da aquisição do bem ou produto: para uso privado, pessoal, familiar, não profissional e comercial; d) quanto à qualidade do objeto da relação de consumo: apenas bens ou também serviços; e) quanto ao tipo de bens: só bens móveis ou também imóveis; f) quanto ao tipo de serviço: só serviços privados ou também serviços públicos." [02]

Na legislação estrangeira não é possível encontrar uma definição uniforme. [03] Em alguns sistemas simplesmente não há definição legal de consumidor, ficando a cargo da doutrina e jurisprudência fazê-lo – nesses casos, de modo geral, tende-se para uma conceituação mais restrita; [04] nos demais, cada país adota um conceito diferente, de acordo com as suas peculiaridades sociais e econômicas. Onde não há uma legislação consumerista codificada chega a haver diversos conceitos de consumidor, um aplicável para cada situação específica regulada por aquela lei.

A nossa legislação, mesmo codificada, trás quatro definições diferentes de consumidor: uma chamada de ‘consumidor standard’, e outras três de ‘consumidor equiparado’. A que se mostra mais espinhosa é sem dúvida a primeira.

A existência de diversos conceitos no direito positivo se mostra necessária, pois não são somente aqueles participando efetivamente das relações de consumo que estão sujeitos a sofrer danos em decorrência dessas relações; há uma série de situações extracontratuais, bem como pré e pós-contratuais, onde sujeitos a princípio não classificados como consumidores são colocados numa posição semelhante, de modo que não seria justo nem eqüitativo dar-lhes tratamento legislativo diferenciado.

3.1 O consumidor standard

Inicialmente, consumidor é "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" (art. 2º, caput); em outros termos, é consumidor "qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem como a prestação de um serviço." [05]

Rizzatto Nunes acrescenta que "a norma define como consumidor tanto quem efetivamente adquire (obtém) o produto ou o serviço como aquele que, não o tendo adquirido, utiliza-o ou o consome" [06], ao que, palavras de Roberto Senise Lisboa, resulta em "substancial modificação do princípio geral da relatividade dos efeitos" [07], possibilitando a proteção de terceiro estranho ao contrato – há uma prevalência da "relação de consumo" sobre o "contrato de consumo", na delimitação do âmbito de proteção oferecido pela lei.

Apesar de não haver disposição expressa, ao contrário do que ocorre em relação ao fornecedor, James Marins [08] entende que também o ente despersonalizado pode ser tomado como consumidor, citando como exemplo a entidade familiar. Maria Antonieta Donato [09] o acompanha em parte, discordando apenas da inclusão da família nessa situação, e cita como exemplos o condomínio edilício e o espólio – para a autora, cada um dos membros da família deveria pleitear seus interesses individualmente.

Muito antes da edição do CDC, Fábio Konder Comparato, buscando apoio na doutrina estrangeira, buscou delimitar o conceito de consumidor, dando especial atenção à finalidade da aquisição do produto ou serviço:

"O consumidor é, pois, de modo geral, aquele que se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, os empresários. É claro que todo produtor, em maior ou menor medida, depende por sua vez de outros empresários, como fornecedores de insumos ou financiadores, por exemplo, para exercer a sua atividade produtiva; e, nesse sentido, é também consumidor. Quando se fala, no entanto, em proteção do consumidor quer-se referir ao indivíduo ou grupo de indivíduos, os quais, ainda que empresários, se apresentam no mercado como simples adquirentes ou usuários de serviços, sem ligação com a sua atividade empresarial própria." [10]

Antes da edição do CDC era comum encontrar esse tipo de definição, muito mais preocupada com a proteção do consumidor pessoa física. Porém, com a lei veio a superação desses conceitos baseados nas lições européia e norte-americana; a legislação brasileira veio com uma proposta muito mais ousada, buscando uma proteção mais ampla e generalizada.

Apesar da disposição inequívoca da lei, surgiu na doutrina, com reflexos na jurisprudência, dissenso sobre quem poderia ser classificado como destinatário final do produto ou serviço.

Duas correntes principais, e antagônicas, formaram-se: uma restringindo o conceito de consumidor, buscando aproximá-lo o mais possível da doutrina européia, enquanto a outra trata de dar maior aplicabilidade à lei, defendendo a sua incidência sobre o maior número de relações jurídico-obrigacionais.

3.1.1 O conceito objetivo de consumidor

Para os juristas que vêem no CDC uma regulamentação para o mercado de consumo em geral, o conceito de destinatário final não pode sofrer restrições, principalmente porque a própria lei não as faz.

Roberto Senise Lisboa [11] vê na expressão destinatário final a adoção pelo CDC da teoria da causa na relação jurídica de consumo, "tornando necessária a análise da causa da aquisição ou da utilização do produto ou do serviço"; a causa da formação da relação de consumo deverá estar relacionada "à transmissão definitiva ou provisória de produto ou de atividade humana remunerada, sem que outra destinação seja objetivada pelo beneficiado (adquirente ou usuário)".

Não obstante, para a definição do conceito de consumidor deve-se tão somente analisar os critérios objetivos dados pela própria lei, não havendo qualquer necessidade de inquirir sobre aspectos subjetivos. Assim, consumidor é todo aquele que retira o produto ou serviço do ciclo produtivo-distributivo, i.e., aquele que não o revende nem o incorpora na produção de um novo. Podem ser citados como defensores dessa interpretação, com variações, Rizzatto Nunes, Nery Jr., Roberto Senise Lisboa, João Batista de Almeida e James Marins.

Assim, Rizzatto Nunes [12] define como consumidor, além do "destinatário final" que adquire o produto ou serviço para uso próprio (sem finalidade de produção), também quando há a finalidade de produção, "desde que o produto ou serviço (...) sejam oferecidos regularmente no mercado de consumo, independentemente do uso e destino que o adquirente lhes vai dar". Exclui as situações em que o produto ou serviço "é entregue com a finalidade específica de servir como ‘bem de produção’ para outro produto ou serviço e via de regra não está colocado no mercado de consumo como bem de consumo, mas como de produção; o consumidor comum não o adquire". [13]

James Marins [14], João Batista de Almeida [15], e Roberto Senise Lisboa [16] excluem do conceito de consumidor apenas o adquirente de produto que será objeto de transformação ou implementação com reinserção na cadeia produtiva-distributiva, ou simplesmente com o intuito de revendê-lo. Assim, se a implementação ou transformação é feita para o uso próprio do adquirente, ele será o destinatário do produto ou serviço e, portanto, consumidor [17] – não se discute se o bem é de produção (utilizado para implementar a produção) ou não. Mais, como a lei não faz qualquer restrição quando utiliza o termo pessoa jurídica, não caberia ao intérprete/aplicador fazê-lo.

É certo que dessa conceituação estaremos trazendo para a relação de consumo situações que vão contra o senso comum. Porém, bom ou mal, é o que nos é dado pela lei, não cabendo ao intérprete/aplicador impor suas opiniões sobre a norma.

3.1.2 O conceito subjetivo de consumidor

Cláudia Lima Marques [18], adepta da dita "corrente finalista", dá um conceito restritivo de destinatário final: ela o identifica com a pessoa física que retira o bem de mercado, o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, i.e., não pode estar adquirindo para revenda ou uso profissional, "pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu" [19]. Admite, porém, que o profissional pessoa física ou pequena empresa que tenha adquirido um produto fora de seu campo de especialidade, i.e., sem o intuito de obter lucro com a sua futura negociação, possam ser considerados consumidores – note-se que essa definição é intimamente ligada às qualidades econômicas do adquirente.

Para Maria Antonieta Donato [20] o consumidor deve ser conceituado dentro do âmbito da relação de consumo, não sendo possível fazê-lo sobre o ato de consumo. Assim, "não se analisa o consumidor unicamente em relação à prática do ato, mas sim, em função da qualidade subjetiva daquele que pratica a relação de consumo e em função da destinação que ele dará ao produto", em outras palavras "a finalidade prática do ato e não o ato em si". Não basta que retire o produto do mercado; deve-se mesclar a qualidade do adquirente do produto com a finalidade para que o adquiriu.

Assim, para que a pessoa jurídica, ou a pessoa física em atuação profissional (‘consumidor-profissional’), possa ser considerada consumidora, haveria três fatores de discrímen: o primeiro estaria na aquisição de produto, "retirando-o da cadeia produtiva e, não se caracterizando a aquisição para o uso profissional", i.e., sua utilização para implementar o processo produtivo; o segundo estaria na configuração no caso concreto da vulnerabilidade, havendo, porém, presunção de vulnerabilidade em seu favor; e por fim, deve haver comprovação de que a contratação se deu fora do seu campo de atuação usual. [21]

De acordo com Filomeno [22], o Código teria adotado o conceito econômico de consumidor, é dizer: o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou contrata serviços, como destinatário final, em benefício próprio ou de terceiro, agindo com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial.

Assim, somente se justificaria a inclusão da pessoa jurídica como consumidora na medida em que houver efetiva vulnerabilidade econômica em face do fornecedor a ser protegida, o que o citado autor identifica com as pessoas jurídicas que não tenham finalidade lucrativa, pois somente essas seriam "vulneráveis".

Quanto à "vulnerabilidade" utilizada como elemento do conceito de consumidor, Roberto Senise Lisboa [23] tece as seguintes considerações, que subscrevemos integralmente:

"A vulnerabilidade do consumidor é presunção absoluta no mercado de consumo, em face do fornecimento dos produtos e serviços e do domínio da tecnologia e da informação que o fornecedor possui sobre eles.

"É imperativo lembrar que a vulnerabilidade não se constitui, necessariamente, no critério legal para a definição do consumidor e da relação de consumo, pois é ela um posterius, que surge como conseqüência do reconhecimento da existência da relação de consumo. E, por decorrência, de que a aquisição do produto ou do serviço foi realizada por um sujeito de direito que se enquadra na definição legal de consumidor.

"Aquele que vier a ser considerado consumidor é quem se beneficiará da presunção de vulnerabilidade diante do fornecedor. E essa presunção é iure et de iure, ou seja, não admite prova em sentido contrário. Mas a vulnerabilidade não é pressuposto do reconhecimento de que um sujeito adquiriu determinado produto ou serviço como consumidor. Pelo contrário. Do reconhecimento da situação de consumidor do sujeito em dada relação jurídica é que se impõe o princípio geral da vulnerabilidade."

É interessante notar que com base no mesmo "conceito econômico de consumidor", Herman Benjamin afirma que o conceito de consumo final e intermediário estão unidos, de modo que, na teoria econômica, consumidor é:

"qualquer agente econômico responsável pelo ato de consumo de bens finais e serviços. Tipicamente, o consumidor é entendido como um indivíduo, mas, na prática, consumidores serão instituições, indivíduos e grupos de indivíduos." [24]

Destarte, não obstante essas considerações, para que a pessoa jurídica possa ser considerada consumidora, além dos requisitos acima, os bens adquiridos devem ser bens de consumo e não de capital (que integram a cadeia produtiva); "aquele que utiliza o bem para continuar a produzir ou na cadeia de serviço" não pode ser considerado consumidor, mas tão somente aquele que "retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (Endverbraucher), aquele que coloca um fim na cadeia de produção". [25] Em outras palavras, consumidor "seria toda pessoa situada no término da cadeia de consumo e que encerra a circulação econômica de um produto ou serviço em vez de sobre ele atuar com vistas a sua transformação, distribuição, fabricação ou prestação." [26]

A justificativa dessa posição mais restritiva é feita com base no argumento de que o consumidor deve receber tratamento especial e diferenciado, e a generalização da aplicação da legislação de proteção ao consumidor, estendendo o rol dos beneficiados por essa proteção, iria terminar por dar tratamento igual para todos, desvirtuando a finalidade do Direito do Consumidor de "proteger a parte mais fraca ou inexperiente na relação de consumo" [27].

Como já notado acima, os defensores desta corrente interpretativa usualmente fundamentam suas posições não tanto nas disposições do CDC, mas mais presos às definições elaboradas antes da publicação da lei, e de doutrina e legislação estrangeira, passando muitas vezes ao largo do texto legal.

Sobre esse ponto é relevante o pensamento de James Marins:

"Esclareça-se, apenas, como premissa para este estudo, nosso entendimento de que havendo no direito positivo conceito preciso de consumidor – como em verdade ocorre com o art. 2º aqui objeto do nosso estudo –, e que albergue conceito próprio induvidoso, não se pode pretender submetê-lo às teorias jurídicas informadoras de sistemas alienígenas, teorias essas ora textualmente recebidas pelo legislador, ora textualmente afastadas em prol da elaboração de um sistema próprio." [28]

"Condicionar-se o conceito de consumidor à constatação de sua hipossuficiência seria, em verdade, enfraquecer o sistema protetivo inaugurado pelo CDC, deslocando para o movediço critério subjetivo conceito que, no nosso sistema, é claramente e intencionalmente informado pela objetividade." [29]

3.1.3 As posições do STJ e STF

O STJ sempre buscou evitar a aplicação indiscriminada do CDC, evitando assim, segundo entendiam os ministros, um "desvirtuamento do sistema protetivo eleito pelo Código". Isso não impediu que de início houvesse uma interpretação objetiva do conceito de consumidor, com leves temperamentos, para excluir a incidência do CDC em situações em que fosse verificado o expressivo porte financeiro ou econômico: da pessoa jurídica tida por consumidora; do contrato celebrado entre as partes; de outra circunstância capaz de afastar a hipossuficiência [30] econômica, jurídica ou técnica. [31]

Porém, recentemente, houve uma virada de entendimento, pacificando-se o conceito subjetivo de consumidor, praticamente excluindo as pessoas jurídicas consumidoras do âmbito de proteção do Código.

Neste sentido é o atual posicionamento da Min. Nancy Andrighi [32], outrora ardente defensora da corrente contrária: não basta que o consumidor (adquirente de produto ou serviço, ou utente do serviço público) seja "destinatário final fático do bem ou serviço; deve ser também o seu destinatário final econômico, isto é, a utilização deve romper a atividade econômica para o atendimento de necessidade privada, pessoal, não podendo ser reutilizado, o bem ou serviço, no processo produtivo, ainda que de forma indireta." E mais adiante afirma que a relação de consumo "não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro."

Mais uma vez, a jurisprudência tempera a posição doutrinária, admitindo exceções:

"Em relação a esse componente informador do subsistema das relações de consumo, inclusive, não se pode olvidar que a vulnerabilidade não se define tão-somente pela capacidade econômica, nível de informação/cultura ou valor do contrato em exame. Todos esses elementos podem estar presentes e o comprador ainda ser vulnerável pela dependência do produto; pela natureza adesiva do contrato imposto; pelo monopólio da produção do bem ou sua qualidade insuperável; pela extremada necessidade do bem ou serviço; pelas exigências da modernidade atinentes à atividade, dentre outros fatores." [33]

Se antes a demonstração da inexistência de vulnerabilidade fazia excluir a aplicação do CDC, agora somente a demonstração da vulnerabilidade convencerá os julgadores de que a pessoa jurídica é consumidora.

Chamado a decidir questão sobre o campo de incidência do CDC, o STF incidentalmente manifestou-se sobre o conceito de consumidor. Eis o trecho do voto condutor do Min. Eros Grau sobre a questão:

Como observei também em outra oportunidade [34], o Código define "consumidor", "fornecedor", "produto" e "serviço". Entende-se como "consumidor", como "fornecedor", como "produto" e como "serviço", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, o que descrito está no seu art. 2º e no seu art. 3º e §§1º e 2º.

Inútil, diante disso, qualquer esforço retórico desenvolvido com base no senso comum ou em disciplinas científicas para negar os enunciados desses preceitos normativos. Não importa seja possível comprovar, por a + b, que tal ente ou entidade não pode ser entendido, economicamente, como consumidor ou fornecedor. O jurista, o profissional do direito não perde tempo em cogitações como tais. Diante da definição legal, força é acatá-la. Cuide apenas de pesquisar os significados dos vocábulos e expressões que compõem a definição e de apurar da sua coerência com o ordenamento constitucional.

O art. 2º do Código diz que "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". E o § 2º do art. 3º define como serviço "qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista". Assim temos que, para os efeitos do Código do Consumidor, é "consumidor", inquestionavelmente, toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. Isso não apenas me parece, como efetivamente é, inquestionável. Por certo que as instituições financeiras estão, todas elas, sujeitas ao cumprimento das normas estatuídas pelo Código de Defesa do Consumidor. [35]

Apesar de não haver um aprofundamento na definição de o que seria "destinatário final", ficou claro o dissídio entre a posição sufragada pelo STF, mais ligada à definição objetiva de consumidor, e aquela que vem sendo adotada pelo STJ.

3.2 O consumidor por equiparação

Diversas pessoas, ainda que não possam ser consideradas consumidoras no sentido estrito, podem vir a ser atingidas ou prejudicadas pelas atividades dos fornecedores no mercado, vindo a intervir nas relações de consumo de outra forma a ocupar uma posição de vulnerabilidade; anda que não possam ser consideradas consumidores stricto sensu, a posição preponderante do fornecedor a posição de vulnerabilidade dessas pessoas justificam a equiparação feita pelo legislador. [36]

A conceituação legal não se ocupa apenas da aquisição efetiva de produtos e serviços, mas também com a sua potencial aquisição – assim, também estão protegidos os potenciais consumidores. [37]

3.2.1 O interveniente nas relações de consumo

"Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo" (art. 2º, parágrafo único).

Esse parágrafo é de difícil interpretação, e os comentadores, mais preocupados com o caput deste artigo, não se aprofundam no tema. A dificuldade está principalmente em construir uma interpretação desta norma de modo que não se confunda com as demais regras de abertura do Código, atribuindo-lhe conteúdo e significado próprios.

Rizzatto Nunes [38] afirma que "a hipótese dessa norma diz respeito apenas ao atingimento da coletividade, indeterminável ou não, mas sem sofrer danos, já que neste caso o art. 17 enquadra a questão", o que não diz muito.

Fábio Ulhoa [39] define as pessoas abrangidas por essa norma não como integrantes do grupo de consumidores em potencial, mas "as pessoas do relacionamento social do consumidor que podem sofrer eventuais efeitos indiretos da relação de consumo". Porém, parece-nos que essas pessoas estão mais bem colocadas nas demais definições trazidas pelo Código: quando forem consumidoras efetivas, ou quando forem vítimas de acidente de consumo, ou ainda estiverem expostas às práticas comerciais ou contratuais.

Pela leitura dos demais artigos, fica difícil enxergar um campo de incidência para o parágrafo único, do art. 2º.

Se a pessoa interveio na relação de consumo, ou será fornecedor ou será consumidor. Eliminando aqueles definidos no caput do art. 3º (fornecedores) e no caput do art. 2º (consumidores), não sobra ninguém!

Seguindo raciocínio semelhante, Mirella Caldeira [40] conclui que a função deste dispositivo é "reforçar a idéia da tutela dos interesses difusos e coletivos", que já têm previsão nos art. 6º, VI e 81.

É dizer, enquanto o caput do art. 2º garante a proteção individual do consumidor, o parágrafo único do mesmo artigo garante a sua proteção coletiva.

3.2.2 A vítima de acidente de consumo

"Para os efeitos desta Seção [da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento" (art. 17).

Assim, qualquer vítima de um produto ou serviço receberá a proteção do CDC como se consumidor fosse, mesmo que não possa ser assim considerado com base na definição do art. 2º, aplicando-se integralmente as normas sobre responsabilidade objetiva pelo fato do produto [41], independente de haver qualquer relação prévia entre fornecedor e vítima, não se exigindo que a vítima seja consumidor final. [42]

Mesmo o adquirente intermediário poderá se valer das regras do CDC para buscar a recomposição de seus danos, pouco importando que seja pessoa física ou jurídica, privada ou pública, pequena ou grande empresa, com ou sem intuito de lucro. Nesse ponto o silêncio da doutrina confirma que distinção alguma há entre as vítimas do acidente de consumo. [43]

Tal argumentação permite concluir que até mesmo a pessoa jurídica de forma geral, inclusive aquele que adquiriu o produto para revenda, está acobertado por esta disposição legal.

Outrossim, tal equiparação somente é valida na responsabilidade civil decorrente de fato do produto ou serviço, i.e., responsabilidade extracontratual; quando houver vício no produto ou serviço, "não há dispositivo que autorize o intermediário que não adquira ou utilize o produto ou serviço como destinatário final a agir com base no Código do Consumidor", de modo que o "intermediário que adquirir produto sem que o faça na condição de adquirente ou usuário final" deverá se valer das disposições do Código Civil, "podendo, entretanto, lançar mão das normas do Código do Consumidor referentes à proteção contratual e às práticas comerciais" [44], com base no art. 29.

3.2.3 A pessoa exposta às práticas comerciais e contratuais

"Para os fins deste capítulo [das práticas comerciais] e do seguinte [da proteção contratual], equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas" (art. 29).

Assim, estão protegidos todos os potenciais consumidores, "sujeitos à mesma proteção que a lei reconhece aos consumidores no tocante às práticas comerciais e contratuais", pois a tutela nessas áreas "não se pode restringir ao momento posterior ao acordo entre o consumidor e o fornecedor", devendo antecedê-lo, para que tenha um caráter preventivo e mais amplo". [45]

"Uma vez existindo qualquer prática comercial, toda a coletividade de pessoas já está exposta a ela, ainda que em nenhum momento se possa identificar um único consumidor real que pretenda insurgir-se contra tal prática." [46]

Herman Benjamin esclarece ser "indiferente estejam essas pessoas identificadas individualmente ou, ao revés, façam parte de uma coletividade indeterminada composta só de pessoas físicas ou só de pessoas jurídicas, ou, até, de pessoas jurídicas e de pessoas físicas. O único requisito é que estejam expostas às práticas comerciais e contratuais abrangidas pelo Código." [47]

Cláudia Lima Marques [48] inclui entre as pessoas expostas às práticas abusivas também os agentes econômicos, sendo-lhes facultado o manejo "[d]as normas especiais do CDC, seus princípios, sua ética de responsabilidade social no mercado, sua nova ordem pública, para combater as práticas comerciais abusivas"; apontando como único limite a idéia de prejuízo, direto ou indireto, para os consumidores diante da prática comercial abusiva. Esse entendimento se faz possível pela não inclusão de qualquer tipo de limitação na definição do art. 29, ao contrário do que ocorre no art. 2º, caput, onde há referência expressa ao ‘destinatário final’. [49]


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4. FORNECEDOR

Fornecedor, segundo a definição legal (CDC 3º), "é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços". Assim, não se exige que o fornecedor tenha personalidade jurídica, e nem mesmo capacidade civil. Em suma, fornecedor é todo e qualquer participante do ciclo produtivo-distributivo. [50]

A definição que nos é dada pela lei não exclui nenhum tipo de pessoa jurídica, seja sociedade empresarial, com ou sem fins lucrativos, fundações públicas ou privadas, sociedades de economia mista, empresas públicas, órgãos da Administração direta, etc.. [51]

Atente-se que nem todo fornecedor é empresário. Assim, o art. 966, parágrafo único, do CC, exclui o profissional liberal do conceito de empresário, mas não há dúvidas de que ele é tratado como fornecedor pelo CDC, ainda que mereça tratamento diferenciado (art. 14, 4º, do CDC). As sociedades simples (CC 981 e 982) não são empresárias, mas isso não lhes afasta da incidência do CDC. Também o Estado, ostensivamente quando atua como agente econômico ou prestando serviços públicos mediante remuneração direta [52], está abrangido pelo conceito de fornecedor. [53]

Filomeno enquadra na definição de fornecedor todos que "propiciem a oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, de maneira a atender às necessidades dos consumidores, sendo despiciendo indagar-se a que título." [54]

Para Cláudia Lima Marques [55], o que caracteriza o fornecedor de produtos é o desenvolvimento de atividades tipicamente profissionais. Já quanto ao prestador de serviços, basta que a atividade seja habitual ou reiterada, não se exigindo que o prestador seja "profissional" da área.

Já as entidades associativas e os condomínios em edificações, diz Filomeno [56], não podem ser considerados fornecedores em face de seus associados e condôminos, pois "seu fim ou objetivo social é deliberado pelos próprios interessados, em última análise, sejam representados ou não por intermédio de conselhos deliberativos, ou então mediante participação direta em assembléias gerais que, como se sabe, são os órgãos deliberativos soberanos nas chamadas ‘sociedades contingentes’". Porém, se a entidade associativa tiver como fim precípuo a prestação de serviços, cobrando mensalidade ou algum outro tipo de contribuição, deve ser considerada fornecedora desses serviços. [57]

4.1 Elementos característicos do fornecedor

4.1.1 Atividade econômica

Por atividade se entende o "conjunto de atos ordenados em função de um determinado objetivo (...), devendo ser avaliada de forma autônoma em relação aos atos singulares de que é composta"; de onde se concluí não bastar a prática de atos isolados para que se caracterize a figura do fornecedor. "Qualquer ato singular deve poder ser reconduzido a uma atividade para ser considerado ato de fornecimento e submeter-se às normas do CDC". [58]

Ainda, pela análise do dispositivo legal que define quem pode ser considerado fornecedor, temos que não bastará o exercício de qualquer atividade, mas sim de uma atividade econômica.

4.1.2 Profissionalismo

Outrossim, tal atividade econômica deve ser desenvolvida com profissionalismo, i.e., com regularidade, objetivo de satisfação de necessidade alheia, e o propósito de obter um ganho. [59]

A regularidade consiste no exercício constante e estável da atividade, de modo que, como ressalta Flávia Püschel [60], não são considerados profissionais aqueles que exercem atividade econômica "acidentalmente e cuja organização exaure sua função no cumprimento do próprio ato para o qual foi criada". Porém, é importante ressaltar que não se exige a habitualidade da atividade – i.e., que seja ininterrupta – para que se configure uma relação de consumo; a atividade comercial sazonal ou eventual não obsta a incidência das regras do CDC. De acordo com Rizzatto Nunes, a atividade que ocorra com certa regularidade, ainda que não de forma contínua, com o objetivo de auferir lucros, basta para que se configure a relação de consumo. [61]

É indispensável que o desenvolvimento da atividade econômica seja voltado para a satisfação de necessidade alheia, pouco importando se para poucos ou para muitos, não sendo possível a caracterização de profissionalismo na pessoa que produz exclusivamente para a satisfação de necessidade pessoal.

Quanto ao último elemento, a obtenção de ganho, há divergência doutrinária.

Para alguns – como Giuseppe Ferri e Tullio Ascarelli [62] – deverá haver finalidade de obtenção de lucro, de incremento no patrimônio, de modo que as entidades que desenvolvem atividades sem fins lucrativos não seriam consideradas fornecedoras.

Porém, prevalece que basta ter "por objetivo buscar o reembolso dos fatores de produção empregados ou evitar perdas e gastos, sem procurar o incremento patrimonial propriamente dito." [63] Entender de outro modo poderia fomentar a concorrência desleal entre entidades sem fins lucrativos – sujeitas, à princípio, à responsabilidade subjetiva, e ressalvada a aplicação dos arts. 927, parágrafo único e 931, do CC – e as com finalidade lucrativa, que, tendo que incluir no custo de sua operação o ônus de responder objetivamente aos danos que der causa, não conseguiria competir com os preços da primeira. [64]

"Além disso, o objetivo de ganho deve referir-se à atividade em si, e não aos atos singulares, ou seja, não há necessidade de que cada ato singular seja praticado com o objetivo de obter ganho. O fornecedor é responsável, por exemplo, por produtos distribuídos gratuitamente como amostra, pois, embora não haja remuneração por tais amostras, tal distribuição gratuita faz parte do exercício da atividade econômica profissional do fornecedor." [65]

4.1.3 Autonomia

Por fim, para que se caracterize determinado ente como fornecedor, é preciso que exerça sua atividade econômica de forma autônoma, i.e., não-subordinada. A definição de atividade autônoma é obtida como contraposição de atividade subordinada: desenvolvida na dependência de outrem e cujos resultados se referem a bens alheios ou a serviços depois fornecidos por outrem. [66] Assim, aquele que exerce atividade na qualidade de empregado de outrem, não é fornecedor, mas está inserido na cadeia produtiva, e, portanto, é fornecedor, aquele que desenvolve suas atividades

4.2 Espécies de fornecedor

Estabelecida a amplitude do conceito de fornecedor (art. 3º), cabe agora traçar eventuais diferenças entre os diversos participantes da cadeia produtiva-distributiva. A princípio, todos são tratados de forma uniforme ao longo do Código, e referidos sob a denominação comum de fornecedor. Há uma exceção, porém: na seção que trata da ‘responsabilidade por fato do produto ou serviço’ (arts. 12-14), a lei dá tratamento específico e diferenciado para o produtor [67], o comerciante, e o prestador de serviços.

4.2.1 Produtor final e produtor de matéria prima ou parte componente

De acordo com as etapas da produção, é possível identificar três espécies de produto: a matéria-prima (materiais e substâncias destinados à fabricação de produtos), a parte componente (que se destina à incorporação a um produto final), e o produto final (pronto para servir ao uso a que se destina). [68]

Um mesmo produto pode, dependendo das circunstâncias, estar enquadrado em qualquer uma dessas categorias, dependendo, sobretudo, de uma análise da função do produto e do modo como é oferecido no mercado.

Perante o consumidor tal distinção não apresenta relevância prática nas questões relativas ao vício do produto, em razão da responsabilidade solidária imposta pela lei (CDC, art. 18). Mas quando adentramos no tema da responsabilidade pelo fato do produto mostra-se de grande importância, uma vez que, de acordo com Flavia Püschel [69], "cada produtor responde pelos defeitos surgidos durante o seu próprio processo de produção ou em fases anteriores", de modo que o "produtor final responde pelos defeitos da parte componente, bem como pelos defeitos da matéria-prima empregada na produção da parte componente (...), assim como por aqueles resultantes diretamente de sua própria atividade."

4.2.2 Produtor real, presumido e aparente

Produtor real é aquele que participa de maneira autônoma no processo de produção de um bem, contribuindo em qualquer medida "para a confecção de um produto apto para a distribuição, seja de um produto final, seja de uma parte componente, seja de uma matéria-prima." [70]

Produtor presumido é o importador. Tal ficção legal existe como concretização do postulado que determinada a facilitação da defesa do consumidor em juízo, evitando que ele tenha que buscar a reparação em face do produtor real estrangeiro.

Produtor aparente é aquele que simplesmente apõe ao produto o seu nome ou marca, de modo a ocultar a indicação do produtor real do produto, criando a aparência de ter ele mesmo produzido o bem. Ainda que não tenha efetivamente participado da produção, o produtor aparente é tratado como se tivesse em razão da situação de aparência criada para o consumidor. Atente-se, porém, que não fica excluída a eventual responsabilidade do produtor real. [71]

4.2.3 Comerciante

Comerciante, na definição de Flavia Püschel [72], é todo sujeito que distribui produtos no âmbito de sua atividade profissional, sem exercer ele próprio atividade de produção.

Para diferenciar a atividade produtiva da mera distribuição, deve ser levada em conta "a influência da atividade em questão sobre a configuração e qualidades essenciais do produto". Assim, se há "influência sobre a estrutura ou qualidades essenciais do bem, trata-se de atividade de produção. Existindo, ao contrário, apenas uma manipulação insignificante, trata-se de atividade de simples distribuição" [73].

O tratamento dado pelo CDC ao comerciante é diferente dos demais fornecedores. Enquanto a responsabilidade pelo vício do produto é solidária de todos os participantes da cadeia produtivo-distributiva, o comerciante somente é responsabilizado pelo fato do produto direta e isoladamente quando houver má-conservação do produto, ou ainda, de forma subsidiária, quando o produtor final [74] do produto não for suficientemente identificado, impedindo que o consumidor acione diretamente o produtor real.

4.2.4 Prestador de serviços

Prestador de serviços é aquele ator da cadeia produtiva-distributiva que presta qualquer tipo de atividade no mercado de consumo, envolvendo ou não o concomitante fornecimento de produto.

Quando houve fornecimento de produto juntamente com a prestação de serviços, deverá ser analisada qual a atividade preponderante para que se possa dar o tratamento legislativo adequado à relação de consumo.

4.3 O Poder Público como fornecedor

O Código, em seu art. 3º, diz que o fornecedor pode ser ente público ou privado, i.e., inclui-se no conceito de fornecedor o próprio Poder Público, "por si ou então por suas empresas públicas que desenvolvam atividade de produção, ou ainda as concessionárias de serviços públicos" [75].

Em face da redação explícita da lei, não há como negar a sua incidência em relação ao Poder Público, sempre que configurados os elementos acima expostos. Já quanto ao enquadramento ou não de todas as atividades exercidas pelo Poder Público veremos mais adiante quando for debatida delimitação legal do serviço.


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5. PRODUTO

Produto, na econômica definição do CDC, "é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial" (art. 3º, §1º). Bens, por sua vez, são coisas úteis aos homens, que provocam a sua cupidez, sendo objeto de apropriação privada; assim, bens econômicos são as coisas úteis e raras, suscetíveis de apropriação. [76]

Filomeno resume, conceituando produto como "qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, e destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente, como destinatário final". [77]

É de relevância a classificação dos bens com base em sua taxa de consumo (CDC 26): bens duráveis (bens tangíveis que normalmente sobrevivem a muitos usos), bens não duráveis (bens tangíveis que normalmente são consumidos em um ou em alguns poucos usos). [78] O simples fato de o produto não se extinguir numa única utilização não lhe retira o status de não durável – "o que caracteriza essa qualificação é sua maneira de extinção ‘enquanto’ é utilizado" [79].

Surge a dúvida de onde classificar os produtos descartáveis, que têm essência de duráveis, mas vida útil de não-duráveis. Rizzatto Nunes [80] defende que, não havendo tratamento legislativo específico, e como o produto não-durável tem características diversas, o descartável deve receber o tratamento dispensado ao durável.

Uma outra classificação se mostra relevante para fins de se determinar a incidência ou não da legislação consumerista: bem de insumo, e bem de custeio.

Bem de insumo, ou de produção, é aquele "utilizado para fins de transformação e posterior transmissão"; enquanto bem de custeio, ou de consumo, é "a coisa adquirida para desenvolvimento da própria atividade, como instrumento hábil para a consecução dos fins objetivados, sem qualquer transferência para a clientela". [81] Roberto Senise Lisboa [82] entende não ser razoável a exclusão pura e simples do bem de insumo da proteção do CDC, uma vez que a lei não faz qualquer ressalva; a limitação deve ser feita somente com base na finalidade (motivo) da aquisição do produto (consumo como destinatário final), de modo que "o bem transformado para uso posterior próprio não retira do adquirente ou utente a situação jurídica de consumidor". No mesmo sentido, Rizzatto Nunes [83] defende que o CDC é aplicado nos casos em que os produtos e serviços são oferecidos no mercado de consumo para a aquisição por qualquer pessoa como destinatária final, independente do uso que o adquirente faça, para a produção ou não de outros produtos ou serviços.

Outra classificação extremamente útil nos é trazida por Roberto Senise Lisboa [84] quanto à substituição das peças: entre produto compósito e produto essencial (não compósito). Produto compósito "é aquele resultante do justaposicionamento de peças e componentes que podem ser substituídos sem que se proporcione a sua inadequação", enquanto produto essencial "é aquele que não pode ter qualquer de seus componentes retirados ou substituídos, sob pena de comprometer a sua substância.", de modo que seus elementos são insuscetíveis de dissociação. Este "não pode ser reparado no caso de existência de vício intrínseco, cabendo ao consumidor, neste caso, a adoção das outras soluções propugnadas pelo legislador (redibição, estimação ou troca)", enquanto o produto compósito, apresentando vício em alguma peça, ao fornecedor será aberto o prazo legal para realizar os reparos necessários.

Por fim, é relevante ressaltar que o produto (assim como o serviço) gratuito, "amostra grátis", também está regulado pelo CDC (art. 39, parágrafo único), estando sujeito a todas as suas regras.


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6. SERVIÇO

Serviço "é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista" (CDC3º, §2º).

Roberto Senise Lisboa [85] ressalta que a lei somente excepciona os serviços prestados em relações trabalhistas, e nenhum outro mais. Assim, haverá relação de consumo sempre que preenchidos os requisitos legais, pouco importando "que o serviço, como atividade remunerada, seja de natureza civil, comercial ou administrativa."

Por outro lado, estariam excluídos da aplicação do CDC, segundo Filomeno [86], as relações locatícias de imóveis, mesmo quando firmada entre pessoas jurídicas; justifica tal posição na existência de legislação própria (Lei nº 8245/91), que contém ainda dispositivo contra prática abusiva (denúncia vazia na vigência de contrato por prazo determinado, art. 4º). Tal posição se coaduna, outrossim, com o posicionamento reiterado do STJ [87], que tem, porém, aplicado CDC em relação à administradora de imóveis [88].

Outrossim, a utilização da expressão "mediante remuneração", ao invés de "oneroso", significaria abranger também os serviços remunerados de forma indireta – a lei se refere à remuneração do serviço e não à sua gratuidade. [89]

Assim, "os contratos unilaterais de prestação de serviços e os contratos gratuitos puros" [90] não são regidos pelo CDC, mesmo que prestados por sujeito que normalmente atua como fornecedor no mercado de consumo, pois não haverá a necessária onerosidade da relação obrigacional.

Classificam-se os serviços em "duráveis" e "não-duráveis"; estes são os que se esgotam uma vez prestados; aqueles são os que têm continuidade no tempo em decorrência de estipulação contratual, e os que deixam como resultado um produto. [91]

6.1 Serviços públicos

"Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído em favor dos interesses que houver definidos como próprios no sistema normativo" [92].

Filomeno [93] entende que "serviços" são atividades, benefícios ou satisfações que são oferecidas à venda; e que "mediante remuneração" não se refere a tributos, taxas ou contribuições de melhoria, pois aí haveria relação jurídica de natureza tributária, e não de consumo – "contribuinte não se confunde com consumidor". Admite apenas a inclusão dos serviços remunerados por tarifas em sua definição.

Já para Cintra do Amaral [94], sempre que se tratar de serviço público, seja ele prestado diretamente pelo Estado ou por concessionária, não há que se falar em aplicação do CDC; nos serviços públicos o Estado sempre figura como responsável pelos eventuais danos decorrentes do serviço, enquanto que nas relações de consumo não haveria responsabilidade estatal, mas tão somente a sua intervenção como regulador das relações privadas. Assim, não seria possível confundir o consumidor com o contribuinte.

Por outro lado, para Rizzatto Nunes [95] estão incluídas no conceito de serviço, além da atividade privada, "todas as atividades oferecidas pelos órgãos públicos diretamente ou por suas empresas públicas ou de economia mista, as concessionárias e permissionárias ou qualquer outra forma de empreendimento" – i.e., todos os serviços públicos, sem ressalvas.

Já para Regina Helena Costa [96], "é a exigência de remuneração específica pela prestação de determinado serviço público que vai determinar sua sujeição à disciplina legal das relações de consumo", de modo que somente a "prestação de serviços públicos, específicos e divisíveis" (CTN, art. 79, II e III), remunerados por taxa ou tarifa, estariam sujeitos à disciplina do CDC, com a exclusão de todos os demais.

Num primeiro momento Roberto Senise Lisboa [97] defendeu que quando a lei excluiu expressamente as relações trabalhistas do rol das prestações de serviço por si reguladas, incluiu todas as demais, sem exceção, inclusive as de natureza administrativa, prestadas pela administração pública direta ou indireta.

Revendo sua posição [98], o referido autor passou a defender ser necessária a análise da forma de pagamento da remuneração e a natureza do serviço público desempenhado a fim de se aferir a incidência ou não da legislação de consumo, pois considera-se serviço, para fins da lei, "toda a atividade remunerada lançada no mercado de consumo pelo órgão público".

Destarte, somente haverá relação de consumo com a administração pública (direta ou indireta) quando a aquisição ou utilização do serviço se der mediante pagamento direito. Isso exclui "praticamente todas as relações jurídicas tributárias" da regulação do CDC, "uma vez que o pagamento de impostos e taxas é dirigido para o cofre público, sendo as verbas obtidas pelo Poder Público repassadas para cada setor da atividade pública, de acordo com o orçamento previamente elaborado pela Administração". Para o autor, os impostos, mesmo as taxas, não teriam a especificidade nem a divisibilidade necessárias para a caracterização de relação de consumo.

Por outro lado, afirma ser indiscutível a aplicabilidade do CDC aos serviços remunerados por tarifa, que é "genuína remuneração pelo serviço prestado pelo órgão público ou pela entidade da Administração indireta, porque o destinatário final se utiliza da atividade estatal a ele fornecida em razão do pagamento da prestação diretamente vinculada a essa atividade" [99].

Mais, Roberto Senise Lisboa [100] ainda defende que os serviços tipicamente estatais, que por natureza são uti universi (tais como segurança, justiça, e saúde pública), não estariam jamais sujeitos à regulação do CDC. Ainda, o Estado está isento de responsabilidade, seja por que regime for, em ralação aos atos de império e pelo exercício do poder de polícia.

Por outro lado, os serviços públicos impróprios, que podem ser prestados uti singuli, seriam invariavelmente submetidos ao regime do CDC. E resume: "a Administração Pública, direta ou indireta, deve se submeter às normas do Código de Defesa do Consumidor sempre que fornecer um serviço público uti singuli, mediante o pagamento diretamente efetuado pelo consumidor a título de prestação correspondente."

O entendimento do STJ [101], seguindo essa orientação, é de que a prestação de serviço público não configura relação de consumo. Segundo esse entendimento, somente quando os serviços e produtos são oferecidos no "mercado de consumo" poderia haver relação de consumo, de modo que a prestação de serviço público típico, aquele remunerado por tributo (em oposição ao atípico, remunerado por tarifa), ficaria excluída da incidência do CDC.

Semelhante é o entendimento do STF [102] sobre o tema, negando de forma peremptória que não há relação de consumo entre o poder público e contribuinte.

Outrossim, conforme se extrai de definição de fornecedor adotada neste trabalho, esta posição se encontra em perfeita harmonia com a legislação consumerista, uma vez que não há como considerar que o serviço público típico esteja colocado no mercado de consumo.

6.2 Atividades bancárias, financeiras e de crédito

Quanto às atividades bancárias, financeiras e de crédito, sobre as quais se discutia a possibilidade de regulamentação através de lei ordinária, o STF pacificou a questão – ADI 2591 – determinando a sujeição de tais atividades às regras do CDC, afastando, porém, do seu campo de aplicação

"a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros".

Afirmou-se ainda que somente é necessária a edição de lei complementar para a regulamentação da estrutura do sistema financeiro – CF, art. 192.

Ademais, tal decisão pouco contribuiu para a definição do conceito de consumidor, limitando-se a defini-lo, como a lei, como sendo o destinatário final dos serviços.


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Notas

01 Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade, p. 189.

02 Herman Benjamin, ‘O conceito jurídico de consumidor’, p. 71.

03 V. Herman Benjamin, ‘O conceito jurídico de consumidor’, p. 71-78.

04 Cf. James Marins, in: Código comentado, p. 19-20 e notas.

05 Filomeno, in: Código comentado, p. 31.

06 Rizzatto Nunes, Comentários, p. 88.

07 Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil, p. 159.

08 James Marins, in: Código comentado, p. 21.

09 Maria Antonieta Donato, Proteção ao consumidor, p. 78-80.

10 Fábio Konder Comparato, ‘A proteção do consumidor’, p. 90-91.

11 Roberto Senise Lisboa, Relação de consumo, p. 6 e 29-32.

12 Rizzatto Nunes, Comentários, p. 87-98.

13 Em sentido semelhante: "A lei é clara ao classificar como consumidor a pessoa jurídica, desde que possa subsumir-se no enquadramento normativo dos conceitos de consumidor que o CDC estabelece. Há polêmica no Brasil acerca do tema, havendo quem queira distinguir onde a lei não o faz, considerando consumidora a pessoa jurídica apenas quando adquira produto ou se utilize de serviço que não seja considerado insumo para sua atividade empresarial. Para essa corrente restritiva, indústria de automóveis que adquire computadores para seu escritório não seria consumidora, pois os computadores melhoram a sua produtividade e, nessa condução, são considerados insumos. Levada à sua última conseqüência, a tese restritiva nega vigência ao art. 2º, caput, do CDC, pois, para os que a defendem, praticamente nunca a pessoa jurídica seria consumidora." Nery Jr., in: Código comentado, p. 494.

14 James Marins, in: Código comentado, p. 29.

15 João Batista de Almeida, Manual, p. 35-40.

16 Roberto Senise Lisboa, Relação de consumo, p. 32, e Responsabilidade civil, p. 166-167.

17 É o que Roberto Senise Lisboa chama de ‘teoria da causa final’, isto é, o ‘para que’ o fato ocorreu, não tendo nenhuma relação com o seu ‘porquê’ (Responsabilidade civil, p. 169-183).

18 Cláudia Lima Marques, Comentários, p. 71-74.

19 Uma nota se faz imprescindível sobre esse argumento: todo e qualquer bem adquirido pela empresa está incluído no preço final ao adquirente de seus produtos, pouco importando que faça ou não parte da cadeia produtiva, ou alguém duvida sinceramente que o cafezinho do diretor da montadora de carros não esteja embutido no preço final dos veículos vendidos aos consumidores?

20 Maria Antonieta Donato, Proteção ao consumidor, p. 68 e 108.

21 "[P]oderá ser conferida a tutela protecionista dos consumidores às pessoas jurídicas ou aos consumidores-profissionais desde que fundada ‘na ausência de similitude entre o bem e o serviço que são objeto do ato para o qual o profissional reclama a sua qualidade de consumidor, e os bens ou serviço que são objeto de sua especialidade comercial ou profissional’." (Thierry Bougoignie apud Maria Antonieta Donato, Proteção ao consumidor, p. 108).

22 Filomeno, in: Código comentado, p. 27; 31-37.

23 Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil, p. 165.

24 Cf. David W. Pearce, The dictionary of modern economics, p. 80 apud Herman Benjamin, ‘O conceito jurídico de consumidor’, p. 71.

25 Cf. Cláudia Lima Marques, Comentários, p. 71.

26 Herman Benjamin, ‘O conceito jurídico de consumidor’, p. 72.

27 Herman Benjamin, ‘O conceito jurídico de consumidor’, p. 77.

28 James Marins, in: Código comentado, p. 20.

29 James Marins, in: Código comentado, p. 23.

30 Note-se a utilização pouco técnica desse termo, uma vez que o CDC somente faz referência à hipossuficiência para fins processuais; o termo mais apropriado seria "vulnerabilidade", ainda que o Código tampouco o eleja como elemento definidor de consumidor – a vulnerabilidade é conseqüência de ser consumidor.

31 Cf. Nancy Andrighi, in: Conflito de Competência nº 41.056-SP

32 Nancy Andrighi, in: REsp 476.428-SC.

33 Loc. cit.

34 In: ‘Definição legal de consumidor’, p. 42-41.

35 Eros Grau, voto in: ADI nº 2591.

36 Cláudia Lima Marques, Comentários, p. 74-75.

37 Filomeno, in: Código comentado, p. 38.

38 Rizzatto Nunes, Comentários, p. 99.

39 Fábio Ulhoa, in: Comentários, coord. por Juarez de Oliveira, p. 148-149.

40 Mirella Caldeira, ‘O conceito de consumidor no parágrafo único do art. 2º do CDC’.

41 Cf. Cláudia Lima Marques, Comentários, p. 277.

42 Herman Benjamin, in: Comentários, coord. por Juarez de Oliveira, p. 80-81; Maria Antonieta Donato, Proteção ao consumidor, p. 195.

43 V. James Marins, in: Código comentado, p. 140.

44 James Marins, in: Código comentado, p. 27.

45 Fábio Ulhoa, in: Comentários, coord. por Juarez de Oliveira, p. 148.

46 Rizzatto Nunes, Comentários, p. 100.

47 Herman Benjamin, in: Código comentado, p. 253.

48 Cláudia Lima Marques, Comentários, p. 397.

49 No mesmo sentido: Herman Benjamin, ‘O código brasileiro de proteção ao consumidor’, nota 47, p. 19.

50 Cf. Denari, in: Código comentado, p. 174.

51 Rizzatto Nunes, Comentários, p. 101.

52 Mas também quando há remuneração indireta: Rizzatto Nunes, Comentários, p. 112-113.

53 Cf. Flávia Püschel, Responsabilidade, p. 59-61.

54 Filomeno, in: Código comentado, p. 43.

55 Cláudia Lima Marques, Comentários, p. 93.

56 Filomeno, in: Código comentado, p. 45.

57 Filomeno, in: Código comentado, p. 46.

58 Flávia Püschel, Responsabilidade, p. 62.

59 Flávia Püschel, Responsabilidade, p. 63.

60 Flávia Püschel, Responsabilidade, p. 63.

61 Cf. Rizzatto Nunes, Comentários, p. 101-102.

62 Apud Flávia Püschel, Responsabilidade, p. 65.

63 Flávia Püschel, Responsabilidade, p. 65.

64 Cf. Flávia Püschel, Responsabilidade, p. 66.

65 Flávia Püschel, Responsabilidade, nota 102, p. 65.

66 Tullio Ascarelli apud Flávia Püschel, Responsabilidade, p. 67.

67 Utilizamos aqui a terminologia sugerida por Flávia Püschel (Responsabilidade, nota 77, p. 57-58), utilizando o termo produtor para referir a todos aqueles enumerados no art. 12, caput, uma vez que todos recebem indistintamente o mesmo tratamento legal, além de "remeter à idéia de produção, criação, isto é, de poder para influir sobre as características do produto."

68 Flávia Püschel, Responsabilidade, p. 71-72.

69 Flávia Püschel, Responsabilidade, p. 73-74.

70 Flávia Püschel, Responsabilidade, p. 77.

71 Cf. Flávia Püschel, Responsabilidade, p. 82.

72 Cf. Flávia Püschel, Responsabilidade, p. 82.

73 Cf. Flávia Püschel, Responsabilidade, p. 83.

74 Cf. Flávia Püschel, Responsabilidade, p. 86.

75 Filomeno, in: Código comentado, p. 43. No mesmo sentido: Rizzatto Nunes, Comentários, p. 101; Roberto Senise Lisboa, Relação de consumo, p. 9-10.

76 Sílvio Rodrigues, Direito civil, v. 1, p. 119 apud Filomeno, in: Código comentado, p. 47.

77 Cf. Filomeno, in: Código comentado, p. 48.

78 Cf. Filomeno, in: Código comentado, p. 47; Rizzatto Nunes, Comentários, p. 107-108.

79 Cf. Rizzatto Nunes, Comentários, p. 107-108.

80 Rizzatto Nunes, Comentários, p. 108.

81 Roberto Senise Lisboa, Relação de consumo, p. 25.

82 Roberto Senise Lisboa, Relação de consumo, p. 25-26.

83 Rizzatto Nunes, Comentários, p. 92.

84 Roberto Senise Lisboa, Relação de consumo, p. 196-197.

85 Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil, p. 198 e ss..

86 Filomeno, in: Código comentado, p. 57.

87 P. ex.: REsp nº 689266, e 575020; AgRg no Ag nº 363679, e 636897.

88 REsp nº 614981.

89 Cláudia Lima Marques, Comentários, p. 94; Rizzatto Nunes, Comentários, p. 111; James Marins, in: Código comentado, p. 37-38, nota 20.

90 Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil, p. 199.

91 Rizzatto Nunes, Comentários, p. 110-111.

92 Celso Antônio, Curso, p. 612.

93 Filomeno, in: Código comentado, p. 48-49.

94 Cintra do Amaral, ‘Distinção entre usuário de serviço público e consumidor’.

95 Rizzatto Nunes, Comentários, p. 112-113.

96 Regina Helena Costa, ‘A tributação e o consumidor’, n. 6. Nesse mesmo sentido: Maria Antonieta Donato, Proteção ao consumidor, p. 122-123.

97 Roberto Senise Lisboa, Relação de consumo, p. 28.

98 Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil, p. 211-213.

99 Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil, p. 213-214.

100 Roberto Senise Lisboa, Relação de consumo, p. 214-217.

101 STJ, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, REsp 625.144-SP. Divergiram da fundamentação da maioria, entendendo que na prestação de serviço público típico há relação de consumo: Nancy Andrighi, e Castro Filho.

102 STF, 2ª T., Rel. Min. Carlos Velloso, AgRegAI 282.298-2/RS. V., ainda, os demais julgados lá referenciados.


Aspectos da responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor e excludentesElaborado em 12.2006.

Michele Oliveira Teixeira

advogada e professora do Centro Universitário Franciscano em Santa Maria (RS)

Simone Stabel Daudt

advogada e professora do Centro Universitário Franciscano em Santa Maria (RS)


Sumário:Introdução. 1. Responsabilidade civil no código de defesa do consumidor,1. 1 Responsabilidade subjetiva e objetiva. 1.2 Responsabilidade pelo fato do produto e do serviço. 1.3 Responsabilidade pelo vício do produto e do serviço. 2. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE. 2.1 Previstas no CDC. 2.2 Outras Excludentes. 2.2.1 Caso Fortuito e Força Maior. 2.2.2 Riscos do desenvolvimento. 2.2.3 Exercício regular de direito.Conclusões. Referências Bibliográficas.


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Introdução

O presente artigo aborda a responsabilidade civil prevista no Código de Defesa do consumidor e analisa as excludentes previstas em referido diploma legal, bem como outras existentes no ordenamento jurídico brasileiro e aplicáveis às relações de consumo.


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1. RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

1. 1 Responsabilidade subjetiva e objetiva

Dois são os fundamentos da responsabilização do agente: de um lado, a culpa, baseada na doutrina subjetiva ou teoria da culpa, e, de outro lado o risco, fundamentado pela doutrina objetiva ou teoria do risco.

O Código Civil, em seus arts. 186 e 187, adota como regra a responsabilidade subjetiva, ou seja, além da ação ou omissão que causa um dano, ligados pelo vínculo denominado nexo de causalidade, deve restar comprovada a culpa em sentido lato.

A essência da responsabilidade subjetiva como enuncia o insigne jurista Caio Mário [01] assenta-se fundamentalmente na pesquisa ou indagação de como o comportamento contribui para o prejuízo sofrido pela vítima.

Não é apto a gerar o efeito ressarcitório um fato humano qualquer. É preciso que este fato seja jurídico [02] e que seja ilícito.

Assim, a responsabilidade civil surge pela prática de um ato ilícito [03], que é o conjunto de pressupostos da responsabilidade civil [04].

Tratando-se de responsabilidade subjetiva a culpa integra esses pressupostos e a vítima só obterá a reparação do dano se comprovar a culpa [05] do agente.

Com isso, o principal pressuposto dessa responsabilidade é a culpa.

Carlos Alberto Bittar [06] entende que:

"Na teoria da culpa (ou "teoria subjetiva"), cabe perfazer-se a perquirição da subjetividade do causador, a fim de demonstrar-se, em concreto, se quis o resultado (dolo), ou se atuou com imprudência, imperícia ou negligência (culpa em sentido estrito). A prova é, muitas vezes, de difícil realização, criando óbices, pois, para a ação da vítima, que acaba, injustamente suportando os respectivos ônus".

Porém, em alguns casos, referido diploma adota a responsabilidade objetiva imprópria, também chamada da culpa presumida, bem como, a responsabilidade objetiva, como por exemplo nas hipóteses previstas nos artigos 931 e 936.

O Código de Defesa do Consumidor, ao contrário do Código Civil, como regra, a responsabilidade objetiva, dispensando, assim, a comprovação da culpa para atribuir ao fornecedor a responsabilidade pelo dano. Basta a demonstração da existência de nexo causal entre o dano experimentado pelo consumidor e o vício ou defeito no serviço ou produto.

A opção legislativa reflete a adoção feita pelo legislador da teoria do risco do negócio, segundo a qual aquele que explora atividade econômica deve arcar com os danos causados por essa exploração, ainda que não tenha concorrido voluntariamente para a produção dos danos [07].

Segundo a teoria objetiva quem cria um risco deve responder por suas conseqüências.

O fato danoso é que engendra a responsabilidade. Não se perquire se o fato é culposo ou doloso, basta que seja danoso.

Para a teoria objetiva interessa somente o dano para que surja o dever de reparação. A vítima deverá provar somente o dano e o fato que o gerou.

Claudia Lima Marques [08] ensina que para ser caracterizada a responsabilidade prevista no art.12 é necessária a ocorrência comprovada e concorrente de três elementos: a) existência do defeito; b) o dano efetivo moral e/ou patrimonial; c) o nexo de causalidade entre o defeito do produto e a lesão.

Como restam especificados no caput do art. 12 que os danos indenizáveis são somente aqueles causados aos consumidores por defeitos de seus produtos observa-se ser necessária a existência de um defeito no produto e um nexo causal entre este defeito e o dano sofrido pelo consumidor, e não só entre o dano e o produto [09].

Wilson Melo da Silva [10] esclarece com propriedade a definição da responsabilidade objetiva:

"Pela teoria da responsabilidade objetiva ou sem culpa, como é denominada por muitos, o fator culpa seria de nula relevância. O autor do dano indenizaria pelo só fato do dano mesmo sem se indagar da sua culpabilidade, ou não, no caso. Bastaria que se demonstrasse apenas a relação de causalidade entre o dano e seu autor para que daí decorresse para o agente a obrigação de reparar".

Sérgio Cavalieri ressalta [11]:

"Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decore do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos."

Contudo, há uma exceção à responsabilidade objetiva, o artigo 14, § 4º [12] trata da responsabilidade dos profissionais liberais, em suas atuações não ligadas a "obrigação de resultado", condição esta que, se verificada, os remete à responsabilidade objetiva.

É importante ressaltar que o tratamento diferenciado dado aos profissionais liberais se limita ao fundamento da responsabilidade, inexistindo incompatibilidade entre a norma e as demais regras protecionistas, inclusive a de inversão do ônus da prova [13].

Nesse sentido salienta Paulo Lobo [14] que caso o legislador pretendesse a exclusão da incidência do CDC aos profissionais liberais os mesmos não deveriam estar englobados no art. 3º.

1.2 Responsabilidade pelo fato do produto e do serviço

Dispõe o artigo 12:

" O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos(...)"

Sérgio Cavalieri [15] define fato do produto como:

"(...) um acontecimento externo, que ocorre no mundo exterior, que causa dano material ou moral ao consumidor (ou ambos), mas que decorre de um defeito do produto. Seu fato gerador será sempre um defeito do produto; daí termos enfatizado que a palavra-chave é defeito."

Ou seja, aquele que sofrer acidente de consumo decorrente de defeito de concepção, execução ou comercialização de produto, tem o direito de ser indenizado por todos os danos decorrentes [16].

O art. 12 trata dos defeitos dos produtos, isto é, inadequações no produto que ocasionam uma lesão no consumidor.

O artigo 8º do CDC estabelece que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos á saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, sendo obrigado o fornecedor a dar informações necessárias e adequadas a seu respeito.

Assim, uma vez colocados no mercado, interessa verificar se há possibilidade de transmitir ao consumidor informações que capacitem o consumidor do fornecimento em questão ao seguro consumo do produto ou serviço [17].

Ressalte-se, por fim, que o art. 10º impede a colocação no mercado produto ou serviço com alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.

Importante destacar que existe responsabilidade inclusive se o produto foi distribuído gratuitamente, conforme ensina Silvio Luíz Ferreira da Rocha [18]:

"O fornecedor que entrega seus produtos para exame ou prova não poderá subtrair-se da responsabilidade civil prevista, alegando que o produto ainda não foi colocado no mercado.

Outrossim, o fornecedor será responsável também por produtos distribuídos a título gratuito, como a entrega de bens a seus empregados, promoçõe publicitárias, ou, ainda, doação de bens destinados a vítimas de catástrofes".

Coaduna de tal entendimento Zelmo Denari [19]: "A circunstância de o produto ter sido introduzido no mercado de consumo gratuitamente, a título de donativo para instituições filantrópicas ou com objetivos publicitários, não elide a responsabilidade do fornecedor."

Portanto, para haver a responsabilidade do fornecedor é necessário, além é claro, do defeito e do nexo de causalidade entre este e o dano sofrido pelo consumidor, que o produto entre no mercado de consumo de forma voluntária e consciente.

1.3 Responsabilidade pelo vício do produto e do serviço

A responsabilidade por vício do produto ou serviço não está relacionada com aquela tratada pelos arts. 12 a 14. A falta de qualidade no fornecimento nem sempre é causa de danos à saúde, integridade física e interesse patrimonial do consumidor.

O art. 18 elenca as hipóteses em que há vício no produto, sem causar dano à saúde/integridade física do consumidor.

Os "vícios" no CDC são os vícios por inadequação (art. 18 e ss) e os vícios por insegurança (art.12 e ss.) [20].

Acentua Luiz Rizzatto Nunes:

"São consideradas vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios [característica que impede seu uso ou consumo] ou inadequados [pode ser utilizado, mas com eficiência reduzida] ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Da mesma forma são considerados vícios os decorrentes da disparidade havida em relação às indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária." [21]

O CDC prevê três tipos de vícios por inadequação dos produtos: vícios de impropriedade, vícios de diminuição do valor e vícios de disparidade informativa [22].

Para Rizzatto os vícios são aqueles problemas que: a) fazem com que o produto não funcione adequadamente; b) fazem com que o produto funcione mal; c) diminuam o valor do produto; d) não estejam de acordo com informações; e) os serviços apresentem funcionamento insuficiente ou inadequado [23].

Apresentando um vício existe a responsabilidade do fornecedor.


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2. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE

2.1 Previstas no CDC

O Código de Defesa do Consumidor estipula as causas excludentes, ou seja, as hipóteses que mitigam a responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto e do serviço.

Tais hipóteses estão elencadas no artigo 12, § 3° e no artigo 14, § 3° do Código de Defesa do Consumidor [24].

A primeira eximente, arrolada no inciso III, § 3° do artigo 12, segundo Zelmo Denari [25], diz respeito à introdução do produto no ciclo produtivo-distributivo de forma voluntária e consciente. Refere o autor:

"Os exemplos mais nítidos da causa excludente prevista no inc. I seriam aqueles relacionados com o furto ou roubo de produto defeituoso estocado no estabelecimento, ou com a usurpação do nome, marca ou signo distintivo, cuidando-se, nesta última hipótese da falsificação do produto. Da mesma sorte, pode ocorrer que, em função do vício de qualidade, o produto defeituoso tenha sido apreendido pela administração e, posteriormente, à revelia do fornecedor, tenha sido introduzido no mercado de consumo, circunstância esta eximente da sua responsabilidade.

Nesse sentido manifesta-se Antonio Herman de Vasconcelos Benjamin [26]:

"É até supérfulo dizer que inexiste responsabilidade quando os responsáveis legais não colocaram o produto no mercado. Nega-se aí, o nexo causal entre o prejuízo sofrido pelo consumidor e a atividade do fornecedor. O dano foi, sem dúvida, causado pelo produto, mas inexiste nexo de causalidade entre ele e quaisquer das atividades do agente. Isso vale especialmente para os produtos falsificados que trazem a marca do responsável legal ou, ainda, para os produtos que, por ato ilícito (roubo ou furto, por exemplo), forma lanaçados no mercado."

O inciso II do mencionado dispositivo legal, bem como o inciso I, § 3° do artigo 14, trazem como excludente da responsabilidade do fornecedor a inexistência de defeito.

Zelmo Denari [27] afirma que o defeito do produto ou serviço é um dos pressupostos da responsabilidade, de forma que se não ostentar vício de qualidade ocorre a quebra da relação causal ficando elidida a responsabilidade do fornecedor.

Ressalta-se que a inexistência de qualquer dos defeitos elencados no caput do artigo 12, deverá ser demonstrada pelo fornecedor, em havendo a inversão do ônus da prova, aplicável, quando o juiz considera verossímeis as alegações do consumidor, segundo as regras de experiência, nos termos do artigo 6º, inciso III.

Dessa forma, como o caput do artigo 12 dispõe que a responsabilidade é pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos, inexistindo estes não há que se falar em dever de indenizar.

E, por fim, o inciso III, § 3° do artigo 12 e o inciso II, § 3° do artigo 14, tratam da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

No entender de Cláudia Lima Marques, Antônio Herman Vasconcelos Benjamin e Bruno Miragem: [28]

"O sistema do CDC prevê a exoneração na hipótese do inciso III do § 3° do artigo 12, de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, hipótese esta que no sistema da Directiva européia ficaria submetida ao ju´zio de valor do judiciário, mas que no sistema do CDC exonera os fornecedores, pois mesmo existindo no caso um defeito no produto, não haveria nexo causal entre o defeito e o evento danoso (cupla da vítima)".

Esclarece Zelmo Denari [29] que culpa exclusiva não se confunde com culpa concorrente:

"no primeiro caso, desaparece a relação de causalidade entre o defeito do produto e o evento danoso, disolvendo-se a própria relação de causalidade; no segundo, a responsabilidade se atenua em razão da concorrência de culpa e os aplicadores da norma costumam condenar o agente causador do dano a reparar pela metade do prejuízo, cabendo à vítima arcar com a outra metade"

Sustenta Luiz Antonio Rizzatto Nunes [30] que a responsabilidade do fornecedor permanece integral, em caso de culpa concorrente, ficando afastada tal responsabilidade no caso de culpa exclusiva do consumidor:

"Se for caso de culpa concorrente do consumidor (por exemplo, as informações do produto são insuficientes e também o consumidor agiu com culpa), ainda assim a responsabilidade do agente produtor permanece integral. Apenas se provar que o acidente de consumo se deu por culpa exclusiva do consumidor é que ele não responde".

Entretanto, embora permaneça integral a responsabilidade do fornecedor, em caso de culpa concorrente, haverá redução do montante indenizatório.

Alberto do Amaral Junior [31] salienta que "o concurso de culpa do consumidor lesado produz, como conseqüência, a redução do montante a ser pago a título de ressarcimento". Nessa mesma linha Carlos Alberto Bittar [32]: "havendo culpas concorrentes, poderão forrar-se à reparação na proporção em que provarem a culpa do consumidor".

Ressalta-se que a conduta culposa do consumidor, capaz de afastar a responsabilidade do fornecedor, deve por este ser provada, em havendo a inversão do ônus da prova.

Assim, apesar do Código de Defesa do Consumidor não fazer menção à culpa concorrente do ofendido, entende a doutrina que, apesar de não ser excludente de responsabilidade, deve ser considerada como atenuante no momento da fixação do montante indenizatório. Não admiti-la, seria o mesmo que permitir o beneficío da integralidade indenizatória aquele que veio a concorrer para o evento lesivo.

2.2 Outras Excludentes

O Código de Defesa do Consumidor, conforme mencionado, prevê a exclusão da responsabilidade do fornecedor nos artigos 12, § 3° e 14, § 3°. Contudo, a doutrina aponta outras eventuais hipóteses de exclusão de responsabilidade, tais como o caso fortuito ou força maior, riscos de desenvolvimento e exercício regular de direito.

2.2.1 Caso Fortuito e Força Maior

Pela análise das eximentes expressamente previstas nos artigos 12, § 3° e 14, § 3° do Código de Defesa do Consumidor, verifica-se que este diploma legala silencia quanto o caso fortuito e a força maior, tradicionais excludentes da responsabilidade, descritas no artigo 393 do Código Civil.

Por essa razão discute-se na doutrina se o caso fortuito e a força maior podem ser considerados como excludentes para as relações jurídicas de consumo.

Luiz Antônio Rizzatto Nunes [33] entende que por ter o § 3º do artigo 12 utilizado o advérbio "só", o rol ali indicado é taxativo, e não autoriza a inclusão dessas excludentes: "o risco do fornecedor é mesmo integral, tanto que a lei não prevê como excludentes do dever de indenizar o caso fortuito e a força maior".

Para Roberto Senise Lisboa [34] se na interpretação das normas restritivas de direito não pode o interprete querer alargar a aplicação da norma, devendo se ater a sua forma declarativa ou estrita, não é possível aplicar as normas do Código Civil nas relações consumeiristas.

Antonio Herman de Vasconcelos Benjamin [35] afirma que a questão deve ser tratada de forma diversa:

"A regra no nosso direito é que o caso fortuito e a força maior excluem a responsabilidade civil. O Código, entre as causas excludentes de responsabilidade, não os elenca. Também não os nega. Logo, quer me parecer que o sistema tradicional, neste ponto, não foi afastado, mantendo-se, então, a capacidade do caso fortuito e da força maior para impedir o dever de indenizar."

João Batista de Almeida [36] salienta que "Apesar de não prevista expressamente na Lei de proteção, ambas as hipóteses possuem força liberatória e excluem a responsabilidade, porque quebram a relação de causalidade entre o defeito do produto e o dano causado ao consumidor".

Exemplifica o autor: "Não teria sentido, por exemplo, responsabilizar-se o fornecedor de um eletrodoméstico, se um raio faz explodir o aparelho, e, em conseqüência, causa incêndio e danos aos moradores: inexistiria nexo de causalidade a ligar eventual defeito do aparelho ao evento danoso".

No entender de Eduardo Gabriel Saad, José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad C. Branco [37] muito embora o artigo 12 especifique que o fornecedor apenas não será responsabilizado quando provar que não colocou o produto no mercado, que inexiste defeito ou que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, trata-se de uma impropriedade de redação: "O Código não pode obrigar o fornecedor a indenizar se sua inadimplência contratual ou responsabilidade aquiliana originaram-se de caso fortuito ou de força maior".

James Marins [38]sustenta que o caso fortuito ou a força maior poderão afastar a responsabilidade do fornecedor ou não dependendo do momento em que ocorreram. Caso se manifestem antes da inserção do produto no mercado de trabalho, o fornecedor responderá pelos danos:

"Isto porque até o momento em que o produto ingressa formalmente no mercado de consumo tem o fornecedor o dever de garantir que não sofre qualquer tipo de alteração que possa torná-lo defeituoso, oferecendo riscos à saúde e segurança do consumidor, mesmo que o fato causador do defeito seja a força maior".

Contudo, se o caso fortuito ou a força maior ocorrerem após a introdução do produto no mercado de consumo, há a ruptura do nexo de causalidade, ficando, pois, afastada a responsabilidade do fornecedor.

Nesse sentido sustenta Fábio Ulhoa Coelho [39] que fica afastada a responsabilidade do fornecedor se demonstrar a presença de caso fortuito ou força maior, posteriores ao fornecimento:

"O fornecedor também é liberado do dever de indenizar em demonstrando a presença, entre as causas do acidente de consumo, da força maior ou do caso fortuito, desde que posteriores ao fornecimento. A força maior ou o caso fortuito anteriores ao fornecimento não configuram excludente de responsabilização, uma vez que o fundamento racional da responsabilidade objetiva do empresário, por acidente de consumo, se encontra exatamente na constatação da relativa inevitablidade dos defeitos no processo produtivo. (....) Com efeito a manifestação de tais fatores, posteriormente ao fornecimento, desconstitui qualquer liame causal entre o ato de fornecer produtos ao mercado e os danos experimentados pelo consumidor. Por exemplo, se o eletrodoméstico é inutilizado por um raio, não se responsabiliza o empresário pelos prejuízos do consumidor."

Percebe-se que a doutrina, nesse ponto, divide-se entre defensores e oposicionistas. Contudo, a maioria da doutrina parece consolidar o entendimento de que ocorrendo o caso fortuito ou a força maior, haverá a quebra do nexo causal, não se podendo responsabilizar o fornecedor por aquilo que não deu causa, nem tinha como prever ou evitar.

2.2.2 Riscos do desenvolvimento

Os riscos do desenvolvimento, segundo James Marins [40], consistem:

"(...) na possibilidade de que um determinado produto venha a ser introduzido no mercado sem que possua defeito cognoscível, ainda que exaustivamente testado, ante o grau de conhecimento científico disponível à época de sua introdução, ocorrendo todavia, que, posteriormente, decorrido determinado período do início de sua circulação no mercado de consumo, venha a se detectar defeito, somente identificável ante a evolução dos meios técnicos e científicos, capaz de causar danos aos consumidores".

Antônio Herman de Vasconcellos Benjamim [41] conceitua os riscos do desenvolvimento como: "aquele risco que não podem ser cientificamente conhecidos ao momento do lançamento do produto no mercado, vindo a ser descoberto somente após um certo período de uso do produto e do serviço.

Há divergência doutrinária quanto a caracterização dos riscos do desenvolvimento como hipótese de defeito dos produtos, ou seja, se discute na doutrina a adoção pelo CDC dos riscos de desenvolvimento como eximentes da responsabilidade do fornecedor. O centro dessa divergência é, pois, a interpretação acerca do disposto no inciso III do §1º do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor.

Dessa forma, parte dos autores entendem que estão pressupostos da responsabilidade do fornecedor, quais sejam defeito, dano e nexo causal, enquanto outros afirmam inexistir um desses pressupostos, o defeito, restando, por isso, afastada a responsabilidade.

Zelmo Denari [42] coloca-se entre os que defendem a não adoção da eximente dos riscos de desenvolvimento sutentando que "a dicção normativa do inc. III do artigo 12, §1º, do Código de Defesa do Consumidor, está muito distante de significar adoção da teoria dos riscos de desenvolvimento, em nível legislativo, como propôs a Comunidade Econômica Européia"

Marcelo Junqueira Calixto [43] adota posicionamento contrário, afirmando que o inciso III do § 1º do art. 12 representa a adoção da teoria dos riscos de desenvolvimento.

Ensina o mencionado autor que para compatibilizar a os riscos do desenvolvimento com a responsabilidade do fornecedor devem ser analisados dois aspectos, os quais chama de requisito temporal e requisito técnico, sendo o momento a ser considerado para a verificação dos estado dos conhecimentos científicos e técnicos e o segundo o critério para avaliação do estado da ciência e da técnica:

"De início deve ser lembrado que a Diretiva 85/374/CEE expressamente faz referência à existência de um defeito que, entretanto, não era possível ser descoberto pelo estado dos conhecimentos técnicos e científicos contemporâneo à introdução do produto no mercado de consumo. Surge, então, a necessidade de se compatibilizar a excludente, prevista como regra, com a responsabilidade objetiva imposta ao fornecedor. Para essa compatibilização devemos considerar dois requisitos: a) o primeiro, que podemos chamar de "requisito temporal", diz respeito ao momento que deve ser tomado em consideração para a verificação do estado dos conhecimentos científicos e técnicos; b) o segundo, por nós chamado de "requisito técnico", diz respeito ao critério para avaliação do estado da ciência e da técnica."

Nesse mesmo sentido, James Marins [44], ao manifestar-se sobre o referido requisito temporal afirma:

"... é lícito ao fornecedor inserir no mercado de consumo produtos que não saiba nem deveria saber resultarem perigosos porque o grau de conhecimento científico à época da introdução do produto no mercado de consumo não permitia tal conhecimento. Diante disso não se pode dizer ser o risco de desenvolvimento defeito de criação, produção ou informação, enquadramento este que é indispensável para que se possa falar em responsabilidade do fornecedor".

Caso contrário, conforme sustenta João Calvão da Silva [45], seria responsabilizado o fornecedor por um defeito que não tinha como perceber no momento em que colocou o produto em circulação:

"teríamos uma aplicação retroativa do padrão ou de medida de responsabilidade, pois à luz do novo conhecimento e tecnologia responsabilizar-se-ia o fabricante por um defeito existente mais indetectável no estado da ciência e da técnica em momento anterior, o momento da distribuição do produto."

Posiciona-se, também, nesse sentido Fábio Ulhoa Coelho [46], ao referir:

"ao fornecer no mercado consumidor produto ou serviço que, posteriormente, apresenta riscos cuja potencialidade não pôde ser antevista pela ciência ou tecnologia, o empresário não deve ser responsabilizado com fundamento nem na periculosidade (pois prestou informações sobre os riscos adequados e suficientes), nem na defeituosidade (porque cumpriu o dever de pesquisar)".

No tocante ao requisito técnico, salienta Antônio Herman de Vasconcelos Benjamin [47] que a análise do grau de conhecimento científico não é feita tomando por base um fornecedor em particular, aquilo que sabe a comunidade científica em determinado momento histórico.

Verifica-se que a doutrina entende ter o Código de Defesa do Consumidor adotado a teoria dos riscos de desenvolvimento e ressalta a necessidade de avaliação do grau de conhecimento científico, de acordo com a comunidade científica, à época da introdução do produto ou serviço no mercado de consumo.

2.2.3 Exercício regular de direito

O inciso I do artigo 188 do Código Civil prevê que o exercício regular de um direito reconhecido não constitui ato ilícito, afastando a responsabilidade civil. Muito embora o Código de Defesa do Consumidor silencie quanto ao exercício regular de direito, entende a doutrina que por ser ele ato lícito, afastada estará a responsabilidade do fornecedor.

Realizar cobrança, enviar um título vencido e não para cartório de protesto, com a conseqüente inclusão do nome do devedor em banco de dados, mesmo que provoquem transtornos ao consumidor, são exemplos de exercício regular de direito do fornecedor e, portanto, de atos lícitos.

Contudo, vale ressaltar que, tais direitos devem ser exercidos pelo fornecedor atendendo aos ditames dos artigos 42 e 43 do Código de Defesa do Consumidor.

Conforme o entendimento de Luiz Antônio Rizzatto Nunes [48], o credor tem o direito de cobrar seu crédito do consumidor inadimplente, somente não podendo fazê-lo de forma abusiva. Tem a possibilidade até mesmo de ameaçar, "desde que tal ameaça decorra daquele regular exercício de cobrar; por exemplo, o credor remete carta ao devedor dizendo (ameaçando) que irá ingressar com ação judicial para cobrar o débito"

Assim, o exercício regular de um direito, por ser ato lícito, não dará ensejo a responsabilização do fornecedor. Somente haverá responsabilização caso o fornecedor viole os dispositivos que disciplinam a ação regular de cobrança e o cadastro de consumidores em bancos de dados, agindo de forma abusiva.


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Conclusões

A responsabilidade civil prevista no Código consumeirista é objetiva, bastando ao lesado comprovar o dano e o nexo causal.

O dever indenizatório decorrente da responsabilidade comporta exceções. Tais excludentes são aquelas expressas no próprio CDC. Porém, entende a doutrina existirem outras aplicáveis, também, nas relações de consumo, como o caso fortuito, a força maior e o exercício regular de direito.


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Referências Bibliográficas

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SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa. São Paulo: Saraiva.


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Notas

01 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, p. 29.

02 Os fatos jurídicos são aqueles que têm relevância jurídica e dividem-se em: naturais (decorrem de acontecimentos da própria natureza) e voluntários (têm origem em condutas humanas capazes de produzir efeitos jurídicos). Os voluntários se dividem em: lícitos (fato praticado em harmonia com a lei) e ilícitos (fato que viola o dever imposto pela norma jurídica). Assim, a responsabilidade civil surge pela prática de um ato ilícito.

03 Ressalte-se que há casos em que o ato lícito gera o dever de indenizar.

04 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil, 2005, p. 28.

05 A culpa, no presente trabalho, deve ser entendida como latu sensu, isto é, dolosa e culposa.

06 BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade Civil – Teoria e Prática, p. 30.

07 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 150-51.

08 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor 3ª ed., 2ª tiragem, São Paulo: RT, 1999,p.100.

09 Comentários ao Código de Defesa do Cosumidor: arts. 1º a 74: aspectos materiais/ Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin, Bruno Miragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 225.

10 SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa.

11 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil, p. 497.

12" §4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante verificação da culpa."

13 Nesse sentido: " Cirurgião – dentista – Direito do consumidor – Facilitação de defesa – ônus da prova – Inversão – Possibilidade – Profissional liberal – Responsabilidade Civil" (RSTJ 115/271).

14 LOBO, Paulo Luiz Netto. Revista de direito do consumidor. N.34, abril-junho, 2000.

15 FILHO, Sérgio Cavalieri. Ob. Cit., p. 498.

16 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial, vol. I. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 279.

17 COELHO, Fábio Ulhoa. Ob cit., p. 263.

18 A responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 104.

19 Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto/ Ada Pelegrini Grinover.. . {et. al.} – 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 188.

20 Comentários ao Código de Defesa do Cosumidor: arts. 1º a 74: aspectos materiais/ Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin, Bruno Miragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003,p. 286.

21 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Ob. Cit., p. 278.

22 Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: arts. 1º a 74: aspectos materiais/ Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin, Bruno Miragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 286.

23 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto, ob. Cit., p. 213-4.

24 Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

(...)

3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I - que não colocou o produto no mercado;

II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

(...)

3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

25 Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto/ Ada Pelegrini Grinover.. . {et. al.} – 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 188.

26 Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 65.

27 Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto/ Ada Pelegrini Grinover.. . {et. al.} – 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 188.

28 Comentários ao Código de Defesa do Cosumidor: arts. 1º a 74: aspectos materiais/ Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin, Bruno Miragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 227.

29 Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto/ Ada Pelegrini Grinover.. . {et. al.} – 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 189.

30 Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 170.

31 Proteção do consumidor no contrato de compra e venda. São Paulo: RT, 1993, p. 288.

32 Direitos do consumidor. Rio de Janeiro: Forense universitária, 1990, p. 35.

33 Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 169.

34 Responsabilidade civil nas relações de consumo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 271.

35 Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor – Coordenador Juarez de Oliveira. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 67.

36 A proteção jurídica do consumidor, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 69.

37 Comentários ao Código de Defesa do Consumidor e sua jurisprudência anotada: Lei n. 8.078/90/ Eduardo Gabriel Saad, José Eduardo Saad e Ana Maria Saad C. Branco. 6ª ed. ver. E ampl. São Paulo: LTr, 2006, p. 278.

38 Responsabilidade da empresa pelo fato do produto. São Paulo: RT, 1993, p. 153.

39 Curso de Direito Comercial, vol I. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 281.

40 Responsabilidade da empresa pelo fato do produto. São Paulo: RT, 1993, p. 128.

41 Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. – Coordenador Juarez de Oliveira. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 67

42 Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto/ Ada Pelegrini Grinover.. . {et. al.} – 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 186-187.

43 A responsabilidade civil do fornecedor de produtos pelos riscos do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 200.

44 Responsabilidade da empresa pelo fato do produto. São Paulo: RT, 1993, p. 135.

45 Responsabilidade civil do produtor. Coimbra: Livraria Almedina, 1990, p. 509.

46 O empresário e os direitos do consumidor, São Paulo: Saraiva, 1994, p. 84.

47 Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor – Coordenador Juarez de Oliveira. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 67

48 Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 506.



O caso fortuito e a força maior como causas de exclusão da responsabilidade no Código do Consumidor
Elaborado em 12.2000.

Plínio Lacerda Martins

promotor de Justiça em Juiz de Fora (MG), professor de Direito do Consumidor da FGV e UGF, mestre em direito


O Código do Consumidor (Lei 8.078/90) dispõe de diversos dispositivos de preservação ao direito do consumidor, entre os quais nos limitamos ao estudo das causas/responsabilidades do produto ou serviço ser exposto ao consumo por parte do fornecedor.

A Lei 8.078/90 prevê nos arts. 12. § 3º e 14, § 3º as causas excludentes de responsabilidades, sem contudo elencar ou mesmo ressalvar o caso fortuito ou a força-maior como causas excludentes da responsabilidade. Indaga-se se as causas enumeradas nos dispositivos normativos citados são ou não "taxativas" (não admitindo o aproveitamento de outras causas excludentes). Esse sentido traduz a proposta do presente trabalho que analisaremos a seguir.

A realização de um negócio jurídico parte do pressuposto de que tudo ocorrerá normalmente e, se por acaso isto não ocorrer, a parte contrária não terá culpa, "ela se desobriga". (1)

Windscheid já defendia a idéia de que os negócios jurídicos devem ter sempre uma causa, que é o primeiro intento, não sendo necessário pacto, porque isso é da essência do negócio. Mas ao lado desse intento comum pode, existir, não expressamente declarados mas decorrentes das circunstâncias futuras e imprevistas, causas necessárias a serem percebidas pela outra parte, agindo assim como autolimitação da vontade. (2)

Todo produto ou serviço, por mais seguro e inofensivo que seja traz sempre uma margem de insegurança para o consumidor, podendo inclusive culminar em dano para o mesmo, gerando prejuízo a ser apurado através das responsabilidades contratual e extracontratual, em conformidade como cada caso em favor da relação jurídica de consumo, que pode ser ou não contratual.

A responsabilidade se conceitua como obrigação que incumbe alguém de ressarcir o dano causado a outrem, em virtude da inexecução de um dever jurídico de natureza legal ou contratual, conforme nos ensina Arnoldo Wald. (3)A obrigação violada, em entendimento doutrinário, distingue-se em obrigação legal e obrigação contratual, conforme já foi dito, fazendo surgir uma responsabilidade conhecida como extracontratual ou aquiliana, no caso da primeira, e responsabilidade contratual, no caso da última, advindo esta de um contrato, onde a origem do dever jurídico é determinado e aceito pelas partes contratuais.

O CDC em seus arts. 12 e 14 preferiu adotar a unificação das responsabilidades contratual e extracontratual, em prol da proteção às vítimas expostas aos riscos de consumo, adotando-se a responsabilidade objetiva, independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores. O legislador atribuiu ao consumidor, mesmo não contratando diretamente com o fornecedor direito (fabricante, produtor...) a possibilidade de acioná-los em virtude do dano sofrido pelo produto exposto ao consumo.

Dano, no conceito fornecido por Maria Helena Diniz "pode ser definido como lesão(diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral".(4)

O art. 12 da lei em questão a prescreve que o "fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro e o importador respondem independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeito decorrentes de projeto, fabricação, construção montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos".

O art. 14 do mesmo ordenamento jurídico também consagra: "O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pelo reparação dos danos causados aos consumidores" (exceto os serviços dos profissionais liberais - art. 14§ 4º), imputando o ônus da prova, ao fornecedor, que poderá se eximir da responsabilidade, na forma do art. 12, § 12 § 3º, I, II, III e art. 14 § 3º, II, da Lei 8.078/90.

Apesar da responsabilidade ser objetiva, o Código do Consumidor ressalvou algumas causas de "exclusão da responsabilidade", o que no dizer de Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin, "O Código adotou um sistema de responsabilidade civil obetiva, o que não quer dizer absoluta"(5) permitindo a previsão de algumas excludentes, tais como inexistência do defeito de produto ou serviço (art. 12 § 3º II e art. 14 § 3º II) e ainda a não colocação do produto no mercado (art. 12 § 3º I), sendo que em todas "essas hipótese de exoneração e ônus da prova é do responsável legal, de vez que o dispositivo afirma que ele só não será responsabilizado quando provar tais causas". Com grande mestria, Hermem reconhece em sua obra, citando Gabriel A. Stiglitz(6), que "a exoneração total ou parcial da responsabilidade do fabricante requer então, a presença de algum dos elementos obstativos do nexo causal, quer dizer, caso fortuito ou força maior externos à coisa..." (grifo nosso).

O direito pátrio admite que o caso fortuito e a força-maior excluem assim a responsabilidade civil. O Código do Consumidor não estabeleceu como causa excludente de responsabilidade entre as demais causas elencadas; todavia, conforme entendimento já expressado, não foi afastado, mantendo-se como causa para impedir o dever de indenizar.

O art. 1.058 do CC estabelece o caso fortuito e a força maior como forma de exoneração de responsabilidade, onde afirma que o devedor não responde pelos prejuízos decorrentes de caso fortuito ou força-maior salvo convenção ou determinação específica da lei.

É relevante destacar que o inadimplemento culposo ou doloso é fonte de responsabilidade, enquanto a inexecução justificada por c. f. ou f. m. implica em extinção de obrigação, na lição de Arnoldo Wald(7), sem dever de compor as eventuais perdas e danos, sendo este princípio geral que domina o direito brasileiro. Destarte, necessário se faz estabelecer a distinção entre inexecução justificada por força-maior ou caso fortuito e inadimplemento culposo ou doloso, para prosseguimento do estudo enfocado.

O inadimplemento culposo acarreta responsabilidade do devedor. Quem não cumpre a obrigação responde por perdas e danos; ao devedor culpado do inadimplemento impõe a lei o dever de indenizar os prejuízos que o mesmo causou. Mas o inadimplemnto fortuito seria correto responsabilizar de algo que não deu causa? Orlando Gomes responde que o inadimplemento fortuito não origina, de regra, a responsabilidade do devedor. "É princípio geral de Direito que devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito".(8)

Silvio Rodrigues leciona que art. 1.058 parágrafo único do CC define o c. f. ou de f. m. com o que se verifica a identificação com o fato necessário cujos objetivos não era possível evitar ou impedir. É, em rigor, o ato alheio à vontade das partes negociantes, e que tampouco derivou da negligência, imprudência ou imperícia, sendo que o "caso fortuito ou de força-maior representa um excludente de responsabilidade, em virtude de pôr termo à relação de causalidade entre o ato do agente e o dano experimentado pela vítima".(9)

O Código Civil Alemão prescreve no capítulo do Direito das Obrigações exemplo de impossibilidade da prestação dos negociantes, afirmando que: "A tradição da coisa comprada ao comprador, quando não transmite simultaneamente a propriedade (neste caso tem lugar o adimplemento e a obrigação se extingue), insere a coisa na esfera de risco do comprador. Se ela agora parece sem culpa de um dos parceiros contratuais e por isso se impossibilita à prestação, o comprador, em verdade, não pode reclamar reparação de dano do vendedor, mas suporta o risco do perecimento fortuito",(10) o que destaca o §446 do BGB., e não havendo culpa de nenhum dos parceiros contratuais.

Resta a indagação: O Código do Consumidor seria a exceção aos princípios aqui consignados, admitindo como causa de responsabilidade feitos alheios às vontades das partes negociantes (consumidor/fornecedor), em decorrência do c. f. ou f. m.? Aproveitaria também como excludente de responsabilidade fatos de extrema impossibilidade jurídica do cumprimento da obrigação?

Realçamos que a hipótese defendia como também causa de exclusão da responsabilidade no Código do Consumidor (caso fortuito ou força maior), não deve ser confundida com os motivos ensejadores da "teoria da imprevisão" conforme salienta Arnoldo Medeiros da Fonseca, afirmando que caso fortuito e força-maior são noções distintas dos requisitos necessários para a "teoria da imprevisão" com fundamentos e efeitos diversos; onde "o caso fortuito ou de força-maior só libera quando acarreta a impossibilidade absoluta objetiva de executar; enquanto que, em matéria de imprevisão, se atende também à impossibilidade subjetiva ou onerosidade excessiva da prestação".(11) Destaca ainda Arnoldo que c.f. ou f. m., a liberação do devedor é total, sendo a principal característica, ao passo que na noção de imprevisão não estará excluído o direito do credor reivindicar a uma razoável reparação.

Orlando Gomes interpreta que são diferentes as conseqüências da inexecução por onerosidade excessiva da prestação, que implica em reconhecimento da teoria da imprevisão, e a inexecução advinda de caso fortuito. "É regra pacífica a de que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força-maior. Justifica-se plenamente o princípio. Desde que não lhe é imputável a causa do inadimplemento, justo não seria obrigá-lo a pagar perdas e danos, pois esse dever é, no fundo, uma sanção aplicada a quem se conduz culposamente". A onerosidade excessiva, esclarece Orlando Gomes, é apenas obstáculo ao cumprimento da obrigação. Não se trata, portanto, da inexecução "por impossibilidade, mas de extrema dificuldade"(12), confirmando assim o entendimento da possibilidade de reconhecer o c.f. e a f. m. como excludentes de responsabilidade perante o Código do Consumidor, face a extinção da obrigação referida.

No direito brasileiro, as expressões c.f. e f.m. são sinônimas, confundindo para os efeitos e conseqüências ambas as situações, dando-lhes tratamento idêntico, ao contrário do que acontece em legislações estrangeiras que preceituam tratamento jurídico distinto aos dois institutos.

Alguns doutrinadores preferem fazer distinção entre caso fortuito e força-maior, caracterizando o primeiro pela sua inviabilidade e a segunda pela sua inevitabilidade, chegando inclusive a confundir ambos os institutos com a ausência de culpa. O correto é que a ausência de culpa se prova pela diligência normal do causador do dano, quanto ao caso fortuito deve-se apresentar como fato irresistível; hipóteses essas, que diferenciam da denominada "teoria da imprevisão" que não se confunde com as causas de exclusão de responsabilidade.

A conclusão é no sentido de que o legislador ao enumerar as causas excludentes de responsabilidade no Código do Consumidor (de forma expressa), não afastou o reconhecimento do caso fortuito ou a força-maior como forma de excluir também a responsabilidade do fornecedor, em virtude de pôr termo à relação de causalidade entre o fato e o dano experimentado pelo consumidor, extinguindo a obrigação, conforme reconhecimento pelo direito pátrio e aproveitado nas relações jurídicas do Código do Consumidor. Destaca-se ainda na conclusão, de que a "teoria da imprevisão" implica na impossibilidade subjetiva ou onerosidade excessiva da prestação, não estando excluído o direito do consumidor reivindicar a justa reparação, haja vista que trata-se de obstáculo à obrigação; não se tratando de execução "por impossibilidade mas de extrema dificuldade" a qual o c.f. e a f.m. aproveita.

Vê-se, pois, que a intenção do legislador não foi restringir o caso fortuito ou a força-maior das causas excludentes enumeradas no Código do Consumidor, preocupando-se em delimitar entre inúmeras hipóteses que regulam as relações entre consumidores e fornecedores, àquelas causas objetivas descritas na norma do consumidor. A responsabilidade atribuída ao fornecedor de responder "independentemente da existência de culpa" pela reparação do dano causado ao consumidor, traduz no sentido de responder ainda que inexiste culpa (que se prova pela diligência normal do fornecedor); não respondendo pelo dano quando houver c.f. ou f.m., pois trata-se de fato irresistível caracterizado pela inevitabilidade e pela impossibilidade, sendo estas conceituadas como causas de irresponsabilidade, reconhecidas e aplicadas face a teoria da responsabilidade objetiva consagrada no Código do Consumidor.


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NOTAS

1. Marcio Klang, Teoria da Imprevisão e a revisão dos contratos. Ed. RT, 1991, p.21.

2. Windescheid, Diritto delle pandette, trad. italiana, v..II, § § 97 e 100.

3. Arnoldo Wald, Curso de direito Civil Brasileiro-Obrigações e contratos, 1989, Ed.RT.

4. Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil, Ed. Saraiva, 1984, 7/50.

5. Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin, Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, Ed. Saraiva, 1991, p.65.

6. Gabriel A. Stiglitz, Protección jurídica del consumidor, Buenos Aires. Depalma, 1990, p. 23.

7. Arnoldo Wald, ob.cit.

8. Orlando Gomes, Obrigações, Ed. Forense, 1990, p. 180.

9. Sílvio Rodrigues, Responsabilidade Civil, Ed Saraiva, 1982, p. 4.185.

10. Peter Watermann, Código Civil Alemão-Direito das Obrigações - Parte geral, p. 79.

11. Arnoldo Medeiros da Fonseca, "Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão", Rev. Forense, Ed. Forense, 1958, p.346.

12. Orlando Gomes, Contratos , Ed. Forense, 1990, p. 198-199.


Proteção do consumidor em razão do fato e do vício do produto ou serviço
Elaborado em 07.2006.

Marcelo Azevedo Chamone

Advogado, Especialista e Mestre em Direito, professor em cursos de pós-graduação


1. A RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC

A responsabilidade civil, tal como tratada no CDC, traz algumas peculiaridades em relação à regra geral do Código Civil; isso não quer dizer que não se apliquem aqui as mesmas regras que se aplicam lá a fim de se configurar a existência da responsabilidade.

Tanto no trato da responsabilidade contratual – "pelo vício do produto ou do serviço" – como da responsabilidade extracontratual – "pelo fato do produto ou do serviço" – estarão presentes os três elementos da responsabilidade: dano, ação ou omissão antijurídica (aqui identificada com a colocação no mercado de produto ou serviço viciado), e o nexo de causalidade entre eles.

O CDC encampou como fundamento da responsabilidade do fornecedor a teoria do risco da atividade (ou do empreendimento [1]), segundo a qual aquele que explora atividade com o potencial de gerar danos a outrem deve ser responsabilizado por tornar indenes as eventuais vítimas, independentemente de haver vontade do fornecedor em produzir o dano. Note-se que essa teoria foi adotada com certo tempero, pois há situações em que o elemento subjetivo é levado em conta pela lei.

"Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decore do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos." [2]

1.1 A regra geral

A responsabilidade imposta pelo sistema do CDC é objetiva, independe de culpa. Basta a demonstração da existência de nexo causal entre o dano experimentado pelo consumidor e o vício ou defeito no serviço ou produto.

Esse tratamento legislativo reflete a adoção feita pelo legislador da teoria do risco do negócio, segundo a qual aquele que explora atividade econômica deve arcar com os danos causados por essa exploração, ainda que não tenha concorrido voluntariamente para a produção dos danos. [3]

Assim, a presença do aspecto subjetivo no elemento "ato antijurídico" do tripé da responsabilidade civil (ato antijurídico + nexo de causalidade + dano), mostra-se desnecessária, e nem mesmo chega a ser investigada para fins de apuração da responsabilidade do agente. Ainda que ele tenha pautado sua atuação com diligência, não incorrendo em culpa em momento algum, poderá vir a ser responsável pelo vício do produto ou serviço, ou ainda pelo acidente de consumo causado pelo produto ou serviço.

1.2 A exceção

Uma exceção é feita para a responsabilidade subjetiva: a responsabilidade extracontratual (por fato do serviço) dos profissionais liberais depende da demonstração da culpa (CDC 14, §4º). A responsabilidade contratual (pela adequação do serviço) é regulada pelo art. 20, onde não há referência a qualquer exceção em favor dos profissionais liberais; admitir que nos casos de descumprimento contratual a responsabilidade fosse subjetiva enquanto a extracontratual é objetiva seria um contra-senso. [4]

Esse "privilégio", de somente responder se demonstrado o elemento subjetivo, e essa é a posição prevalente na doutrina [5], limita-se à responsabilização pessoal do profissional liberal, não se estendendo às pessoas jurídicas formadas por eles. Divergente é posicionamento de Rizzatto [6], entendendo que "o que descaracteriza a atividade como liberal não é a existência da pessoa jurídica, simplesmente, mas a constituição de pessoa jurídica que passe a explorar a atividade que era de prestação de serviços liberais de maneira típica desenvolvida na sociedade de massa pelos naturais exploradores: escolha da atividade, exame de mercado, cálculo do custo, do preço, avaliação do risco, tendo em vista o binômio custo/benefício, prestação do serviço em escala e utilização dos instrumentos do marketing, especialmente a publicidade". De forma semelhante, Denari [7] entende que ficam fora da incidência do §4º as relações de consumo contratadas por adesão.

Porém, a doutrina não encontra um consenso ao definir quem é profissional liberal. Para Cavalieri Fº. [8] "é aquele que exerce uma profissão livremente, com autonomia, sem subordinação. Em outras palavras, presta serviço pessoalmente, por conta própria, independentemente do grau de escolaridade." Rizzatto [9] prefere defini-lo, sem, no entanto, fornecer parâmetros precisos, "pelas características de sua prestação de serviço e não pelo enquadramento na regulamentação legal".

É importante ressaltar que a exceção contida no §4º não quebra a regra da solidariedade entre os integrantes da cadeia produtiva – ainda que a sua responsabilidade dependa da demonstração de culpa, o profissional liberal segue solidariamente ligado àqueles que respondem objetivamente pelos danos causados ao consumidor.

Entendemos, outrossim, que a exceção inserida pelo §4º não autoriza a classificação das obrigações entre de meio e de resultado para fins de expandir o rol dos salvaguardados por esta regra. A lei somente faz referência aos profissionais liberais, e em momento algum menciona o tipo da obrigação. [10] Não obstante, a jurisprudência tem entendido que a partir do momento que o profissional liberal assume uma obrigação de resultado sua responsabilidade passa a ser objetiva; na verdade, seria mais correto fundamentar a responsabilidade nessas hipóteses como vinculação do fornecedor à oferta – CDC, art. 30 – e aí estamos dentro do campo da responsabilidade contratual (há descumprimento do avençado), que é sempre objetiva.

Cavalieri Fº. [11] entende que nas situações em que o profissional liberal assume obrigação de resultado a culpa é presumida, mas a responsabilidade segue sendo subjetiva. A conseqüência desse posicionamento é permitir ao fornecedor a possibilidade de se eximir da responsabilidade pela simples demonstração de inexistência de culpa.

É importante ressaltar, por fim, que esse tratamento diferenciado dado aos profissionais liberais se limita ao fundamento da responsabilidade, estando sujeitos da mesma forma que os demais fornecedores a todas as demais regras do CDC, tais como observância aos direitos básicos do consumidor (inclusive quanto à inversão do ônus da prova), práticas comerciais e proteção contratual do consumidor.

1.3 O dano indenizável

Os danos indenizáveis são todos aqueles sofridos pelo consumidor, sejam de natureza material ou imaterial – CDC, art. 6º, VI.

Entre os danos materiais estão os lucros cessantes (perda patrimonial já sentida) e os lucros cessantes (aquilo que deixou de auferir como conseqüência direta do ilícito).

Entre os danos imateriais temos o dano à imagem, o dano estético, e o dano moral. Este último é "aquele que afeta a paz interior de cada um. Atinge o sentimento da pessoa, o decoro, o ego, a honra, enfim, tudo aquilo que não tem valor econômico, mas que lhe causa dor e sofrimento. É, pois, a dor física e/ou psicológica sentida pelo indivíduo." [12]

Outrossim, a "pessoa jurídica não pode sofrer violação em sua honra, nem em sua intimidade. Não sofre, também, dano estético. Mas pode sofrer violação em sua privacidade, bem como dano à sua imagem. (...) como de resto pode ter sua imagem utilizada sem autorização (...)" [13].


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2. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO OU SERVIÇO

A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço é extracontratual, não estando relacionada ao correto adimplemento do contratado. Como conseqüência disso, temos que poderá ser vítima do acidente de consumo não só aquele que contratou, mas qualquer um que tenha sofrido danos, materiais ou imaterias, em razão do evento – CDC, art. 17.

Cavalieri F°. [14] define o fato da produto como "um acontecimento externo, que ocorre no mundo exterior, que causa dano material ou moral ao consumidor (ou ambos), mas que decorre de um defeito do produto. Seu fato gerador será sempre um defeito do produto; daí termos enfatizado que a palavra-chave é defeito."

Rizzatto [15] também adverte que o fato do serviço pressupõe o defeito – vício, segundo a terminologia que adota –, que por sua vez é uma característica intrínseca do produto.

Ressalte-se que defeito, ou vício, do produto, deve ser compreendido não apenas inerente ao produto em si, mas de forma mais abrangente como "os defeitos de concepção, os defeitos de fabrico ou os defeitos de informação" [16]. Assim, também poderá ser causa do fato do produto ou do serviço a informação ou a publicidade insuficiente ou enganosa [17] – Cavalieri F°. os denomina defeitos de comercialização.

2.1 A responsabilidade do fabricante, construtor, produtor, ou importador

Nas hipóteses do art. 12, a lei não responsabiliza indiscriminadamente o "fornecedor", mas somente algumas categorias do gênero fornecedor. Assim, ocorrendo acidente de consumo, a lei atribui a responsabilidade tão somente ao fabricante, ao construtor, ao produtor, e solidariamente, quando for o caso, ao importador. [18]

Na definição de fabricante, é importante sublinhar, que também estão abarcados os montadores, que utilizando produtos prontos criam um novo, e o fabricante aparente, encontrado sobretudo no campo das licenças de uso de marca comercial, como nas franquias – nessa situação, tanto o fabricante aparente como o real terão responsabilidade solidária pelos danos causados ao consumidor, tanto os contratuais como os extracontratuais. [19]

Rizzatto [20] acrescenta que também a oferta, a publicidade e a informação podem vir a causar danos no patrimônio do consumidor, se forem inadequadas, insuficientes, ou mesmo inexistentes ou inverídicas. Assim, expande-se a aplicação da responsabilidade extracontratual regulada pelo art. 12, do CDC, abrangendo também aqueles que veicularam a oferta, publicidade ou informação danosa.

É importante ainda ressaltar a lição de Rizzatto [21] de que quando a lei "designa o fabricante, o construtor e também o importador, está apontado apenas o responsável direito e, muito provavelmente, aquele a quem o consumidor lesado dirigirá seu pleito. Porém, os outros produtores envolvidos indiretamente não estão excluídos [arts. 7º e 25, §§1º e 2º]. São todos responsáveis solidários na medida de suas participações."

2.2 A responsabilidade do prestador de serviços

Na disciplina dos art. 14 e 20, que tratam da prestação de serviços não há diferença de tratamento na responsabilização pelo dano contratual ou extracontratual – o prestador será sempre o responsável.

Ainda que o serviço não seja propriamente "defeituoso", o dano que tenha origem no serviço poderá ser indenizável se for decorrente de defeito da informação – seja por inadequação, insuficiência ou inexistência.

No caso de haver uma cadeia de fornecedores, como nas situações de terceirização de serviços, ou de contratos coligados, o consumidor também poderá se prevalecer da solidariedade que se formará entre os prestadores de serviço. [22]

2.3 A responsabilidade do comerciante

O comerciante será objetivamente responsabilizado sempre que se configurar uma das hipóteses do art. 13, do CDC: subsidiariamente, quando a identificação do construtor, produtor ou importador, for impossível, inexistente ou insuficiente (I e II); ou ainda solidariamente [23] quando não conservar adequadamente os produtos perecíveis (III) – havendo dúvida quanto ao momento da deterioração do produto, o melhor entendimento, no sentido de garantir a proteção do consumidor (art. 6º, VI), é defender a solidariedade entre todos os participantes da cadeia produtiva. [24]

Entendemos, outrossim, que permanece a possibilidade de o comerciante ser acionado diretamente, com base em responsabilidade subjetiva, nos casos não incluídos no referido artigo.

2.4 Excludentes da responsabilidade

Como a lei estabelece como regra a responsabilidade objetiva, sendo irrelevante o elemento culpa, não cabe a discussão da culpa do fornecedor na ocorrência do evento danoso.

Assim, cabe ao fornecedor demonstrar a inexistência do dano, do ato antijurídico, ou do nexo causal entre eles – por mais taxativo que possa parecer o rol do §3°, do art. 12, e §3°, do art. 14, [25] não é verdade que a lei não admite outras hipóteses para se excluir a responsabilidade do fornecedor; oras, demonstrado que não houve dano ou que não foi o fornecedor apontado quem praticou o ato antijurídico causador do dano, não há que se falar em responsabilidade, ainda que essas situações não estejam elencadas na lei.

Excluem a responsabilidade, por eliminarem o nexo de causalidade entre o dano resultante e a conduta do fornecedor, a culpa exclusiva do consumidor ou terceiro (estranho à relação de consumo [26]). Exclusiva apenas, pois se for concorrente, ainda assim haverá a responsabilidade do fornecedor pela integralidade do dano causado.

Outra situação que leva à irresponsabilidade é a demonstração por parte do fornecedor que o alegado defeito do produto ou serviço inexiste – em outras palavras, é a demonstração de que não foi praticado ato antijurídico pelo fornecedor.

Por fim, não há responsabilidade do fornecedor quando ele demonstra não ter colocado o produto no mercado. Por meio dessa disposição a lei cria uma presunção de que o fornecedor colocou seu produto no mercado. [27] Para Rizzatto [28] tal hipótese somente será configurada nos casos de falsificação do produto, não se admitindo a irresponsabilidade por produtos que tenham sido, p. ex., roubados das dependências do fornecedor – haveria aí culpa in vigilando. Tal situação não deve ser confundida com a ilegitimidade de parte, matéria processual, que existiria se, p. ex., o consumidor, com fundamento em defeito no produto da empresa A, acionasse empresa diversa, que não está inserida na cadeia produtiva do produto defeituoso.

É de se notar, porém, que o Código não menciona o caso fortuito e a força maior como excludentes da responsabilidade. Nery Jr. entende que nem o poderia fazer, ou derrubaria toda a sua coerência interna, visto que são situações que eliminam a culpa:

"O caso fortuito e a força maior não excluem o dever de indenizar porque são circunstâncias que quebram o nexo de causalidade na conduta do agente. Só são válidas para excluir a responsabilidade subjetiva, mas não a objetiva. Como o sistema do CDC é fundado na responsabilidade objetiva, não se aplicam, aqui, o caso fortuito e a força maior como excludentes do dever de indenizar. Caso fortuito e força maior excluem a culpa, elemento estranho e irrelevante para a fixação do dever de indenizar no regime do CDC." [29]

Ocorre que a colocação do caso fortuito ou de força maior como excludente da culpabilidade não encontra amparo entre os doutrinadores da área obrigacional, que dão solução diversa à questão.

Fernando Noronha apresenta essas situações como atuando sobre a relação de causalidade:

"(...) o caso fortuito ou de força maior poderá ser melhor caracterizado como sendo todo acontecimento inevitável e independente de qualquer atividade da pessoa de cuja possível responsabilidade civil se cogita, que constitui causa adequada do dano verificado.

Considerado nessa acepção, caso fortuito ou força maior é expressão sinônima de fato excludente da causalidade. Neste sentido, ele abrange três categorias diversas de excludentes: o fato de terceiro, o fato do lesado e o caso fortuito ou de força maior em sentido estrito." [30]

E acrescenta:

"Todos os fatos que caibam na noção de caso fortuito ou de força maior em sentido amplo, abrangendo o próprio fato do lesado e ainda o de terceiro, excluem o nexo causal entre o fato atribuído ao indigitado responsável e o dano ocorrido. Excluem a causalidade, não a culpa. A invocação do caso fortuito ou de força maior significa afirmar que o dano se ficou devendo a algo que por definição é independente da atuação, culposa ou não, da pessoa a quem em princípio ele era atribuído.

"Não é correta a afirmação, muito corrente, de que a ocorrência de caso fortuito ou de força maior exclui a culpa. A existência ou ausência de culpa diz respeito a um requisito da responsabilidade civil, o nexo de imputação (que aponta a pessoa a quem pode ser ligado um determinado fato gerador de danos, seja a título de culpa ou de risco), ao passo que a ocorrência ou não de caso fortuito ou de força maior, fato de terceiro ou fato do próprio lesado, diz respeito a outro requisito, o nexo de causalidade (que indica quais são os danos que podem ser considerados conseqüência do fato que esteja em questão). Aliás, em termos lógicos, a apuração do nexo de causalidade precede o juízo de imputação. Verificado um determinado dano, primeiro é preciso apurar qual foi a sua causa. Só depois de determinado o fato causador, levanta-se a questão de saber se este pode ser imputado a alguém." [31]

Ele faz a ressalva de que nas hipóteses que batiza de "responsabilidade civil agravada", não se exige a demonstração do nexo de causalidade "entre a atuação ou atividade desenvolvida pelo indigitado responsável e o dano ocorrido", "embora sempre se exija especial conexão entre a atividade e o dano, em termos tais que se possa considerar este como risco inerente, característico ou típico da atividade em questão" [32]. Mas aí, o autor entende que nem mesmo o fato de terceiro ou da própria vítima teriam o condão de excluir a responsabilidade.

Caio Mário também tende a colocar o caso ou fortuito ou de força maior fora do campo da culpa:

"A tese central desta escusativa está em que, se a obrigação de ressarcimento não é causada pelo fato do agente mas em decorrência de acontecimento que escapa ao seu poder, por se filiar a um fator estranho, ocorre a isenção da própria obrigação de compor as perdas e danos. Neste sentido é que alguns autores somente consideram como escusativa a força maior externa (Philippe Le Tourneau, Agostinho Alvim). Por tal razão, não se enquadram na força maior os fatos que sejam direta ou indiretamente inerentes a ela, como a ruptura dos freios do veículo, o furo do pneu ou o rompimento da barra de direção (Alex Weill e François Terré, Droit Civil, Les Obligations, nº 731, p. 740). Invocando a teoria inglesa da frustration, Malaurie e Aynès enunciam uma fórmula genérica para definir a força maior como um acontecimento irresistível, imprevisível e exterior (Droit Civil, Les Obligations, nº 477), conceito expendido também por Philippe Le Tourneau, Responsabilité Civile, nº 383, p. 157)." [33]

Mais adiante [34] o autor resume a posição de Agostinho Alvim, pertinente ao presente estudo:

"Agostinho Alvim, um tanto na linha de Colin e Capitant, vê no caso fortuito um impedimento relacionado com a pessoa do devedor enquanto que a força maior é um acontecimento externo (Da Inexecução das Obrigações, nº 208). Daí extrai conclusões de ordem prática: na teoria da culpa o caso fortuito exonera o agente, e com maioria de razão a força maior o absolverá. Para os que se atêm à doutrina do risco, o simples caso fortuito não exime o agente. Somente estará liberado este se ocorrer o acontecimento de força maior, ou seja, ‘o caso fortuito externo’. Nesta hipótese, acrescenta ele, os fatos que exoneram vêm a ser: culpa da vítima, ordens das autoridades (fait du prince), fenômenos naturais (raio, terremoto) ou quaisquer outras impossibilidades de cumprir a obrigação por não ser possível evitar o fato derivado da força externa invencível: guerra, revolução etc. Adverte, entretanto, Agostinho Alvim que, mesmo nestes casos, ‘é preciso indagar se o fato não é devido a qualquer culpa do autor do dano, ainda que indireta ou remota, como no caso de morte pelo raio’ (Da Inexecução das Obrigações, nº 208)."

Cavalieri Fº., seguindo essa doutrina, refuta a impossibilidade de se invocar o caso fortuito como excludente da responsabilidade, pois assim se estaria impondo "uma responsabilidade objetiva fundada no risco integral, da qual o Código não cogitou". O autor dá a seguinte solução à questão:

"O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz parte da sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se à noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de consumo ou durante a prestação de serviço, não importa saber o motivo que determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável pelas suas conseqüências, ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável.

"O mesmo já não ocorre com o fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda nenhuma relação com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço, o que, a rigor, já estaria abrangido pela primeira excludente examinada – inexistência de defeito (art. 14, §3º, I)." [35]

No mesmo sentido, embora tratando sobre a responsabilidade extracontratual objetiva do Estado, é a posição de Almiro do Couto e Silva, entendendo primeiramente que o caso fortuito ou de força maior é excludente do nexo causal, e depois que nas situações de responsabilidade objetiva o fortuito interno não pode ser invocado como excludente da responsabilidade, mas o externo sim, salvo nas hipóteses de responsabilidade pelo risco integral como nos casos de dano nuclear. [36]

Também o regramento da Comunidade Européia sobre a responsabilidade do produtor (Diretiva nº 85/374/CEE, de 25 de Julho de 1985) nada menciona sobre a força maior como excludente da responsabilidade. O direito português incorporou essa Diretiva ao seu ordenamento interno através do Decreto-Lei nº 383/89, e eis o que diz Calvão da Silva sobre a questão:

"O Dec.-Lei nº 383/89 não menciona, entre as causas de exclusão da responsabilidade indicadas no art. 5º, o caso de força maior. Quererá isto dizer que o produtor não pode eximir-se à responsabilidade objectiva, alegando e provando um caso de força maior?

"A norma correspondente da Directiva, o art. 7º, não indica a força maior entre as causas de exclusão de responsabilidade. Mas, percorrendo os trabalhos preparatórios, chegamos à conclusão de que a omissão se deve ao entendimento de ser supérflua a sua explicitação. É o que resulta da exposição de motivos da Proposta de 1976 da Directiva, na qual, depois de ser considerada desnecessária uma disposição que previsse a regra de a culpa concorrente da vítima levar à redução ou exclusão da responsabilidade do fabricante, pode lêr-se: ‘Il en va de même de l’exoneration de responsabilité en cas de force majeure, que le fabricant peut invoquer, d’après le droit de tous les États membres, pour se défendre contre les allégations de la victime’. [37] O mesmo se diga da Convenção de Estrasburgo, de que a Directiva é herdeira.

"Sendo assim, porque a regra de direito comum é a oponibilidade à vítima da força maior, se o legislador comunitário pretendesse revogá-la devia tê-lo feito expressamente. Como não o fez e a lei portuguesa se limitou a incorporar a Directiva, não consagrando, portanto, a excepção à oponibilidade da força maior ao lesado, deve valer a regra comum. Equivale isto a dizer, em suma, que a força maior – acontecimento imprevisível, irresistível ou inevitável e exterior ao produto – é igualmente causa de exclusão da responsabilidade objectiva do produtor instituída pelo Dec.-Lei nº 383/89." [38]

Vale dizer que a legislação européia, porém, não dá ao tema um tratamento codificado, abrangente, tal como faz a nossa legislação de defesa do consumidor [39], havendo leis pontuais para temas específicos. Por exemplo, a responsabilidade extracontratual do fornecedor (produtor) é regulada por lei especial (Decreto-Lei nº 383/89), mas a responsabilidade contratual é resolvida pela legislação comum.

De qualquer forma, entendemos equivocada a opinião daqueles que vêem no caso fortuito uma hipótese de exclusão da culpabilidade, e, portanto, incompatível com o sistema de defesa do consumidor. É, conforme exaustivamente debatido pelos citados autores acima, excludente do nexo de causalidade, podendo, apesar do silêncio legislativo, ser invocada pelo fornecedor para se eximir da responsabilidade de reparar o dano.

Não obstante, acompanhamos o entendimento de que o fortuito interno está abrangido pela teoria do risco da atividade adotada pela legislação do consumo, não podendo ser invocado como excludente da responsabilidade.


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3. RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO OU SERVIÇO

A responsabilidade por vício do produto ou serviço não está relacionada com aquela tratada pelos arts. 12-14, ocupando-se somente dos vícios inerentes aos produtos e serviços, bem como aqueles relacionados com a sua apresentação, oferta ou publicidade.

Temos como exemplos de vícios problemas que resultem em: não funcionamento adequado do produto, mal funcionamento do produto, diminuição do valor do produto, descompasso com as informações, ou ainda os serviços que apresentem funcionamento insuficiente ou inadequado.

"São consideradas vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios [característica que impede seu uso ou consumo [40]] ou inadequados [pode ser utilizado, mas com eficiência reduzida [41]] ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Da mesma forma são considerados vícios os decorrentes da disparidade havida em relação às indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária." [42]

Os vícios podem ser aparentes ou ocultos.

O vício aparente, ou de fácil constatação, é aquele constatável pelo simples uso e consumo do produto e do serviço. Rizzato [43] prefere a expressão "vício de fácil constatação" em detrimento de "vício aparente", que possui significado plurívoco, podendo dar a idéia de aparência, em contraste com o que é real.

O vício oculto é aquele que não pode ser verificado no mero exame do produto ou serviço, ou que ainda não estiver provocando a impropriedade ou inadequação ou diminuição do valor do produto ou serviço. Assim, o vício será oculto se não estiver acessível e não estiver impedindo o uso e consumo. [44]

A responsabilidade aqui estudada não recorre a fatores extrínsecos, envolvendo a apuração de culpa do fornecedor – o modelo aqui adotado está relacionado ao inadimplemento contratual: "o fornecedor tem a obrigação de assegurar a boa execução do contrato, colocando o produto ou serviço no mercado de consumo em perfeitas condições de uso ou fruição" [45].

No sistema do Código Civil, o conhecimento ou não do vício pelo alienante gera conseqüências diversas: se ignora o vício, restitui somente o valor recebido, mais despesas contratuais; se o conhece, também serão devidas eventuais perdas e danos (CC/02, art. 443).

No âmbito da defesa do consumidor, o art. 23 reforça a regra geral de responsabilidade do CDC, que é a responsabilidade objetiva, que não aceita qualquer questão relacionada com a culpa como excludente da responsabilidade, tanto quanto aos vícios como quanto aos defeitos. Denari [46] afirma que a sua inclusão visa a evitar a utilização analógica do Código Civil.

Por fim, ainda que guarde certa semelhança, não está de forma alguma relacionada com os vícios redibitórios regulados pelo Código Civil (art. 441), visto que ambos possuem requisitos, características e conseqüências diversas.

3.1. Responsabilidade pelo vício de qualidade do produto

3.1.1 Responsabilidade

A responsabilidade pela reparação dos danos é solidária de todos os participantes da cadeia produtiva ("fornecedores"); quando se tratar de fornecimento de produto in natura (aquele que não passa por processo de industrialização) será responsabilizado o fornecedor imediato e também, quando identificado, o produtor (CDC 18, §5º). [47]

3.1.2. Vício de qualidade

O CDC 18 trata somente sobre o vício de qualidade, apesar de sua redação equívoca. [48] O próprio texto legal diz o que entende ser vício de qualidade: "os que tornem impróprio ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor" e os "decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza" – esse rol tem caráter meramente exemplificativo, em razão do disposto no §6º, III, desse mesmo artigo. [49]

Acrescente-se ainda que, a simples existência de produto melhor no mercado não torna o produto viciado (CDC, art. 12, §2º), mas se existindo à época da comercialização técnicas acessíveis capazes de melhorar o aspecto segurança do produto, sem que isso implique em ônus fora do razoável, o fornecedor não laçar mão deles, aí sim poderá ser configurado vício no produto. [50]

Também não há de ser considerado viciado o produto que tenha o risco e a insegurança na sua essência, tais como os cortantes e os explosivos, desde que esses riscos estejam dentro de limites razoáveis conhecidos pelo consumidor.

Por outro lado, o fornecedor será responsável "pelo uso erróneo ou incorrecto mas razoavelmente previsível do seu produto, tendo presente todas as circunstâncias do caso, designadamente o tipo de consumidor a que o mesmo se destina". [51]

Ainda que não resulte num acidente de consumo, será defeituoso também o produto que não apresente a segurança que dele legitimamente se espera (CDC, art. 12, §1º). O defeito pode ter origem em qualquer uma das fases do processo de produção do bem de consumo ou do serviço.

O defeito poderá, na classificação de Calvão da Silva, ser de concepção, que é aquele que tem origem no projeto, "por inobservância do estado da ciência e da técnica. Devidos a erros ou deficiências existentes logo na fase inicial do pleneamento e preparação da produção – a fase da concepção ou idealização do produto –, tais defeitos figuram em todos os produtos da série ou séries fabricadas, provocando, por isso, danos em série". [52]

Poderá também haver defeito de fabrico, quando o vício surgir "na fase propriamente dita de laboração, produção ou fabrico, em execução do projecto ou design perfeito, defeitos típicos da moderna produção de massa industrial, automatizada e estandardizada, e devidos a falhas mecânicas ou/e humanas da organização empresarial". [53]

Há ainda o defeito de informação que se refere a produtos e serviços que não são em si defeituosos, mas que requerem o acompanhamento das adequadas advertências e instruções, que, todavia, deixaram de ser prestadas pelo fornecedor, o que leva o produto ou serviço a não apresentar a segurança que o consumidor legitimamente espera. [54] Ressalte-se ainda que o dever de informação não cessa com a colocação do produto no mercado, sendo incumbência do fornecedor "observar e vigiar continuamente os produtos" com a finalidade de "descobrir-se imperfeições não conhecidas nem cognoscíveis no momento da sua entrada em circulação ou defeitos provenientes de desgaste, fadiga ou envelhecimento prematuro". [55]

Por fim, há o defeito de desenvolvimento, quando os riscos ou defeitos inerentes ao produto ou serviço são "incognoscíveis perante o estado da ciência e da técnica existente ao tempo da sua emissão no comércio" [56]. Esse tipo de defeito, no nosso sistema, gera a responsabilização do fornecedor, uma vez que, no dizer de Cavalieri Fº. [57], o risco do desenvolvimento é espécie do gênero defeito de concepção, mas "aqui o defeito decorre de carência de informações científicas, à época da concepção, sobre os riscos inerentes à adoção de determinada tecnologia", podendo ser enquadrado como fortuito interno, inapto a gerar a desresponsabilização do fornecedor. Entender de outra maneira seria jogar nos ombros dos consumidores os custos do desenvolvimento, sendo certo que os fornecedores têm melhores condições de suportar esse ônus, valendo-se de mecanismos de preços e seguros. [58] É de se ressaltar que essa posição não é unânime entre os doutrinadores. [59]

3.1.3. Variações decorrentes da natureza do produto

"A norma pretende salvaguardar certas alterações e até deteriorações que não cheguem a se tornar impropriedades, mas que afetam alguns produtos. Devido à natureza específica desses produtos, a modificação é inexorável", devendo-se evitar a confusão dessa alteração com vício. [60]

Essas variações, para que incida esta regra, devem ser decorrentes da própria natureza do produto, e não decorrentes do uso.

Os exemplos mais claros dessa situação são os produtos alimentícios in natura que sofrem variações naturais, tais como perda de frescor.

3.1.4. Impropriedade para o uso e consumo

O CDC, em seu art. 18, §6º, traz algumas hipóteses (rol não exaustivo) de impropriedade para o uso e consumo.

Primeiramente cabe distinguir: "Consumo diz respeito aos produtos consumíveis, que se extinguem na medida em que vão sendo utilizados: produtos alimentícios, de higiene e limpeza, cosméticos etc. Uso diz respeito aos produtos que não se extinguem enquanto vão sendo utilizados. Eles apenas se desgastam: veículos, casas, eletrodomésticos, roupas, sapatos etc." [61]

O termo final do prazo de validade (§6º, I) é de suma importância para se determinar a responsabilidade por eventuais danos causados: antes dele o consumidor está garantido, e após o risco do consumo é exclusivamente do consumidor. É claro que, para que haja essa "desresponsabilização" do fornecedor, o prazo de validade deve estar afixado de forma clara para o consumidor.

Quanto ao inc. II, a alteração proibida pela lei é aquela que gera vício. No mais, a não adequação às normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação está em consonância com o disposto no art. 39, VIII, que proíbe a comercialização desses produtos.

O inciso III, do §6º, do art. 18, expandindo o alcance da norma, faz referência a qualquer motivo que faça o produto tornar-se inadequado ao fim a que se destina.

3.1.5. Saneamento do vício de qualidade

O CDC, em seu art. 18, §1º, concedeu aos fornecedores, uma vez efetuada a reclamação, o prazo de trinta dias para que o vício seja sanado [62], contados da data em que o consumidor entrega o produto ao fornecedor (comerciante ou produtor), e desde que o vício tenha se apresentado dentro do prazo de garantia, observados os prazos dos arts. 26 c.c. 50, sobretudo no caso dos vícios aparentes. Na hipótese de o próprio fornecedor disponibilizar ao consumidor serviço de retirada do produto, contar-se-á o prazo da data em que ele lhe foi colocado à disposição.

Por ser um prazo genérico, em determinadas situações ele será muito elevado, e muito exíguo em outras; a fim de adequar esse prazo, o CDC (art. 18, §2º) permite que as partes convencionem outro, limitados a um teto de 180 dias e a um piso de 7 dias. Rizzatto [63] defende que a limitação a um mínimo é inócua, não sendo defeso ao fornecedor reduzir esse prazo para, p.ex., um dia ou algumas horas. Por outro lado, a cláusula que estabelecer o aumento do prazo deve guardar razoabilidade e correlação com as peculiaridades do caso concreto, sob pena de se configurar como abusiva (arts. 6º, IV; 51, IV e §1º).

Ressalte-se que uma vez iniciado o curso do prazo para o saneamento do vício, ele não se interrompe nem suspende – tem natureza decadencial. Mesmo que devolvido ao consumidor antes do término do prazo, não solucionado o vício, não há que se falar em novo prazo; pelo contrário, aquele prazo já iniciado segue até o seu exaurimento – Rizzatto [64] entende que o prazo, sendo um direito do fornecedor, deve ser contado como a soma dos períodos em que o produto viciado esteve à sua guarda. É claro que surgindo um novo vício, não relacionado, abre-se novo prazo para que seja remediado esse vício, tão somente.

Uma vez expirado o prazo estipulado – seja o legal ou o convencional – sem o saneamento do vício de qualidade, o CDC abre ao consumidor qualquer uma de três opções:

a substituição do produto por outro da mesma espécie, e mesma marca e modelo [65], em perfeitas condições de uso – não havendo outro produto daquela mesma espécie, marca e modelo (seja por falta no estoque, ou porque a sua produção foi descontinuada), o consumidor poderá escolher outro produto, restituindo-se ou complementando-se eventual diferença (§4º), com base no valor pago monetariamente corrigido;
a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, com a conseqüente devolução do produto defeituoso – há resolução contratual [66];
o abatimento proporcional do preço. A escolha da opção é exclusiva do consumidor, não cabendo nenhuma interferência por parte do fornecedor.
Em certas situações (§3º), a lei dispensa o decurso do prazo: sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, ou diminuir-lhe o valor, ou ainda quando se tratar de produto essencial. São situações em que o vício não pode ser desfeito ou não pode ser trazido ao status quo ante. [67]

Paulo Lôbo [68] adota posição divergente, defendendo que "somente o consumidor pode estimar se o vício é secundário ou se, ao contrário, compromete o fim a que destinou o produto. São circunstâncias que remetem à análise de cada caso, segundo a perspectiva prevalecente do consumidor". Assim, para o citado autor, "a reclamação preliminar para sanação do vício do produto é uma faculdade do consumidor, não podendo o fornecedor exigir que seja antes exercitada. É mais uma alternativa, para além das referidas no artigo, cabendo ao consumidor exclusivamente a sua escolha."

Apesar da redação equívoca do §1º, entendemos que o consumidor poderá em qualquer hipótese reclamar eventuais perdas e danos sofridos em decorrência da inexecução contratual, inclusive pela não solução do vício no prazo afixado. [69] Denari [70], por outro lado, entende que esta indenização somente é devida no caso de resolução contratual.

3.2. Responsabilidade pelo vício de quantidade do produto

3.2.1. Responsabilidade

A responsabilidade pela reparação dos danos é solidária de todos os participantes da cadeia produtiva ("fornecedores"). Na hipótese de o vício ser decorrente de erro na medição feita pelo comerciante (fornecedor imediato), somente este será responsável pelo saneamento do vício (art. 19, §2º).

3.2.2. Vício de quantidade

Vício de quantidade, a pesar de a definição legal ser um tanto restrita e incompleta, diz respeito às medidas em geral do produto (peso, volume, altura, largura, capacidade, etc.); é, nos termos utilizados por Rizzatto [71], um minus do direito do consumidor, que recebe menos do que o contratado pelo preço que pagou.

Porém, a norma legal ressalva que variações decorrentes da natureza do produto não levam à caracterização de vício de quantidade (art. 19, caput). A mudança aceitável é somente aquela incapaz de alterar a qualidade do produto; se houve mudança na qualidade, surge um vício por inadequação. [72]

3.2.3. Saneamento do vício de qualidade

Uma vez constatado o vício, a lei, independentemente de qualquer prazo para o saneamento do problema, desde que observados os prazos para reclamação do art. 26, abre ao consumidor quatro opções:

abatimento proporcional do preço, na exata medida do vício;
complementação do peso ou medida;
substituição do produto por outro da mesma espécie, marca e [73] modelo, livre de vícios – não havendo outro (seja por falta no estoque, ou porque a sua produção foi descontinuada), o consumidor poderá escolher outro produto, restituindo-se ou complementando-se eventual diferença (§1º), com base no valor pago monetariamente corrigido;
restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada.
Rizzatto [74] entende que somente caberá perdas e danos (inc. IV) nas hipóteses em que o consumidor for impedido de exercer as três primeiras alternativas (inc. I-III), seja por negativa do fornecedor ou por impossibilidade material.

3.3. Responsabilidade pelo vício do serviço

3.3.1. Responsabilidade

A responsabilidade pela reparação dos danos é do prestador dos serviços ("o fornecedor"). Rizzatto [75] considera essa opção legislativa adequada, "na medida em que o serviço é sempre prestado diretamente ao consumidor por alguém. E é essa pessoa, quer seja física quer seja jurídica, a responsável."

Isso, porém, não exclui a responsabilidade (solidária) de outros partícipes diretos ou indiretos no ciclo de produção que gerou o dano, por força da própria sistemática do CDC, e em especial pela regras dispostas expressamente nos arts. 7º, §ú; 34; e 25, §§1º e 2º. [76]

3.3.2. Vício do serviço

Por serviço prestado é de se entender "aquele feito de conformidade com a oferta e cujo desenvolvimento esteja adequado e do qual advenha resultado útil, da maneira prometida, e que se tenha estabelecido diretamente pelo prestador, quer ele o faça diretamente, quer se utilize de produto ou serviço de terceiros." [77] O serviço prestado deve ser adequado para os fins que "razoavelmente deles se esperam", não bastando que o serviço tenha sido prestado com diligência; porém, isso não quer dizer que mesmo as obrigações de meio se transformem em obrigações de resultado. [78]

A redação do caput, do art. 20, é equívoca; refere-se expressamente somente aos vícios de qualidade do serviço, "que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária". Apesar não ser mencionado explicitamente, também o vício de quantidade está abrangido pela norma em estudo, pois ele "diminui o valor" do serviço, bem como também se infere de "disparidade" entre o efetivamente executado e o prometido. [79]

A regra contida no caput, do art. 20, confunde as categorias de serviço impróprio e serviço inadequado; conceitua como impróprio aquilo que é inadequado. Para maior clareza, serviço inadequado é o que, "apesar de imperfeitamente prestado, permite o uso parcial, não tendo a eficácia esperada e desejada pelo consumidor, mas, ainda assim, mesmo insuficiente, podendo ser utilizado"; e impróprio é o que "em função de sua má execução impede o seu uso, não tendo qualquer eficácia de prestabilidade para o consumidor". [80]

Rizzatto [81] ainda acrescenta que, apesar da omissão legislativa, não haverá vício do serviço em relação a variações decorrentes de sua natureza, "que não chegam a se tornar impropriedade e que afetam o resultado do serviço prestado".

Por fim, repetimos em relação aos serviços o que já havíamos dito quanto aos produtos: a simples existência técnicas mais avançadas no mercado não torna o serviço viciado (CDC, art. 14, §2º), mas se existindo à época da comercialização técnicas acessíveis capazes de melhorar a segurança do serviço, sem que isso implique em ônus fora do razoável, o fornecedor não laçar mão deles, aí sim poderá ser configurado vício no serviço.

3.3.3. Saneamento do vício do serviço

Uma vez constatado o vício, a lei, independentemente de qualquer prazo para o saneamento do problema, desde que observados os prazos para reclamação do art. 26, abre ao consumidor três opções:

reexecução dos serviços, de forma parcial ou total, o que for suficiente para sanar o vício, e sem quaisquer ônus para o consumidor;
restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada – esta opção deve ser encarada com moderação, de modo a impedir o enriquecimento ilícito, sendo feita a restituição na proporção da reexecução necessária para o saneamento do vício;
abatimento proporcional do preço, na exata medida do vício.
Depois de constatada a impossibilidade ou a desistência do saneamento do vício, abre-se ao consumidor a possibilidade de se exigir o ressarcimento por perdas e danos sofridos; uma vez saneado o vício, o consumidor não tem direito de pleitear a indenização prevista no art. 20, II, sem prejuízo de fundar sua pretensão em outro dispositivo legal. [82]
O §1º ainda prevê que a reexecução dos serviços poderá ser feita por terceiro, escolhido pelo consumidor, por conta e risco do fornecedor, nas situações em que o consumidor perde a confiança no fornecedor ou que o fornecedor não tiver condições ou se recusar ele mesmo a refazer os serviços.

3.4. Serviços de reparo de produtos

Através do art. 21 o legislador limita a liberdade contratual, impondo nos contratos de prestação de serviço de reparo a cláusula pela qual o prestador se obriga a utilizar componentes de reposição originais adequados e novos; ainda que outro produto possua a mesma qualidade, o legislador impõe que a escolha recaia sobre o "original". [83]

Porém, o legislador em seguida dá a opção ao prestador de utilizar produtos não-originais "que mantenham as especificações técnicas do fabricante" do produto consertado. A escolha entre o produto original e o não-original, assim, não depende, a princípio, do consumidor – de qualquer forma, o orçamento deverá ser aprovado previamente pelo consumidor.

A parte final desse artigo parece negar tudo o que antes foi dito, e em razão disso é preciso construir uma interpretação que preserve a proteção que o legislador pretende dar ao consumidor. Assim é que Rizzatto [84] defende que a autorização do consumidor se refere à não utilização de peças originais em favor de produto não-original usado que mantenha "as especificações técnicas do fabricante". Tal interpretação nos parece ser a mais adequada, guardando consonância inclusive com o art. 70, que cria tipo penal para a utilização de peça usada sem a autorização do consumidor.


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4. A GARANTIA LEGAL DE ADEQUAÇÃO DOS PRODUTOS E SERVIÇOS

A garantia introduzida pelo sistema do CDC, e em especial o art. 24, como corolário da boa-fé, impede a estipulação de cláusulas contratuais que impossibilitem, exonerem ou mesmo atenuam as obrigações pelos vícios regulados pelos arts. 18 a 23. Essa garantia de adequação do produto e do serviço "é um verdadeiro ônus natural para toda a cadeia de produtores" e é "mais do que a garantia dos vícios redibitórios, é garantia implícita do produto, (...) de sua funcionabilidade, de sua adequação", abrangendo também os "vícios ocultos e aparentes não só em produtos como também no fornecimento de serviços e vício da informação". [85]

Os contratos submetidos ao regime do CDC possuem um regime especial e imperativo de garantia legal de adequação contra vícios aparentes e ocultos para todos os tipos de contratos – não só os comutativos, como limita o CC, art. 441 – envolvendo o fornecimento de todos os serviços e produtos para os consumidores. [86] Aqui, a garantia legal "independe de termo expresso"; é dever de adequação imputado a todos os fornecedores de produtos e serviços, enquanto a garantia contratual é facultativa, e oriunda de manifestação de vontade expressa do fornecedor, e devendo estar disposta em termo escrito (CDC, art. 50).

Essa disposição legal garante ao consumidor um período em que nenhum vício pode surgir.

Essa garantia estende-se também às hipóteses em que a relação de consumo envolve a comercialização de produtos usados, pois a lei em momento algum faz distinção, não sendo lícito ao intérprete fazê-lo. [87] Neste casos, a garantia legal será "segundo as reais especificidades do produto que estiver sendo comprado, bem como com as condições de oferta do fornecedor que o estiver vendendo". [88]

4.1 Prazos para reclamar

O art. 26 estipula os prazos de garantia legal por vícios do produto ou do serviço. Em outras palavras, uma vez constatado o vício no produto ou serviço, o consumidor tem o direito legal de exigir do fornecedor o saneamento do vício, nos termos dos arts. 18-20, do CDC.

Não é demais ressaltar que as situações em que ocorra dano em decorrência de fato do produto ou serviço não se sujeitam a esse prazo, mas somente àquele previsto no art. 27.

Para ter esse amparo legal, porém, o consumidor deve exercer esse direito de agir dentro do prazo estipulado pela lei: 90 dias para bens e serviços duráveis, e 30 dias para os não-duráveis. Thereza Alvim [89] aponta que eles não são suscetíveis de alteração pela vontade das partes.

Esses prazos têm natureza eminentemente decadencial, uma vez que se tratam de prazos para o exercício de direito potestativo. Esse dispositivo, no entanto, não é de fácil interpretação.

4.1.1. Contagem do prazo

Esse prazo tem início quando o produto, ou o serviço, é entregue ao consumidor (CDC, art. 26, §1º). Porém, quando se trata de vício oculto, o prazo para se reclamar somente tem início com a sua constatação (§3º).

Havendo garantia contratual, o termo inicial do prazo legal para reclamar somente se inicia quando aquele houver expirado. [90]

O vício oculto, para os fins do CDC, é aquele que não pode ser verificado no mero exame do produto ou serviço, ou que não estiver provocando a impropriedade ou inadequação ou diminuição do valor do produto ou serviço. Assim, "o vício é oculto se não estiver acessível e, ao mesmo tempo, não estiver impedindo o uso e consumo". [91]

Com o decurso do prazo de 30 dias que o fornecedor tem na hipótese do CDC, art. 18, §1º, e com a falta de atendimento imediato pelo fornecedor da opção eleita pelo consumidor nas hipóteses dos arts. 18, §3º, 19 e 20, poder-se-ia mesmo falar em recusa tácita, de forma a fazer cessar a causa "obstativa" do curso do prazo; ocorre que a lei é cuidadosa neste ponto, e exige que a "resposta negativa" seja "transmitida de forma inequívoca", não bastando a simples inação do fornecedor.

4.1.2. Prazo para o quê?

A doutrina consumerista está longe de estar de acordo sobre a interpretação a ser dada ao art. 26, do CDC.

Cláudia Lima Marques, p.ex., entende que os prazos do caput são para o consumidor "reclamar judicialmente" [92]; já Mirella Caldeira defende que se trata de prazo para o consumidor "constituir o seu direito de reclamar por um vício existente no produto ou serviço, sob pena de perdê-lo" [93] – essas são as posições que nos parecem mais satisfatórias. Quanto aos demais, em geral misturam ambas as posições, ou, quando não fingem enfrentar o problema, simplesmente o ignoram.

Fernando Noronha entende que "o direito do credor à indenização só surge" quando ele previamente "declarar que a prestação realizada está em desconformidade com a que era devida". [94]

A terminologia utilizada no Código – usando termos novos para evitar debates antigos – não facilita a chegada a um consenso.

A primeira questão que se põe é qual é o direito potestativo a ser exercido pelo consumidor dentro do prazo decadencial?

4.1.2.1. As soluções da doutrina

Os autores consumeristas em geral defendem e frisam que o prazo estipulado pelo CDC, art. 26 não é para ajuizar ação, mas sim para apresentar reclamação. Nas palavras de Antônio Benjamin: "O prazo é de trinta dias para reclamar e não para ajuizar a ação. Isto é, não se exige que o consumidor, impreterivelmente, proponha a ação cabível em trinta dias ‘a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços’. Faculta-se-lhe observar esse prazo, direta (reclamação junto ao fornecedor) ou indiretamente (inquérito civil instaurado pelo Ministério Público)." [95]

Dizem que tomar esses prazos como limite para o ajuizamento de ação judicial seria caminhar contra os princípios do CDC; entendem que o prazo é para reclamar, só que não explicam satisfatoriamente por que a reclamação suspende o curso do prazo se o prazo é para reclamar – Mirella Caldeira se propõe a solucionar a questão dizendo que "a palavra ‘obstar’ foi adotada pela lei consumerista no sentido de que o ‘direito será exercido’ – constituído, portanto – com a reclamação fundamentada ou com a instauração do inquérito. Após isso, não há que se falar em sobra ou reinicio de prazo, porque começa outro prazo [CDC, art. 18], totalmente diverso do direito potestativo de reclamar" [96], o que nos parece uma interpretação forçada do texto legal, ainda que em consonância com o sistema de proteção do consumidor.

Rizzatto [97] entende que as hipóteses do §2º não são de suspensão; entende que "a reclamação formulada no prazo tem efeito constitutivo do direito conseqüente do consumidor". Para ele, baseando-se no já citado estudo de Mirella Caldeira, o exercício da reclamação é condição sine qua non para o posterior exercício das prerrogativas que lhe são atribuídas pelo CDC, art. 18, §1º – "a reclamação do consumidor constitui o seu direito de pleitear aquilo que a lei subseqüentemente lhe garante (no caso expressamente previsto no §1º do art. 18) e aperfeiçoa-se com a resposta negativa do fornecedor".

Não obstante, Rizzatto concorda que a situação prevista no §2º, III é hipótese de suspensão do curso do prazo decadencial. Entende, outrossim, que havendo sido apurado o vício em Inquérito Civil, o consumidor estaria dispensado de apresentar ele mesmo a reclamação para ter constituído o seu direito – o prazo se suspende para quê, então?

4.1.2.2. Nossa posição

Não concordamos com essas posições, e, com algumas observações, adotamos a posição de Cláudia Lima Marques, já mencionada acima. Vejamos.

O tratamento dado pelo CDC ao vício do serviço ou produto encontra paralelo nos vícios redibitórios do CC, e nisso todos concordam.

Já à época do CC/16, onde os prazos referentes ao vício redibitório se encontravam regulados pelo art. 178, §§2º e 5º, IV, se entendia que o prazo era para o ajuizamento da ação. É de ressaltar que se entendia que a garantia contratual era uma causa convencional de suspensão do prazo decadencial, [98] o que encontrou eco na disposição do atual art. 446: aqui, porém, o legislador estipulou que na vigência da garantia contratual o adquirente tem 30 dias para "denunciar" o defeito, contados do seu "descobrimento" [99].

É certo que os prazos do art. 178, §§2º e 5º, IV, do CC/16, bem como do art. 445, do CC/02, são decadenciais, prazos para a propositura da ação [100], i.e., em linguagem ponteana: a ação de direito material deverá ser exercida judicialmente, por meio da ação de direito processual, dentro do prazo determinado pela lei.

Analisando o art. 26 em seu conjunto, fica claro que o termo "reclamar" (no caput) foi utilizado num sentido, e "reclamação" (no §2º, I) noutro. O primeiro foi utilizado no sentido de "promover ação judicial" [101], e o outro no sentido mais vulgar do termo, de denunciar ao fornecedor a existência do vício e fazer uso de uma das faculdades do CDC 18-20.

A análise do texto vetado do CDC, art. 27, §ú, só faz reforçar essa interpretação: ele previa que, apesar da referência equivocada, o prazo da prescrição da pretensão condenatória pelo fato do produto ou serviço seria interrompido nas mesmas hipóteses em que a decadência regulada pelo art. 26 é "obstada".

Entender que ambos os termos foram utilizados no mesmo sentido leva a conclusões esdrúxulas. Ora, se o prazo dado pela lei é para que o consumidor apresente sua reclamação ao fornecedor, mas ao mesmo tempo, apontar como causa "obstativa" à decadência a apresentação de reclamação pelo consumidor seria dizer o óbvio: se o prazo é para reclamar, e o consumidor reclamou dentro do prazo, não há que se falar em consumação da decadência. A interpretação da lei deve ser feita de modo a buscar dar maior efetividade ao dispositivo legal, e não transformá-lo em redundância inútil.

São prazos curtos, é certo (30 dias para produtos e serviços não duráveis, e 90 dias para duráveis). Também é certo que são prazos razoáveis se comparados com aqueles previstos no revogado CC/16 (15 dias para móveis, e 6 meses para imóveis), que também importavam no perecimento da possibilidade de se exercer o direito potestativo.

O fato de o CC/02 estabelecer prazos mais longos (30 dias para móveis, e um ano para imóveis) em nada deve afetar o tratamento dispensado pelo CDC, art. 26; já antes havia prazos mais longos na legislação civil ordinária do que na legislação do consumidor, e nem por isso os prazos do CDC foram postos de lado – foi opção consciente do legislador, que não quis fugir muito do tratamento dado aos vícios redibitórios.

4.1.3. Interrupção do prazo

Via de regra (CC, art. 207), os prazos decadenciais não se interrompem nem se suspendem, salvo disposição legal em contrário. No CDC temos uma disposição legal em contrário: o art. 26, §2º enumera duas situações em que o curso do prazo decadencial será interrompido ("obstado").

Dentre aqueles que defendem que as causas enumeradas no §2º representam causas que influem na contagem do prazo, e não a consumação do direito formativo, é quase unívoco que se trata de causa suspensiva do curso do prazo. [102] Parece-nos, porém, mais adequada à mens legislatoris a posição de que são causas interruptivas do curso do prazo, conforme o disposto no já mencionado parágrafo vetado, do art. 27, que lhe fazia referência.

A primeira hipótese diz que a apresentação de reclamação pelo consumidor obsta o curso do prazo. O prazo não volta a correr enquanto não vier a resposta negativa inequívoca do fornecedor.

A segunda se refere à instauração de inquérito civil, não correndo o prazo enquanto durar o inquérito. É de se ressaltar que o arquivamento do inquérito civil não o encerra enquanto não confirmado pelo Conselho Superior do Ministério Público (Lei 7347/85, art. 9º, §4º).

Antônio Benjamin esclarece ainda que "naqueles casos de solidariedade, o consumidor, para estancar a decadência, pode encaminhar sua insatisfação para qualquer um dos coobrigados. E o seu efeito aplica-se contra todos." [103]

É interessante ainda apontar que aqui o legislador lançou mão do verbo "obstar", ao invés dos já consagrados "impedir" e "suspender" ou "interromper", como meio de driblar o debate doutrinário e jurisprudencial sobre a possibilidade ou não de incidirem fatos que suspendam ou interrompam o curso do prazo decadencial, ante a falta de previsão expressa no CC/16. O tratamento dado ao instituto no CC/02 sanou o problema, ao ressalvar a incidência de disposições legais específicas prevendo a suspensão ou interrupção dos prazos decadenciais.

4.2 Prescrição

A prescrição da pretensão de reparação por danos sofridos pelo consumidor em razão de fato do produto (CDC, arts. 12-17) se dá em cinco anos da ciência da ocorrência do fato e de sua autoria – este prazo é sim de natureza prescricional, sendo injustificável o equívoco cometido por Denari [104]. Se o dano for continuado, a contagem somente poderá ser iniciada quando cessar a sua produção. [105]

Entendemos que identificado qualquer um dos responsáveis solidários, inicia-se a contagem do prazo; Antônio Benjamin [106] entende que a prescrição somente corre contra o fornecedor identificado, e não contra os demais. De forma contrária parece ser o entendimento de Rizzatto [107], ao dar exemplo em que o consumidor busca identificar o produtor para não acionar o "pequeno prestador de serviços", não se iniciando o curso do prazo.

Não obstante a disposição expressa, há jurisprudência admitindo a aplicação de outro prazo de prescrição que seja mais favorável ao consumidor, se houver, desde que provada a culpa do fornecedor [108] – na vigência do CC/16 aplicava-se o prazo do art. 177, de 20 anos (hoje se aplicaria a regra geral de 10 anos – CC/02, art. 205).

Ante a falte de previsão expressa no CDC, à pretensão de reparação de vício do produto ou serviço, aqui sim, aplica-se o prazo do CC, art. 205: 10 anos. Assim, p.ex., o consumidor que constatar vício oculto após dez anos da aquisição do produto ou serviço, não estará coberto pelas garantias legais do CDC, arts. 18-20.

Entendemos que não há que se falar em analogia ao prazo do CDC, art. 27, como defende a doutrina consumerista de forma geral. [109] A analogia, para ser aplicada, pressupõe a existência de "lacuna absoluta: isto é, aquele determinado caso não deve ter sido considerado pelo legislador nem explícita nem implicitamente em outra disposição que por si mesma e de acordo com a sua mentalidade possa compreendê-lo", e mais, "que a lacuna a ser preenchida não tenha sido expressamente desejada pelo legislador. Nesse caso não se poderá dizer que o legislador não previu o caso" [110]; aqui não há lacuna legal a ser preenchida.

O veto ao parágrafo único que existia no projeto aprovado pelo Congresso, previa que, apesar da referência equivocada, o prazo da prescrição da pretensão condenatória pelo fato do produto ou serviço seria interrompido nas mesmas hipóteses em que a decadência regulada pelo art. 26 era "obstada".

Assim, não havendo referência na legislação especial, socorremo-nos à regra da lei geral, suprindo a aparente lacuna através da interpretação sistemática do ordenamento jurídico – o argumento de que se aplicaria o prazo qüinqüenal previsto no CDC é fruto de interpretação hermética, prática condenável pela hermenêutica jurídica.

Não obstante, aplicam-se de forma subsidiária as regras de interrupção e suspensão previstas no CC/02, arts. 197-204. [111]


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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Faltou enfrentar a questão dos prazos para pleitear a modificação ou revisão contratual. Tentaremos aqui enfrentá-la de forma breve e sucinta.

Enquanto durar o contrato por prazo indeterminado certamente não há que se falar em início de contagem. Não temos dúvida de que havendo dano efetivo ao consumidor, tem início o prazo prescricional. Mas qual a natureza do dano sofrido?, e, por conseqüência, qual o prazo prescricional aplicável? É possível considerar que houve descumprimento contratual?

A resposta nos parece surgir da análise da teoria da base do negócio jurídico. [112] Tanto a modificação como a revisão se referem a discussão sobre o preço, tema de natureza eminentemente contratual. Assim, o prazo que incide sobre as parcelas pagas a maior é aquele do art. 205 – 10 anos.

Não vislumbramos, no entanto, a incidência de qualquer tipo de prazo decadencial para o pleito de modificação ou revisão contratual.

Por fim, em relação aos contratos findos de que não adveio dano efetivo algum, o consumidor carece de interesse jurídico para pleitear a modificação ou revisão contratual.


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NOTAS

Cf. Cavalieri Fº., Programa, p. 497.
Cavalieri Fº., Programa, p. 497.
Cf. Rizzatto, Comentários, p. 154.
Cf. Rizzatto, Comentários, p. 211-212.
Denari, Código comentado, p. 196; Cláudia Lima Marques, Comentários, p. 249.
Rizzatto, Comentários, p. 209.
Denari, Código comentado, p. 197.
Cavalieri Fº., Programa, p. 518.
Rizzatto, Comentários, p. 211.
Nesse sentido: Rizzatto, Comentários, p. 212.
Cavalieri Fº., Programa, p. 518.
Rizzatto, Comentários, p. 69.
Rizzatto, Comentários, p. 76.
Cavalieri F°., Programa, p. 498.
Rizzatto, Comentários, p. 186.
Calvão da Silva, Responsabilidade, n. 116, p. 655.
Rizzatto, Comentários, p. 165; Cavalieri F°., Programa, p. 498.
A inclusão do importador nesse rol, destoando dos demais sujeitos passivos da obrigação indenizatória, deve-se à obediência ao princípio da facilitação da defesa do consumidor em juízo (6º, VIII), pois lhe seria muito custoso demandar contra pessoa domiciliada no estrangeiro.
Cf. Denari, Comentários, p. 181-182.
Rizzatto, Comentários, p. 166-168.
Rizzatto, Comentários, p. 168.
Rizzatto, Comentários, p. 192.
Cláudia Lima Marques, Comentários, p. 240
Cf. Rizzatto, Comentários, p. 182.
Ver Rizzatto, Comentários, p. 174-175 e 200-202.
Cf. Rizzatto, Comentários, p. 176-177.
Cf. Calvão da Silva, Responsabilidade, n. 131, p. 718.
Rizzatto, Comentários, p. 177-178.
Nery Jr., Código comentado, p. 538. É de se notar que Denari (Código comentado, p. 191 e 195), com base na lição de James Marins (Responsabilidade da empresa pelo fato do produto, p. 153) entende que o caso fortuito ou de força maior atua como excludente do nexo causal, desde que ocorra após a introdução do produto no mercado de consumo; já no acidente de consumo relacionado a prestação de serviço, também o fortuito ocorrido durante a prestação poderia ser invocado como excludente da responsabilidade (cf. STJ, 3ª T. – REsp 330.523-SP – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – j. 11/12/2001 – v.u.).
Fernando Noronha, Obrigações, p. 620.
Fernando Noronha, Obrigações, p. 634.
Fernando Noronha, Obrigações, p. 619.
Caio Mário, Responsabilidade civil, n. 244, p. 302-303.
Caio Mário, Responsabilidade civil, n. 244, p. 303-304.
Cavalieri Fº., Programa, p. 513. No mesmo sentido: Thereza Alvim, Código comentado, p. 127-128
Almiro do Couto e Silva, ‘Responsabilidade extracontratual do Estado’, in: RDA, nº 202, p. 23 e 31-33.
"O mesmo se dá na exoneração da responsabilidade em caso de força maior, que o fabricante pode invocar, com base no direito de todos os Estados membros, para se defender contra as alegações da vítima".
Calvão da Silva, Responsabilidade, p. 737-738.
O Código português de Defesa do Consumidor, p. ex., ainda se encontra na fase de anteprojeto. Aprovado no modelo atual, resultará em diplomo muito mais extenso e detalhado do que o nosso.
Rizzatto, Comentários, p. 278.
Rizzatto, Comentários, p. 278.
Rizzatto, Comentários, p. 217.
Rizzatto, Comentários, p. 325-326.
Rizzatto, Comentários, p. 326.
Denari, Código comentado, p. 201.
Denari, Código comentado, p. 219.
Cf. Rizzatto, Comentários, p. 219-220; Cláudia Lima Marques, Comentários, p. 290.
Cf. Rizzatto, Comentários, p. 221.
Cf. Rizzatto, Comentários, p. 222.
Nesse sentido: Calvão da Silva, Responsabilidade, n. 111, p. 636.
Calvão da Silva, Responsabilidade, n. 113, p. 641.
Calvão da Silva, Responsabilidade, n. 116, p. 656.
Calvão da Silva, Responsabilidade, n. 117, p. 658.
Cf. Calvão da Silva, Responsabilidade, n. 118, p. 659-660.
Calvão da Silva, Responsabilidade, n. 118, p. 661-662.
Calvão da Silva, Responsabilidade, n. 119, p. 663.
Cavalieri Fº, Programa, p. 515-516.
Cf. Cavalieri Fº, Programa, p. 515.
Contra a sua adoção: James Marins, Responsabilidade da empresa pelo fato do produto, p. 137. A favor Denari, Comentários, p. 185-187.
Rizzatto, Comentários, p. 226.
Rizzatto, Comentários, p. 225.
Denari (Código comentado, p. 207-208) parece-nos estar equivocado, abordando o tema como se tratasse de prazo de garantia, o que é coisa diversa.
Rizzatto, Comentários, p. 240-241.
Rizzatto, Comentários, p. 230.
Rizzatto, Comentários, p. 233; Denari, Código comentado, p. 207.
Cf. Denari, Código comentado, p. 207.
Rizzatto, Comentários, p. 244.
Paulo Lôbo, ‘Reclamação do consumidor’.
Cf. Rizzatto, Comentários, p. 239.
Denari, Código comentado, p. 207.
Rizzatto, Comentários, p. 254.
Rizzatto, Comentários, p. 259.
Cf. Rizzatto, Comentários, p. 261.
Cf. Rizzatto, Comentários, p. 265-266.
Rizzatto, Comentários, p. 273.
Rizzatto, Comentários, p. 274.
Rizzatto, Comentários, p. 275.
Cláudia Lima Marques, Comentários, p. 308.
Cf. Rizzatto, Comentários, p. 270.
Cf. Rizzatto, Comentários, p. 278-279.
Cf. Rizzatto, Comentários, p. 283.
Rizzatto, Comentários, p. 287-288.
Cf. Rizzatto, Comentários, p. 298.
Rizzatto, Comentários, p. 301.
Cláudia Lima Marques, Comentários, p. 354-355.
Cláudia Lima Marques, Comentários, p. 355.
"Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus" apud Maximiliano, Hermenêutica, n. 299, p. 201.
Rizzatto, Comentários, p. 328.
Thereza Alvim, Código comentado, p. 172.
Rizzatto, Comentários, p. 340.
Rizzatto, Comentários, p. 326.
Cláudia Lima Marques, Comentários, p. 369. No mesmo sentido: Paulo Lôbo, ‘Reclamação do consumidor’.
Mirella Caldeira, ‘Aspectos’, n. 4.
Fernando Noronha, Obrigações, p. 525.
Antônio Benjamin, in: Juarez de Oliveira (coord.), Comentários, p. 131.
Mirella Caldeira, ‘Aspectos’, n. 4.
Rizzatto, Comentários, p. 335-336 e 340-343.
Cf. Caio Mário, Instituições, v. III, n. 208, p. 77.
Aqui encontramos eco da disposição do Código Civil português, que em seu art. 916 dispõe que o adquirente tem seis meses, a contar da entrega da coisa, para denunciar ao vendedor o vício ou falta de qualidade da coisa, desde que em trinta dias de conhecido o defeito.
Cf. Negrão, Código, nota 2 ao art. 441 e nota 1 ao art. 442, p. 107. Entendendo que o prazo para a "actio quanti minoris" no CC/02 é tratado como prescricional: Vilson Rodrigues, Da prescrição, §31, n. 2, p. 553; §54, n. 2, 761 e §55, n. 2, p. 782-784.
Há precedentes de uso pela lei do termo "reclamação" como sinônimo de "ação judicial": CLT 837-842.
Antônio Benjamin, in: Juarez de Oliveira, Comentários, p. 136; Denari, Código comentado, p. 229; Vilson Rodrigues, Da prescrição, p. 751-753; Thereza Alvim, Código comentado, p. 176, nota 4; Nery Jr., CDC Comentado, p. 1363. De modo contrário, Cláudia Lima Marques (Comentários, p. 377) entende que há interrupção do prazo.
Antônio Benjamin, in: Juarez de Oliveira (coord.), Comentários, p. 136.
Denari, Código comentado, p. 223.
STJ, 4ª T. – REsp n° 511.558-MS – Rel. Min. Aldir Passarinho – j. 13/4/2004 – v.u.. Note-se que apesar de a hipótese ser de responsabilidade extracontratual (publicação incorreta de anúncio em lista telefônica), em razão dos danos materiais gerados, fixou como termo inicial da prescrição o fim do período de circulação da lista, por ser o fim da relação contratual (mas a responsabilidade é extracontratual!), quando seria mais técnico fundamentar o termo inicial como o momento em que o dano deixou de ser produzido.
Antônio Benjamin, in: Juarez de Oliveira (coord.), Comentários, p. 138.
Rizzatto, Comentários, p. 353-354.
STJ, 4ª T. – REsp 330.194-RJ – Rel. Min. Cesar Asfor Rocha – j. 21/03/2002 – v.u.; STJ, 4ª T. – REsp 327.718-RJ – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – j. 21/05/2002 – v.u.; STJ, 3ªT. - REsp 226.286-RJ – Rel. para o acórdão Min. Antônio de Pádua Ribeiro – j. 19/03/2001 – maioria. Contra: STJ, 3ª T. – REsp n° 304.724-RJ – Rel. Min. Humberto Gomes Barros – j. 24/5/2005 – v.u.. É de se notar também outros malabarismos jurídicos, de fundamentação duvidosa, buscando proteger a vítima do dano aplicando o prazo maior: "Nos termos do art. 177 do CC16, é de 20 (vinte) anos o prazo prescricional para a propositura de ação visando à reparação de danos morais e materiais decorrentes de ato ilícito advindo do transporte ferroviário de passageiro, não se aplicando a regra do art. 27 do CDC, por quanto se trata de responsabilidade civil aquiliana." (STJ, 3ª T. – REsp 466.295-SP – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 02/12/2003 – v.u.)
Cf., p.ex., Thereza Alvim, Código comentado, p. 172-173; Mirella Caldeira, ‘Aspectos’, n. 4.
Roberto de Ruggiero apud Antônio Chaves, Lições – parte geral, v. 1, p. 66.
Cf. Thereza Alvim, Código comentado, p. 178; Antônio Herman, in: Juarez de Oliveira (coord.) Comentários, p. 138; Cavalieri Fº., Programa, p. 524.
V. Clóvis do Couto e Silva, ‘A teoria da base do negócio jurídico’, in: RT 655, p. 7-11.

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NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante vigente. 3ª ed., São Paulo: RT. 1998.

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SILVA, João Calvão. Responsabilidade civil do produtor. Coimbra: Almedina, 1999.



Ônus da prova e sua inversão no Código de Defesa do Consumidor
Elaborado em 12.2002.

Maria Carolina Genaro Saran

advogada em Campinas (SP)


AGRADECIMENTOS

Ao professor e orientador Dr. Manuel Carlos Cardoso, mestre que dedicou muita atenção e ajudou-me a realizar essa monografia.
A Dra. Gisele Araújo, amiga que me incentivou e cuja influência ajudou na coleta do material para o desenvolvimento da pesquisa.
Ao Dr. Frederico Borghi Neto, por toda sua paciência e compreensão.
Enfim, aos meus pais que caminharam ao meu lado para que eu pudesse chegar até aqui.
A todos, muito obrigada.


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RESUMO

O presente trabalho tem por escopo o estudo da inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Este instituto consumerista trouxe para o direito brasileiro uma mudança no eixo da responsabilidade – princípio norteador da responsabilidade objetiva. A Lei 8.078/90 criou esse mecanismo para que, sendo o consumidor hipossuficiente em relação aos conhecimentos técnicos do produto ou da prestação de serviço, e possuindo ele alegações verossímeis, o magistrado possa determinar a inversão. A inversão ope judicis, prevista no Código de Defesa do Consumidor, não se atém às hipóteses taxativas verificadas por força de lei. O Código de Defesa do Consumidor prevê a possibilidade do Juiz inverter esse ônus, quando julgar cabível, desde que presentes os pressupostos necessários para a aplicação dessa medida.

No presente trabalho, encontra-se a explanação sobre o momento ideal para a inversão do ônus da prova praticado pelo magistrado, quando cabível ou necessária tal medida.


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SUMÁRIO: INTRODUÇÃO ; CAPÍTULO I: A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PROCESSUAL, 1.1Considerações, 1.2A Evolução do Direito Processual Civil, 1.3Características e Inovações do Código de Defesa do Consumidor; CAPÍTULO II: O ÔNUS DA PROVA E SUAS PECULIARIDADES, 2.1 O Ônus de Provar, 2.2 Conceito de Ônus da Prova, 2.3Principais Teorias Sobre a Repartição do Ônus da Prova, 2.4O Ônus da Prova e o CPC, 2.5O Ônus da Prova e o CDC, 2.6Regras de Experiência e Presunções, 2.7Critérios do Juiz, 2.8 Verossimilhança das Alegações, 2.9 Hipossuficiência; CAPÍTULO III: A INVERSÃO DAS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CDC, 3.1 Introdução, 3.2 Regra de Julgamento, 3.3 Fase Processual para a Inversão, 3.4 O Ônus Probante, 3.5 A Inversão do Ônus da Prova pelo Juiz, 3.6 A Aplicação das Regras do Ônus da Prova, 3.7 Momento da Inversão do Ônus da Prova; CONCLUSÃO, Exemplos que Confirmam a Tese, Exemplos Práticos, Jurisprudência Comentada, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS; ANEXO.


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INTRODUÇÃO

Esta monografia tem como objetivo a análise da inversão do ônus da prova sob o prisma do Código de Defesa do Consumidor. Dentre as diversas situações probatórias na relação consumerista, cumpre distinguir e examinar como se opera a medida da inversão do ônus probatório em cada hipótese específica.

Nos termos da determinação constitucional, a expedição do Código de Defesa do Consumidor responde a antiga exigência da economia de mercado, que se ressentia de instrumental adequado para contrabalançar os desequilíbrios existentes entre as grandes concentrações empresariais e os consumidores em geral, na aquisição e na fruição de bens e de serviços para a satisfação de necessidades humanas primárias.

Aparelhada na relação de defesa da concorrência com sistema jurídico próprio, não se encontrava, no entanto, a legislação brasileira, sob o outro pólo da relação de consumo, posicionada em condições compatíveis com a magnitude dos valores nela envolvidos e exatamente com respeito à parte economicamente mais fraca.

Completa-se, assim, o binômio em que repousa o regime jurídico da economia do mundo liberal, a saber, a defesa da concorrência e a proteção do consumidor, permitindo-se, de um lado, o respeito aos direitos dos competidores e, de outro, o do adquirente de bens e de serviços colocados no mercado.

Integra-se, desse modo, na regência da matéria, os dois princípios fundamentais, o da lealdade com o concorrente e o da honestidade com o consumidor, erigidos, desde tempos antigos, em vigas mestras do direito negocial.

Nesse sentido e inseto na linha de proteção dos valores fundamentais da pessoa humana em sociedade, o ingresso do Código na realidade jurídica encontra-se preparado, graças à reestruturação constitucional havida em 1988, para a sua efetiva aplicação, com a sagração de inúmeras novas medidas assecuratórias desses direitos e a nível coletivo, dentro da evolução operada nessa área.

De fato, coerente com o espírito que presidiu a Carta de 1988, em que a dignidade da pessoa humana e a preservação de seus direitos de personalidade são as pilastras básicas, o Código vem suprir lacuna existente em nosso direito positivo, acompanhando o progresso legislativo processado na matéria, especialmente em alguns países da Europa e nos Estados Unidos.

Informado por princípios próprios e estratificados sob forma de normas de ordem pública, o Código busca o equilíbrio na relação de consumo, conferindo aos consumidores o instrumental de defesa compatível com as necessidades do mundo presente.

Com efeito, tendo no universo contratual do setor poderosas empresas, detentoras de tecnologias próprias, ao lado de pessoas normais do povo consumidor, além de profissionais e de outras empresas, também consumidoras, o Código arma a parte mais fraca economicamente com mecanismos de proteção, públicos e privados, que lhe permitirão a consecução de justiça na contratação denominada de massa.

Destacam-se, em seu contexto a proteção do consumidor e o reconhecimento explícito de vários direitos básicos do consumidor, bem como a modificação de conceitos e de institutos processuais para efeito de defesa de interesse de consumidores como a inversão do ônus da prova.

O Código de Defesa do Consumidor constitui-se num sistema autônomo e próprio, sendo fonte primária, dentro do sistema da Constituição, para o intérprete.

Dessa forma, no que respeita à questão da produção das provas no processo civil, o CDC é o ponto de partida, aplicando-se a seguir, de forma complementar, as regras do Código de Processo Civil (arts. 332 a 443).

Entender, então, a produção das provas em casos que envolvam as relações de consumo é compreender toda a principiologia da Lei n. 8.078/90, que pressupõe, entre outros princípios e normas, a vulnerabilidade do consumidor, sua hipossuficiência, especialmente em técnica de informação, mas também econômica, como se verá, o plano geral da responsabilização do fornecedor, que é de natureza objetiva etc.

Ao lado disso, têm-se, na lei consumerista, as determinações próprias que tratam da questão da prova.

Na realidade é a vulnerabilidade reconhecida no inciso I do art. 4º do CDC que principalmente justifica a proteção do consumidor nessa questão da prova.

A primeira situação envolvendo provas na lei consumerista é a relacionada à responsabilidade civil objetiva do fornecedor pelo fato do produto e do serviço (arts. 12 a 14 CDC), bem como a responsabilidade pelo vício do produto e do serviço (arts. 18 a 20, 21, 23 e 24 CDC) e que se espraia por todo sistema normado da Lei n°. 8.078/90. Haverá necessidade que o consumidor prove o nexo de causalidade entre o produto, o evento danoso e o dano, para pleitear a indenização por acidente de consumo. E a produção dessa prova preliminar necessária se fará pelas regras do Código de Processo Civil, a partir dos princípios e regras estabelecidas no CDC.

Todavia, também essa prova, como qualquer outra que tiver de ser produzida, deverá guiar-se pelo que está estabelecido no art.6º, VIII, do CDC.

Visando o exame de todos esses aspectos, tratará esta monografia da medida de inversão do ônus da prova precipuamente com relação aos consumidores, por vista no Código de Defesa do Consumidor.

A presente monografia conterá três capítulos principais. Sendo eles:

Capítulo I – A Evolução da Ciência Processual – neste capítulo temos uma visão do direito processual civil brasileiro vivenciado nas últimas décadas, bem como suas renovações e a inserção do Código de Defesa do Consumidor.

Capítulo II – O Ônus da Prova e suas Peculiaridades – neste capítulo analisamos o conceito de ônus da prova bem como as peculiaridades inerentes a este instituto perante o CDC.

Capítulo III – A Inversão do Ônus da prova no Código de Defesa do consumidor – neste momento tratamos diretamente da utilização e demais questões pertinentes aos efeitos que essa instrumental causa ao processo e de que modo atingem as partes legítimas da lide. Analisamos o conceito do ônus probandi, qual o momento processual que ocorre tal fenômeno, questão que divide bastante a doutrina nacional e, principalmente, quais são os requisitos que se fazem necessários para que tal instrumento trabalhe adequadamente e alcance seu objetivo, que será também objeto de amplo desenvolvimento.

Com todas essas considerações, esperamos que logrem um maior conhecimento e uma noção mais ampla sobre o assunto. Ademais, com toda a análise realizada será possível entender e adotar uma determinada posição dentre várias correntes que podem existir quando surgem questões controversas.


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CAPÍTULO I
A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PROCESSUAL

1.1. CONSIDERAÇÕES
O estudo da história, especialmente no caso do Direito, não tem a pretensão apenas de relembrar datas, nomes e fatos ocorridos em tempos pretéritos, mas sim, ressaltar que os hábitos ocorridos nesse tempo continuam ocorrendo e que até mesmo as regulamentações, mesmo tendo sofrido mudanças, influenciam o comportamento contemporâneo.

O intuito da História do Direito é oferecer ao Direito atual a compreensão de sua retrospectiva, esclarecendo as suas dúvidas e levantando, passo a passo, a estrutura do seu ordenamento, seus institutos mais perenes, suas bases de fundo e suas características de forma, até chegar à razão de ser de seu significado e conteúdo.

A importância deste estudo no âmbito do ônus da prova no Direito Processual permite avaliar o desenvolvimento de princípios, alguns até hoje adotados e outros já em desuso e sem fundamento cabível no cenário atual. Trata-se de um entendimento maior do que um simples conceito – faz parte da evolução da própria ciência do Direito.

1.2. A EVOLUÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
O direito processual civil brasileiro está vivenciando nas últimas décadas mais uma etapa de sua renovação. Muito longe do primeiro passo que proporcionou sua autonomia do direito material, ocorrida no século passado, hoje o processo se volta aos seus consumidores e à qualidade de seus resultados.

Se de início, o processo era mera tradução formal de prerrogativas também formais do cidadão (1), atualmente se afigura muito mais como instrumento efetivo de garantias fundadas no devido processo legal e no sistema político constitucional, afastando-se de qualquer possibilidade de denegação da Justiça ou violação de direito fundamental. (2)

Vencidas as duas primeiras ondas renovatórias do processo (3) – destinadas a garantir tanto a assistência judiciária como o reconhecimento e tutela dos interesses difusos, vive-se o desejo em alcançar a universalidade da jurisdição.

Pretende-se, deste modo, questionar a qualidade do serviço jurisdicional, inventariando as carências e obstáculos do atual sistema para confronta-las com as alternativas que viabilizam soluções adequadas. (4)

O processo se traduz como instrumento – revolucionário – a serviço da espiral progressiva e coletiva dos direitos, partindo-se do individual para o meta individual. Sua tendência é tutelar a quarta geração dos direitos – após a tutela das liberdades públicas, dos direitos econômicos e sociais e dos direitos meta individuais, através de sua projeção mundial.

A atual metamorfose da ciência processual exige um repensar de seus institutos, redimencionando-os sob uma ótica macroscópica. (5) Justifica-se esta postura a partir do momento em que há a violação em massa de direitos e não se admite mais a postura de fragmentação das demandas, amparada pela leitura clássica do art. 6º do CDC.

O processo pretende, então, valorizar suas qualidade de efetivo, pois se mostra como canal apto para atingir a educação, a paz social, o bem comum, além de oferecer um provimento justo e legítimo; de instrumental, porque inequívoco seu grau de utilidade e eficiência. (6)

A reavaliação dos institutos processuais poderá aplacar os óbices que impedem a realização destas qualidades (efetividade e instrumentalidade). Com o oferecimento de tutela jurisdicional adequada, eficaz e célere, é possível atingir a justiça acessível e participativa, ideal a que estão comprometidos os operadores do Direito sintonizados com a nova ordem processual.

Esta renovação do processo se reflete na necessidade em se proteger direito indivisíveis de um número indeterminado de pessoas, relativos, principalmente, aos consumidores e ao meio ambiente. (7)

É neste contesto revolucionário de expansão da tutela jurisdicional que se insere o Código de Defesa do Consumidor. Pretende não só resolver o maior número de conflitos como também jurisdicionalizar a imensa gama de litígios pelo Estado e que não são levados para apreciação pelo Estado e que, por isto, guardam alto grau de litigiosidade contida (8), que rege a imperiosa necessidade de reestruturação.

A nova tendência do direito processual civil é questionar o binômio direito-processo e sua relativização frente ao conceito de tutela jurisdicional, enquanto meio para a efetiva satisfação das pretensões.

São estas as bases que projetam a análise do Código de Defesa do Consumidor e, em especial, do momento processual da inversão do ônus da prova.

1.3. CARACTERÍSTICAS E INOVAÇÕES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
É neste passo que, após ser instituído como direito fundamental pela Constituição Federal de 1988 (art. 5º., inc. XXXII) e a partir de experiências estrangeiras, foi elaborado o nosso Código de Defesa do Consumidor.

Caracteriza-se o CDC como sistema funcional de normas, de aspecto multidisciplinar (9), cujo intuito é a proteção do consumidor, sabidamente a parte vulnerável da desequilibrada relação de consumo, conferindo-lhe paridade de armas frente ao fornecedor. (10)

São escopos do processo, tendo como base às relações de consumo: a) ampliar a forma de representação dos consumidores, de acordo com a tendência associativa; b) garantir a informação aos consumidores, de modo que tenham ciência de seus direitos, pois consumidor informado é consumidor exigente e com poder; c) viabilizar o acesso dos consumidores a diferentes mercados, estimulando o aprimoramento da produção e consciência do fornecedor em oferecer melhores produtos; e d) estipular um sistema de proteção contra produtos nocivos e defeituosos que possam gerar prejuízo à vida e à saúde do consumidor.

Além de garantir a proteção do direito individual do consumidor, buscou-se permitir a tutela coletiva dos direitos, sejam eles individuais homogêneos, coletivos ou difusos, prevendo a coisa julgada secundum eventum litis.

Tipificaram-se infrações penais e administrativas, com a inscrição de regras de responsabilidade objetiva do fornecedor, prevendo a inversão do ônus da prova, sem que isto signifique interferência na livre iniciativa e na política de mercado, com a clara intenção de viabilizar a defesa do consumidor em juízo.


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CAPÍTULO II
O ÔNUS DA PROVA E SUAS PECULIARIDADES

2.1. O ÔNUS DE PROVAR
A palavra vem do latim, ônus, que significa carga, fardo, peso, gravame. Não existe obrigação que corresponda ao descumprimento do ônus. O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para obtenção do ganho de causa. A produção probatória, no tempo e na forma prescrita em lei, é ônus condição de parte.

2. 2. CONCEITO DE ÔNUS DA PROVA
Para se compreender a extensão da aplicabilidade da inversão das regras de distribuição do ônus da prova, como previsto no art. 6º., inc. VIII do CDC é necessário fixar o ônus da prova.

Proposta a demanda, a atividade probatória deve se desenvolver de acordo com o interesse em oferecer ao julgador as provas possíveis para a prolação de um provimento legítimo, capaz de solucionar o conflito de interesses.

Para formar a convicção do julgador, o demandante tem o encargo de comprovar as alegações que amparam seu direito, sob o risco de, assim não agindo, sofrer um julgamento desfavorável. O demandado, por seu turno, tem o ônus de oferecer prova que modifique, extinga ou impeça o reconhecimento da pretensão de seu adversário.

Ônus é o agir de determinado modo para a satisfação de interesse próprio, evitando-se uma situação de desvantagem. (11) No caso do ônus da prova, à parte que não quiser ser atingida pelas conseqüências do estado de dúvida do julgador deve provar suas afirmações, pois ônus probatório é, antes de tudo, interesse em oferecer as provas. (12)

2. 3. PRINCIPAIS TEORIAS SOBRE A REPARTIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA

Entende-se que a grande questão sobre o ônus da prova não é o que se prova ou quem prova, mas quem sofre as conseqüências pela falta de prova.

O pensamento de Micheli sobre o ônus da prova adotado pelo Código de Processo Civil, em seu art. 333 e incisos – contrariou os fundamentos da teoria de Rosenberg, em especial a bipartição do ônus da prova em subjetivo e ônus objetivo.

Isto porque a atividade probatória das partes pode ser insuficiente para produzir no espírito do julgador o convencimento sobre a realidade dos fatos. Então independentemente de ser processo regido pelo princípio inquisitivo ou pelo princípio dispositivo, é lícito permitir que o juiz desenvolva seus poderes instrutórios, completando a atividade probatória, não para auxiliar uma ou outra parte, mas para esclarecer suas próprias dúvidas.

Porém finda a instrução probatória e ainda que utilizados os poderes instrutórios do juiz e apreciada a prova segundo o sistema da persuasão racional, a certeza não poderá se firmar se o juiz permanecer em dúvida.

Não poderá ele proclamar o non liquet, deixando de julgar com o argumento de que não formou sua convicção. Deve, então, socorrer-se das regras do ônus da prova, para determinar qual parte sofrerá a desvantagem por seu estado de dúvida, julgando procedente ou improcedente o pedido.

Entre as principais teorias que se destacam para justificar uma repartição do ônus da prova encontram-se aquelas formuladas por Rosenberg e Micheli. (13)

Segundo Rosemberg, cada parte deve comprovar o estado de coisas do qual externam os pressupostos do preceito jurídico aplicável à espécie. Ao demandante cabe provar os elementos da aplicação da norma constitutiva do direito que ampara, enquanto que o demandado deve demonstrar os elementos da aplicação de norma impeditiva, modificativa ou extintiva.

Ao ônus de afirmar, conferido às partes, correlaciona-se o ônus subjetivo da prova, assim entendido como o encargo de subministrar a prova (qual litigante deve provar os fatos para se desincumbir de seu encargo) e o ônus objetivo da prova, isto é, a aplicação do direito ao caso concreto (onde se dispensa qualquer análise sobre a atividade das partes, apreciando o julgador o quanto demonstrado para, em caso de dúvida, emitir seu julgamento e impor o ônus objetivo a uma das partes).

Para Micheli, é necessário apreciar a hipótese normativa de forma concreta, de acordo com a posição assumida pelas partes na relação jurídica processual e qual é o efeito processual pretendido. É preciso definir a posição real das partes, de acordo com o direito material (que disciplina a hipótese legal) e com o direito processual (que traduz o efeito jurídico pretendido pela parte).

2.4 O ÔNUS DA PROVA E O CPC

O art. 333 do CPC estabeleceu a distribuição do ônus da prova da seguinte maneira:

Ao autor, incumbe provar os fatos constitutivos do seu direito;
Ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Relevante, a esta altura, traçar algumas considerações, breves, todavia, no tocante a noção e classificação dos fatos jurídicos.

Por fato jurídico se denominam os acontecimentos que produzem, modificam ou extinguem as relações de direito, como afirma Chiovenda reproduzido por Amaral Santos.

Emílio Betti, em Teoria Geral do Negócio Jurídico, p.6, expressa que os fatos jurídicos são os frutos a quem o direito atribui transcendência para trocar as situações preexistentes a eles e estabelecer novas, a que correspondam novas classificações jurídicas.

Continua o Autor, traçando um esquema lógico do fato jurídico, para sustentar que se trata de um fato dotado de alguns requisitos, pressupostos pela norma que incide em situação nova (final), de tal sorte que constitua, modifique ou extinga, poderes e vínculos de qualificações e posições jurídicas.

A eficácia do fato jurídico em constitutiva, modificativa ou extintiva que se atribui reside exatamente em relação à situação em que se enquadra, enquanto que forma com ela (a situação como suposto de fato) objeto da previsão e de estimação jurídica por parte da norma que declara aquela eficácia.

Os fatos constitutivos são aqueles que fazem nascer à relação jurídica. Os extintivos fazem cessar a relação jurídica. A seu turno, os impeditivos obstaculizam que um fato produza o efeito que lhe é próprio.

Os modificativos, de outro lado, sem impedir ou excluir a relação jurídica, à qual é anterior, produzem um efeito de modifica-la.

Vale ressaltar ainda, tema muito discutido em doutrina, o da admissibilidade de convenções no tocante à distribuição do ônus da prova.

Tomando por modelos o direito italiano e o direito português, o Código de Processo Civil introduziu no sistema probatório pátrio a inovação de permitir convenções, judiciais ou extrajudiciais, relativas à distribuição do ônus da prova, em descompasso com a regra geral constante o art. 333 que expusemos acima.

Dispõe o parágrafo único deste artigo que é nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando recair sobre direito indisponível da parte ou tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. Daí serem admissíveis e legítimas convenções relativas ao ônus da prova, desde que não incidam nas vedações previstas nos incisos desse dispositivo.

Sem sombra de dúvida e, salvo melhor juízo, a nós parece que o Código de Processo Civil adotou a tese esposada por Carnelutti, como expusemos acima.

2.5 O ÔNUS DA PROVA E O CDC

Há algumas preliminares que necessitam de resolução para que possamos compreender adequadamente a temática relativa à distribuição do ônus da prova e as disposições pertinentes no Código de Defesa do Consumidor.

É bom relembrarmos, que o CDC é um sistema jurídico que basta por si, autônomo, a regular as relações de consumo.

Aliás, é bom relembrar que o surgimento do CDC resultou da necessidade imperiosa de regulamentar uma relação jurídica caracterizada por fenômenos essencialmente de massa, decorrente da konsumgelleshafe, como anotam os alemães. A sociedade de consumo, como bem adverte Antonio Herman V. Benjamim é caracterizada pela produção em massa pelo consumo em massa.

Os instrumentos jurídicos postos à disposição dos membros da sociedade mostraram-se ineficientes, pois cada vez mais é flagrante um profundo vácuo econômico entre os diversos escalões da sociedade. De um lado, os economicamente mais bem aquinhoados e, de outro, a sofrida classe média.

Quem não enfrentou situações em que, na condição de consumidor, não teve assegurado o seu direito?

Os produtos muitas vezes não funcionam, e quando o faziam, apresentavam defeitos. As diversas reclamações não encontravam eco, e o Judiciário não se mostrava adequadamente instrumentalizado, com a existência de regras claras e definidas para a boa prestação jurisdicional.

Juízes atentos aos reclamos da sociedade eram obrigados a aplicar as regras contratuais inscritas no Código Civil ou Código Comercial, onde o liberalismo imperava.

Tornou-se necessário surgir uma legislação própria para as relações de consumo, já que os instrumentos até então existentes, exceto a Lei 7.347 de 24.7.85, ainda assim muito pouco disciplinadora a respeito, não continham regras ajustadas a essa nova faceta da ciência jurídica.

Daí porque a preocupação do legislador nacional em pôr à disposição da sociedade normas que protegessem a saúde, os negócios jurídicos em sua órbita contratual ou pré-contratual, bem como seus prolongamentos processual e penal.

Para bem se compreender as regras da distribuição probatória em sede de Código de Defesa do Consumidor é indispensável lembrar que o Código, como regra geral, adotou a responsabilidade objetiva, tal como prescreve os arts. 12, 14 da mencionada lei.

Em relação aos profissionais liberais, a lei consumerista estabeleceu a responsabilidade civil subjetiva, mediante a verificação de culpa, tal como dispõe o artigo 14, §4º do CDC.

Não passou também, desapercebido o enfoque contratual, com a proibição de cláusula contratual que imponha o encargo probatório em prejuízo do consumidor, consoante dispõe o art. 51, VI do CDC.

Ademais em relação à publicidade, o Código também tratou de disciplinar a matéria atribuindo a distribuição da carga probatória quanto à veracidade e correção de informação ou comunicação publicitária ao patrocinador, conforme o art. 38 do CDC.

Finalmente, o Código inclui como direito básico do consumidor, a facilitação da defesa do seu direito, inclusive com a possibilidade da inversão do ônus da prova, tal como prescreve o artigo 6º. inciso VIII.

A essa altura, se realça uma questão: o Código de Defesa do Consumidor alterou as regras do ônus da prova estabelecido no art. 333 da Lei instrumental brasileira?

A resposta negativa se impõe. Com efeito, em princípio, compete ao autor provar o fato constitutivo do seu direito. Ao demandado demonstrar os fatos extintivos, impeditivos ou modificativos ao direito do primeiro.

Falou-se, em princípio, em relação ao demandante, porque o Código permite, como veremos adiante, a inversão do encargo probatório em benefício do consumidor (art. 6º, VIII, CDC).

As regras da distribuição do encargo probatório no art. 333 do CPC são plena e integralmente aplicáveis nos pleitos judiciais que tenham como matiz os direitos substanciais reconhecidos no CDC.

Ora, as normas de distribuição de carga probatória, se dirigem em regra, ao destinatário maior da prova: o Magistrado. Em todo o debate travado pelos doutrinadores em relação às teorias do ônus probandi, resultou cristalino que quem deve provar tem apenas e tão somente o fardo de demonstrar os pressupostos da norma reguladora que lhe é favorável ao seu pedido deduzido.

Aqui a situação não se mostra diferente.

Substancialmente, como já deduzido, o Código é um microssistema, autônomo e independente, mas instrumentalmente se socorre das regras e princípios gerais que norteiam o CPC, exceto quando diferentemente regule, tal como nos casos de intervenção de terceiro, coisa julgada, e etc...

São essas as questões que passamos a enfrentar, sem, todavia, esquecer que o tema é novo, com muita divergência a respeito.

2.6 REGRAS DE EXPERIÊNCIAS E PRESUNÇÕES

Com intuito de esclarecer suas dúvidas é certo que o julgador, no momento de apreciação das provas e para alcançar a certeza, poderá utilizar-se de regras de experiência e de presunção.

A presunção é um raciocínio lógico utilizado para que, de um fato conhecido (o indício) seja possível chegar a um fato também desconhecido. A regra de experiência é também um processo lógico, baseado em fatos comuns, preexistentes, genéricos e abstratos do conhecimento humano, de uso corriqueiro pelo juiz.

Assim, analisando as provas do processo, aplicará o julgador às presunções e regras de experiência, onde poderá presumir a verossimilhança da existência de um direito alegado não provado, a partir do indício.

Através do raciocínio lógico, o juiz poderá entender que um fato, apesar de não comprovado, reveste-se de alta dose de probabilidade, se inexistir qualquer prova do adversário que contrarie a presunção.

Na apreciação da prova, é permitido ao julgador a utilização de regra de experiência, tanto relativa à matéria probatória quanto pertinente à função integrativa do conceito em branco. (14) Se reconhecida no momento da valoração, sua aplicação favorece uma das partes, que é beneficiada pela presunção originada da regra de experiência, liberando-a de sofrer a desvantagem pela incerteza, transferindo o encargo ao adversário.

Com isto, pretende-se afirmar que, ao se utilizar às regras de experiência, o juiz poderá aplicar de modo diverso as regras do ônus da prova: as alegações do demandante não foram por ele provadas, porém, segundo as regras de experiência, são verossímeis e não foram contrariadas pelo adversário. Apesar de não se desvencilhar de seu encargo em provar, o demandante não sofrerá a desvantagem da incerteza do julgador, pois a seu favor milita uma regra de experiência.

Frise-se, novamente, que as regras de experiência e as presunções somente são utilizadas se o juiz estiver em dúvida sobre a realidade dos acontecimentos. O julgador, no instante da sentença, tendo aplicado regra de experiência, dispensa uma das partes de sofrer as conseqüências a ela desfavorável.

A verossimilhança é um patamar na escala do convencimento dos fatos (15) e o julgador, após analisar as provas, pode formar três estados de conhecimento: de certeza, de ignorância e de dúvida.

Constatada a dúvida, o juiz deverá analisar se as provas fundamentam uma alegação verossímil daquele a quem a presunção, se existente, favoreça, dispensando-o do encargo da prova.

2.7 CRITÉRIO DO JUIZ

Em matéria de produção de prova o legislador, ao dispor que é direito básico do consumidor a inversão do ônus da prova, o fez para que, no processo civil concretamente instaurado, o juiz observasse a regra.

E a observância de tal regra ficou destinada à decisão do juiz, segundo seu critério e sempre que se verificasse a verossimilhança das alegações do consumidor ou sua hipossuficiência.

Para entender o sentido pretendido pela lei consumerista é preciso primeiramente compreender o significado do substantivo "critério", bem como o do uso da conjunção alternativa "ou".

O substantivo "critério" há de ser avaliado pelo valor semântico comum, que já permite a compreensão de sua amplitude.

Diga-se inicialmente que agir com critério não tem nada de subjetivo. "Critério" é aquilo que serve de base de comparação, julgamento ou apreciação, é o princípio que permite distinguir o erro da verdade ou, em última instância, aquilo que permite medir o discernimento ou a prudência de quem age sob esse parâmetro.

No processo civil, como é sabido, o juiz não age com discricionariedade (que é medida pela conveniência e oportunidade da decisão). Age sempre dentro da legalidade, fundando sua decisão em bases objetivas.

O que a lei processual lhe outorga são certas concessões, como acontece, na fixação de prazos judiciais na hipótese do art. 13 ou do art. 491, ambos do Código de Processo Civil.

Assim, também, na hipótese do art. 6º, VIII, do CDC, cabe ao juiz decidir pela inversão do ônus da prova se for verossímil a alegação ou hipossuficiente o consumidor.

Vale dizer, deverá o magistrado determinar a inversão. E esta se dará pela decisão entre duas alternativas: verossimilhança das alegações ou hipossuficiência. Presente uma das duas, está o magistrado obrigado a inverter o ônus da prova.

2.8 VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES

É fato que o vocábulo "verossímil" é indeterminado, mas isso não impede que da análise do caso concreto não se possa aferir verossimilhança.

Para sua avaliação não basta, é verdade, a boa redação da petição inicial ou qualquer outra. Não se trata apenas do bom uso da técnica de argumentação que muitos profissionais têm. Isto é, não basta relatar fatos e conecta-los logicamente ao direito, de modo a produzir uma boa peça exordial.

É necessário que da narrativa decorra verossimilhança tal que naquele momento da leitura, desde logo, possa-se aferir forte conteúdo persuasivo. E, já que se trata de medida extrema, deve o juiz aguardar a peça de defesa para verificar o grau de verossimilhança na relação com os elementos trazidos pela contestação. E é essa a teleologia da norma, uma vez que o final da proposição reforça, ao estabelecer que as bases são "as regras ordinárias de experiência". Ou, em outros termos, terá o magistrado de se servir dos elementos apresentados na composição do que usualmente é aceito como verossímil.

É fato que a narrativa interpretativa que se faz da norma é um tanto abstrata, mas não há alternativa, porquanto o legislador utilizou de termos vagos e imprecisos ("regras ordinárias de experiência"). Cai-se então no aspecto da razoabilidade e do bom senso que deve ter todo juiz.

2.9 HIPOSSUFICIÊNCIA

O significado de hipossuficiência do texto do preceito normativo do CDC não é econômico. É técnico.

A vulnerabilidade é conceito que afirma a fragilidade econômica do consumidor e também técnica. Mas hipossuficiência, para fins de possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc.

Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais "pobre". Ou, em outras palavras, não é por ser "pobre" que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição do consumidor diz respeito ao direito material.

Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria necessária a inversão. Bastaria a determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como as perícias (o que, diga-se, não é ônus para fins de aferição de prova). Determinar-se-ia a inversão do pagamento, ou seja, o consumidor produz a prova e o fornecedor a paga, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o economicamente fraco.

Não se pode olvidar que, para os "pobres" na acepção jurídica do termo, existe a justiça gratuita, a qual permite ao beneficiário a isenção do pagamento das custas judiciais, o que não significa que ele está isento de provar o seu direito.

E o inverso é verdadeiro: existem consumidores economicamente poderosos, o que não implica a sua não-hipossuficiência técnica. Mesmo no caso de o consumidor ter grande capacidade econômica, a inversão do ônus da prova deve ser feita na constatação de sua hipossuficiência (técnica e de informação).


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CAPÍTULO III
A INVERSÃO DAS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

3.1 INTRODUÇÃO

Colocadas às circunstâncias favoráveis ao aparecimento do Direito do Consumidor e as noções sobre o ônus da prova, volta-se à questão da inversão do ônus da prova enquanto forma de tornar efetiva a tutela jurisdicional.

Prevê o CDC a Inversão ope legis e ope judicis.

Neste caso, permite-se ao julgador abandonar as regras de distribuição do ônus da prova, previstas no art. 333 do CPC (que nada mais são do que regras de experiência solidificadas) para inverter as regras de distribuição do ônus da prova em demandas civis, de acordo com os requisitos: a) subjetivo: da verossimilhança das alegações segundo as regras de experiência; e b) objetivo: hipossuficiência do consumidor.

Sobre este aspecto, torna-se necessário compreender o conceito de hipossuficiência como diminuição da capacidade do consumidor, não apenas sob a ótica econômica, mas também sob o prisma do acesso à informação, educação, associação e posição social. (16)

A inversão do ônus da prova é direito do consumidor e com isto não se pretende afirmar que sempre deva o juiz dispensar o consumidor de provar ou então que, com a inversão, a procedência do pedido do consumidor seja automática. Ao contrário, haverá inversão se presente um dos requisitos mencionados, que ensejará a dispensa da prova das alegações do consumidor.

Como já vimos acima, a inversão do ônus da prova não é automática, uma vez que o código deixa a critério do juiz – quando houver uma das duas hipóteses legais – aplicar tal inversão.

Então qual é o momento processual no qual o magistrado deverá decidir a respeito da inversão do ônus da prova?

Eis um tema polêmico. Tanto a doutrina quanto à jurisprudência ainda não se pacificou, sendo certo que há doutrinadores entendendo que o momento de aplicação da regra de inversão do ônus da prova é o do julgamento da causa (Kazuo Watanabe. Nelson Nery Junior) e há também, quem entenda que o momento adequado é o compreendido da inicial até o despacho saneador (Luiz Antônio Rizzatto Nunes).

Temos que, no que tange ao momento da aplicação da regra prevista no art. 6º. VIII, CDC, haveria duas possibilidades de ocorrência, quais sejam:

Quando do julgamento da causa (regra de julgamento), quando se tratar de responsabilidade civil pelo fato do produto e,
Do recebimento da inicial até o despacho saneador, quando se tratar de outro objeto que não reparação por danos decorrentes de acidente de consumo.
A primeira hipótese, a qual vem sendo retratada neste trabalho, ou seja, quando se tratar de ação cujo objeto for responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, acreditamos que é possível a manifestação do juiz acerca da aplicação ou não do art. 6º. VIII da lei consumerista, até o momento da sentença.

É que, nesse caso específico – acidente de consumo – a única defesa do fornecedor é alegar – e provar – uma das excludentes do nexo de causalidade, prevista no art. 12, §3°. II, conforme já detalhado acima.

Entendemos que tais causas eximentes previstas no Código de Defesa do Consumidor nada mais são do que os fatos extintivos (não colocou o produto no mercado); impeditivos (embora tenha colocado no mercado o produto, o defeito inexiste) e, modificativos (culpa exclusiva do consumidor ou terceiros) previstos no Código de Processo Civil, art. 333, II. Porém, nada impede que o consumidor, em seu pedido inicial, já proclame pela inversão. O que ensejará a obrigatoriedade do juiz se manifestar desde o início, garantindo assim uma maior segurança processual.

Mas qual é o motivo para a inversão? Já afirmamos que o consumidor é a parte vulnerável da relação de consumo, que não dispõe de informação ou de acesso aos elementos técnicos do produto. O fornecedor, de outro lado, é à parte detentora dos dados da produção do bem e que se encontra em uma melhor posição para fornece-las ao magistrado.

E qual seria, então, a função do art. 6º. VIII, no caso de responsabilidade pelo fato do produto ou serviço?

A nosso ver, a função do mencionado artigo é justamente equilibrar a relação jurídica estabelecida entre consumidor e fornecedor, colocando-os em pé de igualdade.

Dessa forma, sustentamos a opinião que, o art. 6º. VIII visa, tão somente, proteger ainda mais aquele consumidor que se encontra em situação de desvantagem no processo, desincumbindo-o de provar o fato danoso alegado. Na verdade, no caso de acidente de consumo, o que o consumidor tem é a facilitação da comprovação do nexo causal, com a dispensa do ônus a seu favor.

Em sendo assim, opinamos que o juiz possa decidir-se acerca da aplicação ou não do art. 6º., VIII, até o momento de julgar a demanda. Isso porque, em decidindo pela incidência do mencionado preceito, o juiz apenas estará isentando o consumidor de comprovar o fato constitutivo, o que não irá prejudicar em nada o fornecedor que, sempre terá o ônus de provar o contrário. Não haverá, assim, qualquer surpresa, posto que o fornecedor sabe que, por força de lei, lhe compete o ônus de produzir as provas dos fatos extintivos, impeditivos e modificativos do direito do consumidor.

Entretanto, como já retratado, nada impede que o juiz se manifeste até o despacho saneador, trazendo maior segurança jurídica para as partes.

O juiz, enquanto homem de seu tempo, deverá deixar eventuais posturas tradicionais e se armar de sensibilidade para apurar imprescindível, sob pena de denegar a prestação jurisdicional à parte vulnerável.

Iniciada a instrução probatória, as partes, tanto o consumidor como o fornecedor, devem apresentar todas as provas possíveis para fundamentar suas pretensões ou embasar uma posição jurídica que seja favorável.

Após a colheita de provas, constatada a incerteza pela insuficiência do material probatório oferecido, o juiz determinará a realização de provas que entenda necessárias para o esclarecimento de suas dúvidas, analisando a possibilidade de aplicação das regras de experiência.

Ainda que o consumidor não ofereça nenhuma prova, o fornecedor poderá rechaçar a pretensão inicial, trazendo toda prova pertinente a fundamentar suas alegações e formar a convicção do julgador. Neste caso, pela ausência de dúvidas, não há que se falar em aplicação das regras de ônus da prova ou sua inversão.

Havendo dúvida e constatando que as afirmações do consumidor são verossímeis e que o fornecedor não fez prova que as contrariasse ou as provas produzidas não ilidiram a presunção, o juiz avaliará o grau de probabilidade dos fatos verossímeis não provados, podendo onerar o fornecedor por sua omissão ou desinteresse em realizar a prova.

Caso contrário, se entender que as alegações do consumidor não são verossímeis, não deve o magistrado inverter as regras do ônus probatório, atribuindo, assim, as conseqüências de sua incerteza ao consumidor.

Idêntica à conclusão no caso de constatação de hipossuficiência do consumidor, onde é impossível produzir as provas que embasam sua pretensão, ainda que suas ilações não sejam verossímeis. De nada adiantaria garantir o acesso formal à Justiça se o demandante não dispõe de meios de produzir a prova.

3.2 REGRA DE JULGAMENTO

Não há momento para o juiz fixar o ônus da prova ou sua inversão (CDC 6°. VIII), porque não se trata de regra de procedimento. O ônus da prova é regra de juízo, isto é, de julgamento, cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu. O sistema não determina quem deve fazer a prova, mas sim quem assume o risco caso não a produza (17). No mesmo sentido: TJSP – RT 706/67; Micheli, L’onere, 32,216. A sentença, portanto, é o momento adequado para o juiz aplicar as regras sobre o ônus da prova. Não antes.

3.3 FASE PROCESSUAL PARA A INVERSÃO

O nosso entendimento é no sentido de que, nos casos que envolvam acidente de consumo, em concedendo o juiz ao autor consumidor os benefícios da justiça gratuita, com fulcro na Lei 1.060/50, seja suficiente para que o consumidor tenha proteção da lei, ou seja, os gastos com a produção das provas ficarão então a cargo do fornecedor. Esclarecemos, no entanto, que o momento em que o juiz irá avaliar a quem incumbia o ônus da prova, pode ser realizado até o momento da prolação da sentença, onde concluirá o magistrado, se a alegação do consumidor é verossímil, e então, dirá a quem caberia o ônus da prova.

O Prof. BARBOSA MOREIRA é da mesma opinião, esclarecendo que "as regras sobre distribuição do ônus da prova são aplicadas pelo órgão judicial no momento em que julga". (18)

Contudo, entendemos que o autor consumidor querendo resguardar seu direito, deverá já na inicial requerer a inversão do ônus, e desta forma, a fase processual em que o juiz deverá se manifestar sobre a questão será logo no ato do primeiro despacho, que não irá tratar-se de mero despacho determinando a citação, mas, de decisão interlocutória, passível, portanto de recurso de agravo. Tal forma irá propiciar a defesa dos direitos do consumidor de forma ampla, de acordo com o espírito do CDC, uma vez que em não sendo concedida a inversão, poderá o consumidor agravar da decisão interlocutória, e ser então revista à decisão. Tal posicionamento evitaria possível cerceamento ou impossibilidade de defesa.

O prof. Nelson Nery Junior, opina no sentido de que "em sendo o juiz destinatário da prova, a regra do ônus é a ele dirigida, portanto, não havendo óbice legal para que ele inverta o ônus já no saneador, ao perceberem estarem presentes os requisitos, mas também afirma que isso poderá ocorrer só quando da prolação da sentença". Em suma, para o Mestre, a inversão poderá dar-se desde o saneador até a prolação da sentença (19).

Concordamos com essa posição e entendemos que a regra legal que possibilita a inversão do ônus é dirigida ao juiz, não porque ele seja destinatário da prova, mas porque é ele quem dirige o processo, conforme preceitua o art. 125 do CPC, cabendo-lhe, portanto decidir se a regra do art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, deve ou não ser aplicada.

Trata-se, em nossa opinião, de "poder de direção" que a lei lhe confere a fim de assegurar às partes a igualdade de tratamento.

Resta-nos ainda, esclarecer que em ocorrendo à inversão pela aplicação da norma citada (art. 6º, VIII), será dentro das normas e princípios constitucionais (20); no dizer do Prof. Nelson Nery Junior "é a manifestação inequívoca do princípio da isonomia" ··.

3.4 O ÔNUS PROBANDI

Há alguma polêmica em torno do momento processual no qual o magistrado deverá decidir a respeito da inversão do ônus da prova, mas, em nossa opinião, como se verá, esta é fruto de falta de rigorismo lógico e teleológico do sistema processual instaurado pela Lei n. 8.078/90.

Acontece, que as partes litigam no processo civil, fora da relação de consumo, têm clareza da distribuição do ônus. Ou, melhor dizendo, os advogados das partes sabem de antemão a quem compete o ônus da produção da prova. Vejamos o art. 333 da lei adjetiva:

"Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I – o autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor".

É, portanto distribuição legal do ônus que se faz, sem sombra de dúvida. E, claro, nesse caso não precisa o juiz fazer qualquer declaração a respeito da distribuição do gravame. Basta leva-lo em consideração no momento de julgar a demanda. Não haverá, na hipótese, qualquer surpresa para as partes, porquanto elas sempre souberam a quem competia a desincumbência da produção da prova.

Ora, não é essa certeza que se verifica no sistema da lei consumerista.

Não teríamos dúvida em afirmar que nas relações de consumo o momento seria o mesmo se a Lei nº. 8078/90 dissesse: "está invertido o ônus da prova". Aliás, como fez na hipótese do art. 38.

Mas acontece que não é isso o que determina o CDC: a inversão não é automática!

Como vimos antes, a inversão se dá por decisão do juiz diante de alternativas postas pela norma: ele inverterá o ônus se for verossímil a alegação ou se for hipossuficiente o consumidor.

É que pode acontecer de nenhuma das hipóteses estar presente: nem verossímeis as alegações nem hipossuficiente o consumidor.

Como já retratamos acima, verossimilhança é conceito jurídico indeterminado. Depende de avaliação objetiva do caso concreto e da aplicação de regras e máximas da experiência para o pronunciamento.

Logo, o raciocínio é de lógica básica: é preciso que o juiz se manifeste no processo para saber se o elemento da verossimilhança está presente.

Da mesma maneira a hipossuficiência depende de reconhecimento expresso do magistrado no caso concreto. É que o desconhecimento técnico e de informação capaz de gerar inversão tem de estar colocado no feito sub judice. São as circunstâncias do problema aventado e em torno do qual o objeto da ação gira que determinarão se há ou não hipossuficiência (que, em regra geral, atinge a maior parte dos consumidores). Pode muito bem ser caso de consumidor engenheiro que tinha claras condições de conhecer o funcionamento, de modo a ilidir sua presumida hipossuficiência. Como pode também ser engenheiro e ainda assim, para o caso, constatar-se sua hipossuficiência.

Então, novamente o raciocínio é de singela lógica: é preciso que o juiz se manifeste no processo para saber se a hipossuficiência foi reconhecida.

E, já que diante da norma do CDC, que não gera inversão automática, é assim, o momento processual mais adequado para a decisão sobre a inversão do ônus da prova, a prolação da sentença.

Há, também, a importante questão do destinatário da norma estatuída no inciso VIII do art. 6º do CDC.

Entende-se que, muito embora essa norma trate da distribuição do ônus processual de provar dirigido às partes, ela é mista no sentido de determinar que o juiz expressamente decida e declare de qual das partes é o ônus.

Como a lei não estipula a priori quem está obrigado a se desonerar e a fixação do ônus depende da constatação da verossimilhança ou hipossuficiência, o magistrado deve se manifestar quanto a desincumbência, porquanto é ele que dirá se é o consumidor ou o fornecedor quem pagará a perícia, caso ela seja necessária.

3.5 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA PELO JUIZ

Caso o juiz, antes da sentença, profira decisão invertendo o ônus da prova (v.g., CDC 6°. VIII), não estará só por isso, prejulgando a causa. A inversão, por obra do juiz, ao despachar petição inicial ou na audiência preliminar (CPC 331), por ocasião do saneamento do processo, não configura por si só motivo de suspeição do juiz. Contudo, à parte que teve contra si invertido o ônus da prova, quer nas circunstâncias aqui mencionadas, quer na sentença, momento adequado para assim proceder, não poderá alegar cerceamento de defesa porque, desde o início da demanda de consumo, já sabia quais eram as regras do jogo e que, non liquet quanto à prova, poderia ter contra ela invertido o ônus da prova. Em suma, o fornecedor (CDC 3°.) já sabe de antemão, que tem de provar tudo o que estiver a seu alcance e for de seu interesse nas lides de consumo. Não é pego de surpresa com a inversão na sentença.

3.6 APLICAÇÃO DAS REGRAS DO ÔNUS DA PROVA

O juiz, na sentença, somente vai socorrer-se das regras relativas ao ônus da prova se houver non liquet quanto à prova, isto é, se o fato não se encontrar provado. Estando provado o fato, pelo princípio da aquisição processual, essa prova se incorpora ao processo, sendo irrelevante indagar-se sobre quem a produziu. Somente quando não houver a prova é que o juiz deve perquirir quem tinha o ônus de provar e dele não se desincumbiu.

3.7 MOMENTO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

A regra de distribuição do ônus da prova é regra de juízo e a oportunidade de sua aplicação é o momento da sentença, após o magistrado analisar a qualidade da prova colhida, constatando se há falhas na atividade probatória das partes que conduzem à incerteza.

Por ser norma de julgamento, qualquer conclusão sobre o ônus da prova não pode ser emitida antes de encerrada a fase instrutória, sob o risco de ser um pré-julgamento, parcial e prematuro.

A fixação da sentença como limite para análise da pertinência do emprego das regras do ônus da prova não conduz à ofensa do princípio da ampla defesa do fornecedor, que, hipoteticamente, seria surpreendido com a inversão.

De acordo com o art. 6. º, inc. VIII do CDC, o fornecedor tem ciência de que, em tese, serão invertidas às regras do ônus da prova se o juiz considerar como verossímeis as alegações do consumidor ou se ele for hipossuficiente. Além disto, o fornecedor sabe que dispõe do material técnico sobre o produto e o consumidor é a parte vulnerável da relação de consumo e litigante eventual.

O fornecedor pode realizar todo e qualquer tipo de prova, dentre aquelas permitidas em lei, durante a instrução para afastar a pretensão do consumidor.

O juiz, na sentença, somente vai socorrer-se das regras relativas ao ônus da prova se houver o non liquet quanto à prova, isto é, se o fato não se encontrar provado. Estando provado o fato, pelo princípio da aquisição processual, essa prova se incorpora ao processo, sendo irrelevante indagar-se sobre quem a produziu. Somente quando não houver a prova é que o juiz deve perquirir quem tinha o ônus de provar e dele não se desincumbiu.

Se o demandado, fiando-se na suposição de que o juiz não inverterá as regras do ônus da prova em favor do demandante, é surpreendido com uma sentença desfavorável, deve creditar seu insucesso mais a um excesso de otimismo do que à hipotética desobediência ao princípio da ampla defesa.


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CONCLUSÃO

É certo que cada parte deve se desincumbir do ônus da prova de acordo com seu interesse em vencer a demanda ou demonstrar uma situação jurídica favorável.

Se o fornecedor tem interesse em que o consumidor perca a demanda, deve trazer as provas que detém e os elementos técnicos de que dispõe para prosperar a improcedência do pedido.

Não se nega a possibilidade da inversão do ônus da prova ser utilizada irregularmente. É possível que uma pretensão, apesar de verossímil, traga em si o objeto de desmoralizar o produto do fornecedor-demandado, traduzindo um conluio reprovável de seus concorrentes, obrigando-o a desenvolver toda atividade probatória para não correr o risco de sofrer uma sentença desfavorável. Porém, acreditamos que a posição aqui adotada garante maior efetividade processual, sem falar na agilidade processual que pode trazer.

Crê-se que, em alguns anos, será possível avaliar os resultados da inversão do ônus da prova e a posição aqui defendida representa a expectativa de que o virtual cerceamento de defesa do fornecedor não supere os reais benefícios advindos da efetiva proteção dos direitos do consumidor.


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EXEMPLOS QUE CONFIRMAM A TESE

Para a demonstração do quanto exposto, interessante é o exame das possíveis situações, a partir de casos bases, de acordo com o ônus da afirmação e o ônus da prova.

Exemplo: O consumidor A promove demanda em face de B alegando ter adquirido eletrodoméstico por ele fornecido e que, em certo dia, por defeito, incendiou-se, ferindo sua mão.

Constituem as alegações de A: a) o produto x apresentou defeito; b) ocorreu um incêndio no aparelho; c) este defeito gerou um incêndio, tendo sofrido dano físico.

Poderá ao fornecedor B, em sua contestação, oferecer defesa de mérito direta (negando o fato que constitui o direito do autor ou, mesmo que admita a existência do fato constitutivo, nega as conseqüências que o autor pretende ver produzidas) ou indireta (apesar de concordar com o fato constitutivo do autor, apresenta fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor).

São as seguintes possibilidades:

Caso 1: Alegação de B: não é fornecedor do produto x (é apenas o distribuidor).

Hipótese A: A faz prova de que B é fornecedor e B nada prova. Não há dúvida. Julgamento procedente.

Hipótese B: A comprova que B é fornecedor e B comprova que não é. Situação de dúvida. Poderes instrutórios. Análise da hipossuficiência e da verossimilhança. Se continuar em dúvida: valoração das provas apresentadas pelas partes, onde o juiz poderá julgar pela procedência ou improcedência de acordo com seu convencimento.

Hipótese C: A não prova que B é fornecedor do produto x; B comprova que não é fornecedor do produto x. Não há dúvida. Julgamento improcedente, sem que se utilize regra de experiência ou de distribuição do ônus da prova.

Hipótese D: A não prova que B é fornecedor do produto x; B não comprova satisfatoriamente que não era fornecedor do produto x. Situação de dúvida. Análise da verossimilhança e da hipossuficiência. Se o juiz aceitar como verdadeira a hipossuficiência ou a verossimilhança e sendo falha a prova do fornecedor: julgamento procedente. Caso contrário: julgamento improcedente, diante da aplicação das regras do ônus da prova.

Caso 2: Alegação de B: confirma que é fornecedor do produto x, (mas não o colocou no mercado o produto está em circulação por ter sido furtado).

Hipótese A: A faz prova de que B colocou o produto no mercado, e este não prova que não colocou o produto no mercado. Não há dúvida. Julgamento procedente.

Hipótese B: A faz prova de que B colocou o produto no mercado, e este faz prova contrária, dizendo que não colocou (prova que o produto foi furtado). Situação de dúvida, utilizando o juiz seus poderes instrutórios, analisando a hipossuficiência e verossimilhança das alegações. Julgamento procedente ou improcedente de acordo com o resultado da valoração das provas no espírito do julgador.

Hipótese C: A não faz prova de sua alegação e B também não o faz. Situação de dúvida; verificação da verossimilhança da alegação e hipossuficiência. Se dispensar o autor da prova: Julgamento procedente. Se não dispensar: julgamento improcedente, com base nas regras de distribuição do ônus da prova.

Hipótese D: A não faz prova de sua alegação e B comprova que não colocou o produto no mercado. Não há situação de dúvida sendo desnecessária a utilização de máximas de experiência ou regras de distribuição do ônus da prova. Julgamento improcedente.

Caso 3: Alegação de B: confirma que é fornecedor do produto x, mas o mesmo não apresenta qualquer defeito (exemplo: o aparelho não apresenta nenhuma peça defeituosa).

Hipótese A: A comprova que tem defeito e B deixa de comprovar que não tem defeito. Não há dúvida. Julgamento procedente.

Hipótese B: A comprova que tem defeito e B comprova que não tem. Situação de dúvida. Poderes instrutórios do juiz. Dúvida persistente. Análise de verossimilhança e hipossuficiência. O julgamento será procedente ou improcedente dependendo da repercussão da valoração da prova no convencimento do julgador.

Hipótese C: A não comprova que tem defeito e B não comprova que não te defeito. Situação de dúvida. Poderes instrutórios do juiz. Dúvida persistente. Análise da verossimilhança e hipossuficiência. Se aplicar regras de experiência: julgamento procedente.

Hipótese D: A não comprova que tem defeito e B comprova que não tem. Não há dúvida. Julgamento improcedente, sem utilização das regras de distribuição do ônus da prova.

Caso 4: Alegação de B: confirma que é fornecedor do produto x, mas a culpa pelo incêndio é exclusiva do consumidor (o incêndio ocorreu em razão de um curto circuito no sistema elétrico ao qual estava ligado o eletrodoméstico).

Hipótese A: A comprova a culpa de B e este não prova a culpa exclusiva da vítima. Não há dúvida. Responsabilidade objetiva. Julgamento procedente.

Hipótese B: A comprova que o incêndio ocorreu por culpa de B e este, admite sua parcela de culpa e comprova também que A é culpado. Não há dúvida. A responsabilidade é objetiva, não se livrando b da culpa concorrente. Julgamento procedente.

Hipótese C: A não comprova que o incêndio ocorreu por culpa de B e este não comprova que o incêndio ocorreu por culpa exclusiva de A. Análise da verossimilhança e hipossuficiência. Não há dúvida. Responsabilidade objetiva. Julgamento procedente.

Hipótese D: A não comprova que o incêndio ocorreu por culpa de B e este comprova a culpa exclusiva de A ou de terceiro. Não há situação de dúvida. Julgamento improcedente.

Conclui-se, portanto, que poderá o réu eximir de sua responsabilidade desde que: a) comprove a ocorrência das excludentes do art. 13, §3° e art. 14, § 4° do CDC; b) deixe o demandante de apresentar prova que fundamente seu direito, não sendo determinada a inversão do ônus em seu favor.

Em raciocínio contrário, o demandante terá agasalhado seu pedido se: a) apresentar prova que fundamente seu direito; b) o demandado não oferecer contraprova e houver dispensa a seu favor do encargo da prova, em razão de sua hipossuficiência ou da verossimilhança de suas alegações.


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EXEMPLO PRÁTICO

Para explicar de forma sucinta, suponha-se que um automóvel, com grave defeito de fabricação das rodas de liga leve, cuja fabricação tem que obedecer a rígidos requisitos ditados pelo CONTRAN (Resolução nº545/78) venha a capotar e causar sérios danos pessoais ao usuário, além de outros, materiais, exatamente em decorrência da fratura de uma delas.

O primeiro aspecto a analisar é a questão individual daquele adquirente/consumidor/usuário do veículo e, no caso, ainda vige em sua plenitude, até a passar a vigorar o Código sob exame, o teor do art. 159 do Código Civil, segundo o qual a responsabilidade decorre do fato, aliado ao elemento subjetivo consistente em dolo em determinada ação ou omissão, ou então culpa (negligência, imprudência ou imperícia).

Desta forma, a vítima tem que provar, além do dano, do nexo causal entre esse e a atitude do fabricante/montador do carro, sua culpa, no caso por presunção de não ter tido o cuidado suficiente de escolher (in eligendo) adequadamente a roda que ia colocar no veículo, ou então por não tê-la submetido a rigoroso controle de qualidade, já que se trata de item de segurança, tudo para eventualmente fazer jus o consumidor a uma indenização.

Já com a inversão do ônus da prova, aliada à chamada "culpa objetiva", não há necessidade de provar-se dolo ou culpa, valendo dizer-se que o simples fato de se colocar no mercado um veículo naquelas condições que acarrete, ou possa acarretar danos, já enseja uma indenização, ou procedimento cautelar para evitar referidos danos, tudo independentemente de se indagar de quem foi à negligência ou imperícia, por exemplo.

É evidente, entretanto, que não será em qualquer caso que tal se dará, advertindo o mencionado dispositivo, como se verifica de seu teor, que isso dependerá, a critério do juiz, da verossimilhança da alegação da vítima e segundo as regras ordinárias de experiência.

Ou melhor, explicando e socorrendo-nos mais uma vez de exemplos: se o acidente se verificou não por imprudência do motorista ou por um buraco na pista, fatores tais que eventualmente também poderiam ter causado a quebra da roda, é evidente que se pressupõe desde logo que aquilo se deu pela má qualidade de sua fundição, cabendo ao fabricante da própria roda, ou então montador do veículo, aí sim, provar que não colocou o veículo no mercado, ou então que a culpa foi de terceiro, e assim por diante.

O que normalmente, ainda na conclusão do exemplo dado, se espera, é que o veículo, em condições normais, não apresente tal anomalia. Todavia, se as condições de trânsito são normais, se o motorista não agiu com uma das formas de culpa já elencadas, etc., a quebra da roda somente poderia ser em decorrência da péssima forma de fundição, donde a responsabilidade do fabricante/montador.


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JURISPRUDÊNCIA

CONSUMIDOR – ÔNUS DA PROVA – INVERSÃO – FACULDADE CONCEDIDA AO JUIZ, QUE IRÁ UTILIZÁ-LA NO MOMENTO EM QUE ENTENDER OPORTUNO, SE E QUANDO ESTIVER EM DÚVIDA, GERALMENTE POR OCASIÃO DA SENTENÇA – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 6°, VIII, DA LEI N° 8.078/90.

A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6°, VIII, do CDC, é uma faculdade concedida ao Juiz, que irá utiliza-la a favor do consumidor no momento que entender oportuno, se e quando estiver em dúvida, geralmente por ocasião da sentença. (1° TAC 3ª Câm.; AI n° 912.726-8- SP; Rel. Juiz Roque Mesquita; j. 04/04/2000; v.u.) RT 780/278 BAASP, 2204/186 –m, de 26/03/01.

CDC – art. 6º VIII
CPC – art. 333, I; 526

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NOTAS

1. Comportam as garantias do cidadão quatro fases de evolução. Em uma primeira etapa, referia-se às liberdades públicas, limitadas aos direitos individuais, de origem natural, reconhecida através da Revolução Francesa de 1789. Já em sua segunda fase, após a Constituição Alemã de 1919, afirmam-se os direitos econômicos e sociais, deixando ao Estado sua feição passiva – característica da primeira fase para, então, assegurar, através de uma atuação positiva, os direitos básicos da primeira geração. Após a Segunda Guerra Mundial e por iniciativa da ONU e da UNESCO, a preocupação volta-se para os direitos meta-individuais. Vivencia-se, atualmente, a quarta geração dos direitos, onde a solidariedade se projetará mundialmente, como ocorre com a Unificação Européia. Assim CAPPELLETTI, Mauro, "O acesso dos consumidores à Justiça" in RePro 16 (62); 205-220, abr. /jun. 1991 (Revista Forense 86 (310) 53-63, abr. /jun. 1990).
2. De um modo equivalente, acompanhou a ciência processual a evolução dos direitos e garantias. Da ideologia liberal burguesa dos séculos XVIII e XIX – ligada ao processo como via formal de demandar em juízo, para satisfação de interesses individuais – chegamos ao sistema da efetividade do processo, proclamado seu caráter instrumental a serviço da Justiça. Por outro lado, também o perfil da Constituição se renova. De início, a fase da dimensão constitucional resguardara os direitos fundamentais para, a seguir, a dimensão transnacional criar um núcleo de leis aceitas universalmente pela maioria das nações, a exemplo da Declaração dos Direitos Humanos de 1948. Na etapa atual, chamada de dimensão social, as constituições buscam assegurar e promover a igualdade social e os direitos individuais e meta-individuais, de acordo com os princípios já erigidos nas fases anteriores. Constata-se, deste modo, o entrelaçamento entre a evolução dos direitos, do processo e do modelo constitucional.

3. CAPPELETTI, Mauro e GARTH, Bryant, Acesso à Justiça, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. No mesmo sentido está MORELLO, Augusto Mário, "Las nuevas exigencias de tutela" in RePro 8 (31); 210-220, jul. /set. 1983.
4. É preciso afastar a visão formal do processo, utilizando-o como meio de eliminação dos conflitos do cidadão comum, servindo como instrumento de ruptura do pouco eficaz sistema moderno, assumindo a feição de canal político de realizações e transformações.

5. Com relação ao direito do consumidor, relacionou Mauro Cappelletti as principais soluções para a renovação: a) Ministério Público independente, ativo e especializado; b) instituição de órgãos públicos de defesa do consumidor; c) ampliação do conceito de legitimidade para agir; d) reformulação do sistema de reparação de danos; e) instituição do modelo da ação popular ("O acesso dos consumidores" cit). in RePro 16 (62): 208-211).

6. Sobre estes temas veja MOREIRA, José Carlos Barbosa, "Notas sobre o problema da efetividade do processo", in Estudos de Direito Processual em homenagem a José Frederico Marques, S. Paulo, Saraiva, 1982, pp. 77-94 e Cândido Rangel Dinamarco. A instrumentalidade do processo, S. Paulo, Ed. RT 1987.

7. Sobre os direitos individuais e meta-individuais, FERRAZ, Rodolfo de Camargo, Interesses difusos, S. Paulo, Ed. RT, 1988; FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo, "Interesse público, interesse difuso e defesa do consumidor" in Justiça 49 (137): 49-53 jan. /mar. 1987; NERY, Nelson Junior, "O processo civil no Código de Defesa do Consumidor" in Re Pro 16 (61): 24-35 jan. /mar. 1991; MAZZILLI, Hugo Nigro, A defesa dos interesses difusos em juízo, S. Paulo, Ed. RT, 1992; MATOS, Cecília, "O Ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor", dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de S. Paulo, 1993, pp. 139-165.

8. A Expressão de WATANABE, Kazuo, "Filosofia e características básicas do Juizado Especial de Pequenas Causas" in Juizado Especial de Pequenas Causas, S. Paulo, Ed. RT, 1985, 1985, p. 2.

9. O aspecto multidisciplinar do CDC evidencia-se nos princípios e institutos de diversos ramos do Direito, entre os quais, do Direito Civil, Processual Civil, Comercial, Tributário, Administrativo, como já salientou PÓLO, Eduardo in La protección Del consumidor em el Derecho privado, Madri, Editorial Civitas, pp. 21-24.

10. Comentando a fragilidade do consumidor, ALMEIDA, Carlos Ferreira, Os direitos dos consumidores, Coimbra, Libraria Almedina, 1982, p. 156, nota 4: "no caso do consumidor contra a empresa, é como se, contra uma espada, o consumidor lutasse com as mãos", onde a desigualdade entre as partes, de acordo com o sistema tradicional, faria com que o consumidor não alcançasse seu direito, restando-lhe apenas, o pagamento das despesas processuais.

11. Sobre os conceitos de faculdades, direitos, poderes, deveres, ônus, sujeições e obrigações, Carnelutti, Sistema di diritto processuale civile, Padova, Cedam, 1936, pp. 44 e ss. E Liebman, Manual de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1985, p. 23 e ss.

12. Segundo a lição de MOREIRA, José Carlos Barbosa, "Julgamento e ônus da prova" in Temas de Direito Processual, S. Paulo, Saraiva, 2. ª série, 1988, p. 74, "parte-se da premissa, explicita ou implícita, de que o maior interessado em que o juiz se convença da veracidade de um fato é o litigante a quem aproveita o reconhecimento dele como verdadeiro, por decorrer daí a afirmação de um efeito jurídico favorável a esse litigante, ou a negação de um efeito jurídico a ele desfavorável".

13. Sobre ônus da prova, importantes são as obras ROSEMBERG, Leo, La carga de la prueba, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-America, 1956, tradução de Ernesto Krotoschin, Gian Antonio Micheli, L’onere della prova, Padova, Cedam, 1966 e Giovanni Verde, L’onere della prova nel processo civile, Napoli, Jovene Editore, 1974.
14. Sobre os conceitos jurídicos em branco, ver MOREIRA, José Carlos Barbosa, "Regras de experiência e conceitos juridicamente indeterminados" in Revista Forense 74 (261): 13-19, jan. /mar. 1978 e "As presunções e a prova" in Temas de Direito Processual, 2. ª série, S. Paulo, Saraiva, 1977, pp. 55-71, e CRESCI, Elicio Sobrinho, "O juiz e as máximas de experiência" in Revista Forense 82 (296): 430-436 out. /dez. 1986.

15. Calamandrei, "Verità e verosimiglianza nel processo civile" in Rivista di Diritto Processuale (10): 170-171, estabelece os graus de conhecimento de um fato: "possibileè ciò che può esser vero. Probabile sarebbe, etimologicamente, ciò Che si può provare come vero... queste ter qualificazioni (possible, verosimile, probabile) constituicono, in quest’ordine, uma graduale approssimazione, uma progressiva accentuazione verso il riconoscimento di ciò Che è vero". (grifo original)

16. A interpretação de que a hipossuficiência liga-se apenas a critérios econômicos encontra sua origem na elaboração legislativa do CDC. Com efeito, em seu anteprojeto, a hipossuficiência do consumidor não estava prevista, rezando o art. 6. º, inc. VIII que "a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com inversão, a seu favor, do ônus da prova no processo civil, quando verossímil a alegação do consumidor, segundo as regras ordinárias de experiência". O acréscimo posterior, incluindo a hipossuficiência, não teria se revestido de melhor técnica, mas ainda assim permite o entendimento de que dois são os critérios para a facilitação dos direitos do consumidor. O primeiro, subjetivo, baseado na verossimilhança das alegações, segundo as regras ordinárias de experiência, conduz a inversão da prova. O segundo, objetivo, fundado na hipossuficiência, que poderá ser verificada, inicialmente, segundo os critérios da Lei 1.060/50 e sobre o qual não incide a experiência do julgador e acarreta uma dispensa do encargo de provar. De acordo com a vontade da lei extraída de sua elaboração, entende-se que interpretar o conceito de hipossuficiência para além do critério econômico é propiciar uma melhor e mais ampla tutela ao consumidor, sem impor restrições.

17. Echandia, teoria Geral de La Prueba Judicial, v. I. , n. 126, p. 441.

18. Temas de Direito Processual, Segunda Série, ob. Cit., p. 76.

19. Código de Processo Civil e Legislação Processual Extravagante, RT, 1994, p. 1.209.

20. Motivação da decisão.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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