quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Qual o tratamento legalmente correto para um profissional do ramo jurídico: Senhor ou Doutor?
Elaborado em 07.2009.

Júlio César Cerdeira Ferreira

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Autor de diversos trabalhos acadêmicos. Atuante nas áreas de Propriedade Intelectual, Direito Tributário, Contratos e Responsabilidade Civil.


Qual o tratamento legalmente correto para um profissional do ramo jurídico? Senhor ou Doutor?

Como acabei de apresentar monografia de conclusão de curso (2009) na Universidade Federal de Juiz de Fora e, também, de prestar exame de seleção da OAB/MG, obtendo aprovação em ambos os casos, não tardaram as designações de "doutor" a mim dirigidas. Um pouco estranho isso, devo confessar.

Uns disseram para eu já ir me acostumando com isso. Mas eis aí uma coisa difícil para mim!

De minha parte, mesmo como reles estagiário, nunca me dirigi a juízes, promotores ou advogados como doutores, apesar da tradição reinante no ambiente forense. Com toda a reverência que esses profissionais merecem no exercício de seus necessários ofícios, sempre os tratei com um positivo "senhores". E fora do meio profissional, "excelência" ou "meritíssimo" são palavras que jamais encontram espaço no meu linguajar.

Para me convencerem de que eu "merecia" (ou "devia") ser tratado como um doutor, lançaram mão de um argumento jurídico. E a referência legal utilizada foi a vetusta lei do império de 11 de agosto de 1.827 (leia a íntegra). Eu já tinha tomado conhecimento dessa pérola da história brasileira e é exatamente sua vetustez que faz com que eu me rebele contra a tradição. Na verdade, eu defendo que somente os que possuem diploma de doutorado podem ser denominados doutores e isso apenas dentro do ambiente acadêmico. Fora daí, não.

Mas eu não pude ficar inerte diante do desafio e decidi firmar meu entendimento. Fui pesquisar e verifiquei que com o referido diploma, criaram-se dois cursos de Ciências Jurídicas e Sociais no Brasil. No bojo da lei, determinou-se que os acadêmicos que concluíssem o curso seriam titulados bacharéis. O título de doutor seria destinado exclusivamente aos bacharéis habilitados segundo futuros estatutos. Ademais, segundo essa antiguidade jurídica, somente os doutores poderiam ser lentes, ou seja, professores.

Velejando através do mar que é a internet, deparei-me com largas discussões em torno desse tema. Fiquei deveras surpreso com o que vi aqui e acolá. Colacionarei as argumentações mais consistentes logo abaixo.

Antes, porém, encontrei um silogismo pretensioso que gostaria de mencionar. Assim fora dito:

"[...] tendo o acadêmico completado seu curso de direito, sido aprovado e estando habilitado em Estatuto competente teria o Título de Doutor. Então, Advogado é DOUTOR."

A base dessa conclusão estaria na consideração de que um dos estatutos futuros exigidos pela lei para a titulação de doutor seria o Estatuto da OAB. Dessa forma, legalmente falando, o Advogado, habilitado segundo o Estatuto da OAB, seria doutor. Por analogia, poderia o tratamento se estender a magistrados e promotores.

Trata-se de um absurdo, derivado de uma manipulação inescrupulosa do texto legal. No século XIX não havia sequer estatuto da OAB, algo que só surgiu em 1963. Usou-se o vocábulo "estatuto" desnaturando seu correto sentido. O legislador imperial nem sequer imaginava tal coisa.

Confiram-se alguns dispositivos da lei em comento:

"Art. 9.º - Os que freqüentarem os cinco anos de qualquer dos Cursos, com aprovação, conseguirão o grau de Bacharéis formados. Haverá também o grau de Doutor, que será conferido àqueles que se habilitarem com os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e só os que o obtiverem, poderão ser escolhidos por Lentes.

Art. 10.º - Os Estatutos do VISCONDE DA CACHOEIRA ficarão regulando por ora naquilo em que forem aplicáveis; e se não opuserem à presente Lei. A Congregação dos Lentes formará quanto antes uns estatutos completos, que serão submetidos à deliberação da Assembléia Geral."

Pela finalidade da própria lei e pela redação do art. 10º da mesma, chega-se facilmente à clara conclusão de que o "estatuto" é um regimento elaborado pelos professores da instituição acadêmica que tem por finalidade disciplinar o aprendizado daqueles que pretendiam obter o grau acadêmico máximo, que é o de doutor. Naquela época, isso era possível, já que não havia MEC nem Lei de Diretrizes e Bases para a Educação. O Brasil estava começando a ter suas primeiras faculdades.

Dessa maneira, só quem obteve grau acadêmico (e não inscrição em alguma sociedade de classe) é que seria chamado de doutor.

Prosseguindo, elenco judiciosas argumentações que pude encontrar.

"[...] a terminologia doutor vem sendo usada internacionalmente para designar os que têm o máximo grau acadêmico (em qualquer área) desde antes do tal decreto imperial no Brasil, e desde antes de médicos/advogados receberem o tratamento de doutor fora do Brasil. Aliás, naquele decreto, a palavra doutor não foi escolhida aleatoriamente. Foi escolhida porque era uma palavra internacionalmente conhecida e usada para se referir aos intelectuais de grau mais avançado na academia.

[...]

Historicamente, o doutorado corresponde ao GRAU MÁXIMO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA. Nos primórdios da Universidade, havia uma quase coincidência entre grau máximo e grau. Eram pouquíssimos os que entravam para a universidade e estes se rachavam de estudar por quanto tempo fosse necessário, e saiam de lá com o GRAU MÁXIMO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA existente. Não havia meio termo. Aos poucos que concluíam esse percurso, era concedido o título de DOUTOR. Isso quer dizer que os médicos de antigamente eram doutores, assim como os filósofos, os matemáticos, etc. Este título de doutor habilitava o indivíduo a formar novos doutores.

[...]

Depois, com a expansão do conhecimento, com certas mudanças na dinâmica da sociedade, com a necessidade de se ter mais e mais gente formalmente educada trabalhando em vários campos, com o aumento gradativo do número de pessoas que passaram a ter acesso às Universidades, e o aumento gradativo do próprio número de Universidades, o sistema acadêmico foi incorporando níveis intermediários, que acabaram prolongando o tempo necessário para se chegar ao tal grau máximo de formação acadêmica."

"[...] não havia em tal época curso de doutorado, o que justificaria, naquele momento, a utilização do título de doutor conforme dispunha a Lei Imperial. Resta evidente que o contexto atual difere bastante do de então.

[...] O art. 9º da Lei do Império de 1º de agosto de 1825 foi tacitamente revogado pelo art. 53, VI da LEI DE DIRETRIZES BÁSICAS, que garante às universidades a atribuição de conferir graus, diplomas e outros títulos. [na verdade, o nome correto do diploma é LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL - Lei 9.394/96; vale conferir, também, o que diz o art. 44, III – nota do autor]

[...]

E aos que argumentam que é um costume conceder a honraria aos advogados e que costume é fonte do Direito, não esqueçam que tal fonte é secundária e, portanto, não pode contrariar a lei ou a Constituição.

Assim, só é doutor quem tem um diploma universitário de doutor, já que só as universidades, conforme o ordenamento jurídico atual, podem conferir tal título." [Na verdade, conforme o ordenamento jurídico pretérito – bem pretérito – somente as universidades conferiam o título de doutor, à igualdade do que sucede atualmente – nota do autor]

Por fim, como bom advogado que pretendo ser, não poderia deixar de indicar jurisprudência favorável à aqui esposada. Vejamos:

"PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMARCA DE NITERÓI – NONA VARA CÍVEL

Processo n° 2005.002.003424-4

SENTENÇA

Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por ANTONIO MARREIROS DA SILVA MELO NETO contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO LUÍZA VILLAGE e JEANETTE GRANATO, alegando o autor fatos precedentes ocorridos no interior do prédio que o levaram a pedir que fosse tratado formalmente de ''senhor''.

Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do pedido inicial para dar a ele autor e suas visitas o tratamento de ''Doutor'', ''senhor'', ''Doutora'', ''senhora'', sob pena de multa diária a ser fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano moral não inferior a 100 salários mínimos.

DECIDO. ‘O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter''(Noberto Bobbio, in A Era dos Direitos, Editora Campus, pg. 15).

Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha publicidade que tomou este processo. Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito. Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente tal dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo Requerente.

Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem de notada grandeza e virtude. Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica na pretensão deduzida.

''Doutor'' não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau, e mesmo assim no meio universitário.

Constitui-se mera tradição referir-se a outras pessoas de ''doutor'', sem o ser, e fora do meio acadêmico. Daí a expressão doutor honoris causa - para a honra -, que se trata de título conferido por uma universidade à guisa de homenagem a determinada pessoa, sem submetê-la a exame. Por outro lado, vale lembrar que ''professor'' e ''mestre'' são títulos exclusivos dos que se dedicam ao magistério, após concluído o curso de mestrado.

Embora a expressão ''senhor'' confira a desejada formalidade às comunicações - não é pronome -, e possa até o autor aspirar distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando intimidades, não existe regra legal que imponha obrigação ao empregado do condomínio a ele assim se referir. O empregado que se refere ao autor por ''você'', pode estar sendo cortês, posto que ''você'' não é pronome depreciativo. Isso é formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social. O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a classe ''semi-culta'', que sequer se importa com isso.

Na verdade ''você'' é variante - contração da alocução – do tratamento respeitoso ''Vossa Mercê''.

A professora de lingüística Eliana Pitombo Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas freqüências do pronome ''você'', devem ser classificados como formais. Em

ualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de ''seu'' ou ‘dona'', e isso é tratamento formal.

Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do nome da pessoa substitui o senhor/a senhora e você quando usados como prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento diferente.

Na edição promovida por Jorge Amado (Crônica de Viver Baiano Seiscentista), nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor que Miércio Táti anotara que ''você'' é tratamento cerimonioso (Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 1999).

Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes. Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso que se diz que a alternância de ''você'' e ''senhor'' traduz-se numa questão sociolingüística, de difícil equação num país como o Brasil de várias influências regionais.

Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta, cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna corpore daquela própria comunidade.

Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser agasalhado, mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo ilustre autor, julgo improcedente o pedido inicial, condenando o postulante no pagamento de custas e honorários de 10% sobre o valor da causa.

P.R.I.

Niterói, 2 de maio de 2005.

ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO

Juiz de Direito"

Correta a sentença. Seus fundamentos são inquestionáveis.

Como se pode notar, não há amparo legal para o tratamento de "doutor" que hoje é dispensado a juízes e advogados, entre outros tantos. Muito ao contrário, a lei o veda. Ademais, entender o contrário seria um desrespeito para com aqueles que se dedicam com afinco aos estudos na academia para alcançarem o doutoramento.

Com base nos argumentos apontados, advogados (e juristas em geral) não podem exigir para si um tratamento que não lhes corresponde. O termo "doutor" é título acadêmico de alto grau e em nada é influenciado pelo aspecto profissional.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Especial Direito do Trabalho

Em homenagem aos alunos da Faculdade São Geraldo

Noções fundamentais de Direito do Trabalho
Elaborado em 11.2005.

Francisco Tavares Noronha Neto

juiz do trabalho substituto e professor universitário


Sumário: Introdução. 1. Definição. 1.1. Critério subjetivista. 1.2. Critério objetivista. 1.3. Critério misto ou complexo. 1.4. Definição do autor. 2. Objeto. 3. Autonomia. 3.1 Autonomia legislativa. 3.2. Autonomia doutrinária. 3.3. Autonomia didática. 3.4. Autonomia jurisdicional. 3.5. Autonomia científica. 4. Características. 4.1. Tendência ampliativa. 4.2. Protecionismo. 4.3. Dirigismo estatal. 4.4 Estabelecimento de relações de subordinação 4.5. Enfoque coletivo. 4.6. Caráter cosmopolita. 4.7. Promoção de reformas sociais. 4.8. Socialidade. 5. Denominação. 5.1. Legislação do Trabalho. 5.2. Legislação e Direito Industrial. 5.3. Direito Operário. 5.4. Direito Corporativo 5.5. Direito Social. 5.6. Direito do Trabalho. 6. Natureza ou posição enciclopédica. 6.1. Teoria do Direito Público. 6.2. Teoria do Direito Privado. 6.3. Teoria do Direito Misto. 6.4. Teoria do Direito Social. 6.5. Teoria do Direito Unitário ou do Direito Misto com Unicidade Conceitual. 7. Divisões. 7.1. Direito Individual do Trabalho. 7.2. Direito Tutelar do Trabalho. 7.3. Direito Coletivo do Trabalho. 8. Funções. 8.1. Função tutelar. 8.2. Função econômica. 8.3. Função social. 8.4. Função conservadora. 8.5. Função coordenadora. Bibliografia.


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Introdução

O presente trabalho tem finalidade eminentemente didática. Sem intuito exaustivo, objetiva expor, de modo sistemático, objetivo e consistente, alguns dos principais aspectos introdutórios da ciência justrabalhista, abordando integralmente o primeiro item do Programa de Direito Individual do Trabalho para o Concurso de Juiz do Trabalho Substituto, contido no anexo da Resolução Administrativa nº 907/2002 do Tribunal Superior do Trabalho.

A metodologia aplicada foi, fundamentalmente, de compilação, sem abster-se, o autor, de posicionar-se diante de algumas das mais intrincadas questões científicas apresentadas.

Dentro destes parâmetros, o presente trabalho aborda: no primeiro capítulo, os diferentes critérios utilizados para o estabelecimento de uma definição para o ramo jurídico em estudo, finalizando com a definição formulada pelo autor; no segundo capítulo, a delimitação de seu objeto; no terceiro capítulo, a questão da autonomia do Direito do Trabalho em relação ao Direito Civil; no quarto capítulo, seus principais caracteres; no quinto capítulo, as principais denominações utilizadas no passado para referir-se à disciplina em estudo, buscando apresentar as razões históricas de seu uso pretérito e desuso atual; no sexto capítulo, as teorias existentes acerca da natureza jurídica do ramo do Direito que ora se estuda; no sétimo capítulo, suas divisões assinaladas pela doutrina; no oitavo e último capítulo, as funções do Direito do Trabalho.


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1. Definição

A tarefa de explicitar a estrutura essencial do ramo especializado do Direito, denominado "Direito do Trabalho", tem conduzido juristas à adoção de posicionamentos distintos que podem ser agrupados em três grandes grupos, de acordo com o critério adotado para a construção das definições: subjetivista, objetivista e misto ou complexo.

1.1.Critério subjetivista

O critério subjetivista enfatiza os sujeitos das relações jurídicas reguladas pelo Direito do Trabalho, ora frisando o aspecto da debilidade econômica dos trabalhadores como objetivo principal das normas deste ramo do Direito, ora posicionando a classe trabalhadora como objeto de suas conceituações.

As definições formuladas com fulcro neste critério buscam explicitar a que tipos de trabalhadores são aplicadas as normas do Direito do Trabalho. Para alguns, todos os trabalhadores são destinatários das regras do ordenamento jurídico trabalhista, posição demasiadamente ampla, pois há labor humano regulado por outros ramos do Direito (civil e administrativo). Para outros, somente uma espécie de trabalhadores, denominados "empregados", são destinatários das normas trabalhistas, posição que é demasiadamente restrita, pois determinadas espécies de trabalhadores não empregados (avulsos, por exemplo) têm suas relações reguladas pela legislação do trabalho.

Este critério, embora largamente utilizado por doutrinadores estrangeiros, possui pouco prestígio na doutrina brasileira.

De acordo com a doutrina subjetivista, o Direito do trabalho poderia ser definido como um conjunto de normas jurídicas destinadas a proteger os economicamente mais fracos (trabalhadores ou empregados) diante dos mais fortes (tomadores de serviço ou empregadores).

Conforme o ensino de MAURÍCIO GODINHO DELGADO, "dos três enfoques utilizados para a construção de definições, o menos consistente, do ponto de vista científico, é, sem dúvida, o subjetivista. É que, considerada a relação de emprego como a categoria fundamental sobre que se constrói o Direito do Trabalho, obviamente que o ramo jurídico especializado não irá definir-se, sob o ponto de vista técnico, a partir de qualquer de seus sujeitos, mas a partir de sua categoria fundamental. Por outro lado, o caráter expansionista desse ramo jurídico tem-no feito regular, mesmo que excepcionalmente, relações jurídicas de trabalho que não envolvem exatamente o empregado – o que torna o enfoque subjetivista inábil a apreender todas as relações regidas pelo ramo jurídico em análise" [01].

1.2.Critério objetivista

O critério objetivista enfatiza o objeto das relações reguladas pelo Direito do Trabalho. As definições baseadas neste critério buscam determinar, não as pessoas a que se aplicam as normas trabalhistas, mas as matérias por elas reguladas.

As definições objetivistas, assim como as subjetivistas, não são uniformes. Para alguns, o Direito do Trabalho regula todas as relações de trabalho. Para outros, somente a relação de trabalho subordinado.

É objetivista a definição de IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO, para quem "o Direito do Trabalho é o ramo do Direito que disciplina as relações de emprego, tanto individuais como coletivas" [02]

Do mesmo modo, segue o critério objetivista, a definição de MESSIAS PEREIRA DONATO, segundo a qual o Direito do Trabalho é o "corpo de princípios e de normas jurídicas que ordenam a prestação do trabalho subordinado ou a este equivalente, bem como as relações e os riscos que dela se originam" [03].

Convém observar que as mesmas observações formuladas acerca do critério subjetivista são válidas para a análise das definições fundamentadas no presente critério. Nas palavras de AMAURI MASCARO NASCIMENTO, "há correlação entre os dois ângulos e ambos se confundem, o pessoal e o material" [04]

Assim, as definições que restringem o objeto do Direito do Trabalho à relação de emprego falham por desconsiderarem outros tipos de relações trabalhistas reguladas por este ramo do Direito e as definições que enquadram qualquer relação de trabalho no âmbito objetivo deste ramo jurídico especializado, ampliam demasiadamente o seu objeto, fazendo-o invadir a esfera de aplicação do Direito Civil e do Direito Administrativo.

1.3.Critério misto ou complexo

As definições elaboradas com alicerce no critério misto caracterizam-se pela combinação dos dois elementos anteriores: o sujeito e a matéria disciplinados pelo Direito do Trabalho. Assim, abrangem tanto as pessoas, como o objeto deste ramo do Direito, buscando uma unidade que melhor explique o seu conteúdo.

Este critério tem sido utilizado pela maior parte da doutrina brasileira. São complexas as definições de ARNALDO SUSSEKIND, AMAURI MASCARO NASCIMENTO, EVARISTO DE MORAES FILHO, MAURÍCIO GODINHO DELGADO, OCTAVIO BUENO MAGANO e SERGIO PINTO MARTINS, entre outros.

Para EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES, "o direito do trabalho é o conjunto de princípios e normas que regulam as relações jurídicas oriundas da prestação de serviço subordinado, e excepcionalmente do autônomo, além de outros aspectos destes últimos como conseqüência da situação econômico-social das pessoas que o exercem" [05]

Com semelhante conteúdo, ARNALDO SUSSEKIND formulou a seguinte definição: "Direito do Trabalho é o conjunto de princípios e normas, legais e extralegais, que regem tanto as relações jurídicas individuais e coletivas, oriundas do contrato de trabalho subordinado e, sob certos aspectos, da relação de trabalho profissional autônomo, como diversas questões conexas de índole social, pertinentes ao bem-estar do trabalhador" [06]

Segundo AMAURI MASCARO NASCIMENTO, "Direito do trabalho é o ramo da ciência do direito que tem por objeto normas jurídicas que disciplinam as relações de trabalho subordinado, determinam os seus sujeitos e as organizações destinadas à proteção desse trabalho, em sua estrutura e atividade" [07].

MAURÍCIO GODINHO DELGADO define o Direito Material do Trabalho como "complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações normativamente especificadas, englobando, também, os institutos, regras e princípios concernentes às relações coletivas entre trabalhadores e tomadores de serviços, em especial através de suas associações coletivas" [08]

A definição de OCTAVIO BUENO MAGANO enuncia que o Direito do Trabalho é o "conjunto de princípios, normas e instituições, aplicáveis à relação de trabalho e situações equiparáveis, tendo em vista a melhoria da condição social do trabalhador, através de medidas protetoras e da modificação das estruturas sociais" [09]

Para SERGIO PINTO MARTINS, "Direito do Trabalho é o conjunto de princípios, regras e instituições atinentes à relação de trabalho subordinado e situações análogas, visando assegurar melhores condições de trabalho e sociais ao trabalhador, de acordo com as medidas de proteção que lhe são destinadas" [10]

FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA propõe duas definições para o ramo jurídico em estudo: uma definição sintética, de índole objetivista; e uma definição analítica, que utiliza o critério misto. Sinteticamente, define o Direito do Trabalho como "o ramo do Direito que trata das relações individuais e coletivas oriundas do vínculo empregatício e de outras relações especiais de trabalho subordinado, impondo normas de conduta e oferecendo soluções aos conflitos daí advindos" [11]. Em sua definição analítica, revela que o "Direito do Trabalho é o ramo do Direito constituído do conjunto de princípios e regras que regula o contrato de trabalho, seus sujeitos e objeto, os entes coletivos representantes dos patrões e dos trabalhadores, e, ao mesmo tempo, disciplina as relações individuais e coletivas oriundas do trabalho subordinado e similar entre os sujeitos e entre estes e o Estado" [12].

1.4.Definição do autor

O autor do presente trabalho entende que o Direito do Trabalho pode ser definido sob duas perspectivas: como conhecimento humano e como direito objetivo.

Como conhecimento humano, o Direito do Trabalho é o ramo da ciência jurídica que tem por objeto de estudo os princípios e normas que regulam as relações de emprego, as relações de trabalho temporário e as relações de trabalho avulso.

Como direito objetivo, o Direito do Trabalho é o conjunto de princípios e normas que regulam as relações de emprego, as relações de trabalho temporário e as relações de trabalho avulso.

Estas definições foram formuladas com apoio no critério objetivista. Verifica-se que debilidade econômica do trabalhador foi um fenômeno indispensável para a formação do direito laboral e que a proteção que ser humano que trabalha recebe da legislação trabalhista é característica marcante deste ramo do Direito, mas estes fatos não integram sua estrutura essencial.

As relações coletivas de trabalho não foram contempladas nas supra-expostas definições, pois o autor entende, em dissonância com a maioria dos doutrinadores brasileiros, que estas relações constituem objeto de um ramo jurídico autônomo, conhecido como "Direito Coletivo do Trabalho" ou "Direito Sindical" [13].


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2.Objeto

O Direito do Trabalho, do modo que foi concebido em Versailles, teve a relação de trabalho pessoal, subordinado, remunerado e não eventual, chamada "relação de emprego" , como categoria básica a partir de que foram desenvolvidos seus princípios, regras e institutos essenciais.

Posteriormente, por meio de leis especiais, duas outras formas de trabalho individual passaram a integrar o objeto deste ramo do Direito, embora não se confundam com a relação empregatícia: a prestação de serviços de caráter transitório, com intermediação de empresa de trabalho temporário (trabalho temporário), e a prestação de serviços intermitentes, mediante requisição de mão-de-obra a um órgão gestor de mão de obra ou sindicato, que escala trabalhadores cadastrados para os serviços (trabalho avulso).

MAURÍCIO GODINHO DELGADO observa que estas categorias ingressaram no Direito do Trabalho, "não pela natureza de sua relação jurídica particular (que não é empregatícia), porém em decorrência de expressa determinação legal" [14]

Apesar da ampliação objetiva por que vem passando o Direito do Trabalho, permanecem excluídas, da sua área de abrangência, todas as relações de trabalho não incluídas nas três categorias supramencionadas (relação de emprego, trabalho avulso e trabalho temporário). Assim, o trabalho autônomo, o trabalho eventual, o trabalho prestado por servidores públicos estatutários, o trabalho voluntário, entre outras formas de labor humano, não são reguladas pelo Direito do Trabalho.

Como a maior parte de doutrina brasileira não reconhece a autonomia do Direito Coletivo do Trabalho, freqüentemente é apontado, como objeto do Direito do Trabalho, também, matéria sindical como a greve, a negociação coletiva e a própria organização dos sindicatos. Posição esta, consagrada nas palavras de ARNALDO SUSSEKIND: "há, portanto, no Direito do Trabalho princípios e normas sobre relações individuais de trabalho e direito coletivo do trabalho, abrangendo este último a organização sindical, a negociação coletiva e a greve" [15].

Assim, conforme o posicionamento adotado pelo estudioso quanto à autonomia do Direito Sindical, pode-se visualizar o objeto do Direito do Trabalho de duas formas. A primeira, defendida pelo autor desta obra, reconhecendo a autonomia do Direito Coletivo do Trabalho, aponta as relações de emprego, trabalho avulso e trabalho temporário como objeto deste ramo jurídico especializado. A segunda, mais ampliativa, entendendo que o Direito Coletivo do Trabalho é, apenas, uma subdivisão do Direito do Trabalho, entende que, além das três relações trabalhistas mencionadas anteriormente, também constituem objeto do Direito do Trabalho as relações coletivas de trabalho e a organização sindical.

É pacífico o entendimento doutrinário de que a Seguridade Social, que engloba a Previdência Social, a Saúde e a Assistência Social, já alcançou autonomia científica, de modo que seu conteúdo não mais integra o objeto do Direito do Trabalho.

Não obstante ainda haja discussões acerca da autonomia do Direito Processual do Trabalho, há consenso entre os doutrinadores no sentido de que a matéria por ele regulada não pertence ao Direito do Trabalho. Os que não lhe reconhecem a autonomia, entendem-no ser mero desdobramento do Direito Processual Civil.


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3.Autonomia

Um ramo jurídico alcança autonomia quando, por possuir princípios, objeto, instituições, normas próprias e maturidade doutrinária, desprende-se do ramo em que foi originado.

Atualmente, não há dúvidas quanto à autonomia do Direito do Trabalho. Esta autonomia tem sido abordada pelos doutrinadores sob cinco perspectivas: autonomia legislativa ou legal, autonomia doutrinária, autonomia didática, autonomia jurisdicional e autonomia científica.

3.1.Autonomia legislativa

O Brasil não possui um Código de Trabalho como possui a França. No entanto, em virtude da existência da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, que representa um estatuto próprio e independente, além da publicação de um grande número de leis esparsas tratando de matéria trabalhista; diversos doutrinadores, a exemplo de AMAURI MASCARO NASCIMENTO, ARNALDO SUSSEKIND, EVARISTO DE MORAES FILHO, MOZART VICTOR RUSSOMANO, ORLANDO GOMES e SERGIO PINTO MARTINS entre outros, têm reconhecido a autonomia legislativa do Direito do Trabalho brasileiro.

3.2.Autonomia doutrinária

A autonomia doutrinária traduz-se na existência de uma bibliografia própria. É notória a existência de grande número de obras doutrinárias sobre Direito do Trabalho no Brasil, incluindo obras clássicas de reconhecimento nacional e internacional.

3.3.Autonomia didática

A autonomia didática do Direito do Trabalho revela-se na inclusão de sua matéria no currículo acadêmico das faculdades de Direito, assim como sua exigência nos Exames de Ordem, obrigatórios para a habilitação do bacharel em direito como advogado.

3.4.Autonomia jurisdicional

A autonomia jurisdicional evidencia-se pela existência de um órgão especializado do Poder Judiciário que aplica o ramo jurídico em estudo: a Justiça do Trabalho.

3.5.Autonomia científica

Demonstra-se a autonomia científica do Direito do Trabalho pela formulação de institutos e princípios próprios, distintos dos institutos e princípios do Direito Civil e dos demais ramos jurídicos, como o princípio da proteção ao trabalhador, da continuidade dos contratos de trabalho, da irrenunciabilidade de direitos, etc.


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4.Características

Como ramo jurídico autônomo, o Direito do Trabalho possui características próprias, que, em seu conjunto, o diferenciam dos demais ramos do Direito.

Nas palavras de EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES, "o direito do trabalho é um ramo novo, autônomo, independente, da comum ciência jurídica, e por isso mesmo reveste-se de manifestações próprias, de notas típicas, que bem o singularizam e o destacam em relação às outras espécies do gênero único do direito... Caráter em lógica significa tudo o que faz parte da compreensão total de um determinado objeto. Uns são comuns a mais de um objeto; outros, próprios somente; outros, ainda, essenciais; alguns, puramente acidentais. O que importa fixar é que o conjunto de caracteres constitui o todo, que acaba por apresentar fisionomia própria e individual a um dado objeto. Não se deve citar este ou aquele caráter isolado, e sim a totalidade deles, porque em nenhum outro objeto se apresentarão todos reunidos, na mesma ordem e com a mesma eficácia" [16].

Apesar da importância do tema, poucos doutrinadores brasileiros têm se dedicado à fixação das características do Direito do Trabalho.

Segundo FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA, caracterizam este ramo jurídico especializado: "socialidade, imperatividade, protecionismo, coletivismo, justiça social, distribuição de riqueza" [17]. Não se ocupa, contudo, o mencionado professor, em revelar o significado e alcance de cada uma das características apontadas.

EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES, a fim de fixar o que consideram caracteres fundamentais do Direito do Trabalho, fizeram a seguinte exposição: "a) é um direito in fieri, um werdendes Recht, que tende cada vez mais a ampliar-se; b) trata-se de uma reivindicação de classe tuitivo por isso mesmo; c) é intervencionista, contra o dogma liberal da economia, por isso mesmo cogente, imperativo, irrenunciável; d) é de cunho nitidamente cosmopolita, internacional ou universal; a) os seus institutos mais típicos são de ordem coletiva ou socializante; f) é um direito de transição, para uma civilização em mudança" [18].

Seguindo a mesma orientação, ALICE MONTEIRO DE BARROS leciona que "entre as características do Direito do Trabalho, a doutrina nacional aponta: a) a tendência in fieri, isto é, à ampliação crescente; b) o fato de ser um direito ‘tuitivo’, de reivindicação de classe; c) de cunho untervencionista; d) o caráter cosmopolita, isto é, influenciado pelas normas internacionais; e) o fato de os seus institutos jurídicos mais típicos serem de ordem coletiva ou socializante; f) o fato de ser um direito em transição". [19]

Sem intuito exaustivo, pode-se apontar, como características principais do Direito do Trabalho, as seguintes: a) tendência ampliativa; b) protecionismo; c) dirigismo estatal; d) estabelecimento de relações de subordinação; e) enfoque coletivo; f) caráter cosmopolita; g) promoção de reformas sociais e h) socialidade.

4.1.Tendência ampliativa

Esta característica, que corresponde ao que EVARISTO DE MORAIS FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES chamaram de Werdendes Recht (direito em vir a ser), significa que o Direito do Trabalho é um direito em formação, que ainda não alcançou a plenitude de seus institutos. Possui, portanto, propensão à ampliação de seu conteúdo.

Verifica-se que este ramo especializado do Direito tende a incluir, em seu âmbito de aplicação, um número cada vez maior de categorias de relações laborais até então excluídas de sua regulamentação: do momento de sua concepção como ramo autônomo, quando se limitava a regular as relações de emprego, aos dias atuais, seu objeto já foi ampliado para regular o trabalho temporário e o trabalho avulso, e não há sinais de que esta tendência de ampliação objetiva tenha cessado.

EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES, fazendo referência à lição de GRANIZO e ROTHVOSS, lecionam que "o direito do trabalho cresce, realmente, procurando ampliar o seu conteúdo em três direções bem nítidas: em intensidade, em extensão territorial e em extensão pessoal. Em intensidade, porque aumenta cada vez mais os benefícios em favor dos sujeitos desta legislação; em extensão territorial, porque se estende sempre mais no espaço geográfico, interno ou internacional; em extensão pessoal, de vez que tende a incluir em seu âmbito um número cada vez maior de pessoas, até então ausentes de sua proteção" [20].

É válido ressaltar que a permanência do crescimento em intensidade, com o aumento permanente dos benefícios concedidos aos trabalhadores, nos dias atuais, é questionável em virtude da inclinação das legislações hodiernas à flexibilização do Direito do Trabalho.

4.2.Protecionismo

Esta característica, também apontada por FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA, que está relacionada à "reivindicação de classe tuitivo" referida por EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES, significa que este ramo jurídico, por meio de suas regras e princípios, cumpre uma função tutelar do trabalhador, protegendo-o diante do detentor do poder econômico que com ele se relaciona.

Esta tutela é realizada por meio de normas elaboradas pelo Estado ou por meio dos poderes, restritivos da autonomia individual, conferidos aos sindicatos, o que é resultado de ampla atuação da classe trabalhadora na reivindicação de uma legislação de caráter tuitivo.

4.3.Dirigismo estatal

Esta característica, que coincide com o "intervencionismo" apontado por EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES e parece coincidir com a "imperatividade", de que trata FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA, revela que o Direito do Trabalho tem se constituído de um conjunto de princípios e normas restritivas da autonomia da vontade.

Por meio da legislação trabalhista, o Estado abandona o seu papel clássico, propagado pela Revolução Francesa, de Estado negativo, para assumir uma postura positiva diante do impulso individualista dos detentores dos meios de produção, mitigando a liberdade de contratar das classes trabalhadoras, impondo direitos subjetivos irrenunciáveis aos trabalhadores e, conseqüentemente, deveres jurídicos inegociáveis aos que exploram sua faina.

4.4.Estabelecimento de relações de subordinação

A ciência jurídica reconhece duas espécies de relações entre os sujeitos de direito: relações de coordenação ou de igualdade e relações de subordinação ou de desigualdade.

Numa relação de coordenação, os sujeitos possuem direitos equivalentes e as normas que definem a solução dos conflitos dela oriundos não devem ser interpretadas de modo a privilegiar um em detrimento do outro. É o tipo de relação que prevalece no Direito Civil.

Uma relação de subordinação, de modo diverso, estabelece privilégios para um dos sujeitos, a favor de quem sempre são interpretadas as normas que solucionam suas disputas. É o tipo de relação que prevalece no Direito Administrativo, no Direito do Consumidor e, também, no ramo jurídico em estudo.

O Direito do Trabalho não trata os sujeito da relação como iguais, capazes de se relacionarem em condições equivalentes, mas, pelo contrário, reconhece a inferioridade do trabalhador diante do empresário, motivo por que cria privilégios ao hipossuficiente, a favor de quem suas normas devem ser interpretadas, a fim de reduzir, por meio da desigualdade jurídica criada, a desigualdade de fato existente.

Trata-se de uma aplicação da clássica noção aristotélica de justiça, segundo a qual deve-se tratar desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Neste sentido, pode-se afirmar que este ramo jurídico especializado constitui um recurso do Estado para a promoção da distribuição de riquezas, característica que foi apresentada por FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA.

4.5.Enfoque coletivo

O Direito do Trabalho, atualmente, consagra o primado do todo sobre as partes, tendo em vista uma certa coletividade de trabalhadores, e não o trabalhador individualmente considerado.

4.6.Caráter cosmopolita

Esta característica traduz-se na verificação de grande número de aspectos comuns nos ramos jurídicos trabalhistas de diversos Estados Soberanos e na existência de um Direito Internacional do Trabalho em formação. Trata-se de uma conseqüência da tendência de ampliação do seu conteúdo em extensão territorial.

Conforme o ensino de EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES, "apresenta-se o direito do trabalho, desde a sua origem, dominado por inequívoco espírito cosmopolita. Em que pese às pequenas diferenças locais, criaram a técnica moderna e os meios de comunicação e locomoção os mesmos problemas humanos e sociais por toda parte. A chamada sociedade industrial, com todas as suas conseqüências é a mesma no mundo moderno, com maiores ou menores desenvolvimentos. Com ela instalou-se um estado econômico, de produção e de consumo, mais ou menos uniforme, que somente poderia condicionar uma capa de cultura jurídica também homogênea e uniforme" [21].

O reflexo mais evidente do caráter cosmopolita do Direito do Trabalho é a atividade exercida pela Organização Internacional do Trabalho – OIT na formulação de regras de aplicação universal, que, paulatinamente, tendem a igualar as condições de trabalho em diversos Estados do mundo.

4.7.Promoção de reformas sociais.

Esta característica, apontada por EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAIS, e que, provavelmente, relaciona-se com a "distribuição de riquezas" citada por FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA, revela a função coordenadora dos interesses de empresários e trabalhadores, exercida pelo Direito do Trabalho, por meio de medidas que visam realizar os fins sociais almejados pela sociedade.

Nas palavras de EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES, parodiando KILPATRICK, "o direito do trabalho é um direito para uma civilização em mudança. Em nenhum outro ramo jurídico encontramos essas tarefas de mediador, de compromisso, de transição e de transação, entre duas classes sociais em confronto; uma que dispõe dos meios de produção e outras que colocam a sua atividade a proveito daquela e sob suas ordens. Controle formal da mudança a que assistimos na sociedade dos nossos dias, nenhum direito pode sequer aproximar-se da imensa e ingente tarefa do direito do trabalho, ponto avançado da democratização econômica do direito. Compete-lhe realizar a revolução branca, a reforma social sem sobressaltos, nem alterações bruscas das atuais posições na vida econômica. Todos os regimes, de qualquer tonalidade ideológica, do centro, de direita ou de esquerda, consciente ou inconscientemente, socorrem-se das normas trabalhistas para executar as suas reformas dos que chamam de democracia social" [22]

Normalmente, as reformas sociais proporcionadas pelas mudanças na legislação trabalhista possuem caráter nitidamente tutelar, visando à redução da discrepância econômica existente entre os detentores dos meios de produção e os detentores, unicamente, de sua força de trabalho. Note-se, porém, que em momentos de crise, a legislação trabalhista pode adotar uma postura menos protecionista, restringindo vantagens normalmente asseguradas aos trabalhadores, para atender as exigências impostas pela situação econômica do Estado. Nestes casos, não se deve falar em desvio de finalidade ou de função, mas em realização de uma reforma que atenda, ainda que transitoriamente, aos fins sociais mais imediatos, como a manutenção dos empregos.

4.8.Socialidade

A socialidade, também conhecida como "humanização do Direito", não só caracteriza o Direito do Trabalho, como também informa o Direito Civil Brasileiro desde a entrada em vigência do Código de 2002.

Este atributo, também apresentado por FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA, propõe a prevalência dos interesses sociais sobre os individuais. Trata-se de uma mitigação da concepção individualista do Direito.

Esta característica do Direito do Trabalho é reconhecida por ALEXANDRE AGRA BELMONTE ao expor que "como o Direito do Trabalho sempre procurou compensar as desigualdades econômicas através de mecanismos de proteção obtidos por meio do estabelecimento de desigualdades jurídicas, tem-se que as normas contidas na CLT foram engendradas de acordo com esse princípio socializante, por exemplo, quando determina que nenhum interesse de classe ou particular possam prevalecer sobre o interesse público (art. 8º, caput, in fine); quando, submete a vontade individual ao interesse coletivo de trabalho; quando impõe a continuação do contrato nos casos de aquisição de negócio; quando impede o rompimento do contrato, impondo ao empregador suportar o pagamento do salário até o 15º dia e à inexecução das cláusulas contratuais, nos casos de suspensão do contrato". [23]


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5.Denominação

Atualmente, a denominação "Direito do Trabalho" para o ramo jurídico estudado é adotada pela quase totalidade dos que estudam o assunto, pela Organização Internacional do Trabalho – OIT (organismo especializado do sistema das Nações Unidas) e pela Constituição da República Federativa do Brasil. Historicamente, contudo, diversas denominações são encontradas para designar a disciplina em estudo: Legislação do Trabalho, Legislação Industrial, Direito Industrial, Direito Operário, Direito Corporativo e Direito Social, entre outras.

5.1.Legislação do Trabalho

Legislação do Trabalho foi a denominação adotada pela Constituição Brasileira de 1934 (Art. 121, § 1º) e, ainda hoje, é adotada por algumas faculdades de Ciências Econômicas, Ciências Contábeis e Administração. Segundo SERGIO PINTO MARTINS, "justificava-se a nomenclatura utilizada pelo fato de haver muitas leis tratando do tema, mas não existia um sistema, uma autonomia da matéria em análise" [24].

A crítica que se faz a esta denominação refere-se à necessidade de a matéria trabalhista ser estudada além dos limites da legislação, envolvendo seus princípios e funções.

5.2.Legislação e Direito Industrial

Logo após a Revolução Industrial, como todas as relações trabalhistas a serem disciplinadas, em razão da conjuntura socioeconômica da época, referiam-se à indústria, surgiu a denominação Legislação Industrial, que evoluiu, em seguida, para Direito Industrial.

Atualmente, as relações reguladas pelo Direito do Trabalho não se limitam ao setor industrial, mas aplicam-se ao setor agropecuário, de comércio, de serviços e até a setores não produtivos que admitam empregados, razão por que a denominação em foco mostra-se inadequada para designar o ramo jurídico em estudo.

É válido observar que a nomenclatura "Direito Industrial", como sinônimo de Direito do Trabalho, deixou de existir e passou a designar um ramo do Direito Comercial, de cujo objeto consiste na proteção de quatro bens imateriais: a patente de invenção, a de modelo de utilidade, o registro de desenho industrial e o de marca [25]

5.3.Direito Operário

Direito Operário foi a denominação utilizada por EVARISTO DE MORAES e pela Constituição Brasileira de 1937 (Art. 16, XVI), e teve origem semelhante a do epíteto anterior.

Como as primeiras regras trabalhistas tinham por objeto a regulamentação de relações ocorrentes no setor industrial, alguns juristas da época elegeram, como critério para a designação deste ramo jurídico, o nome dado ao tipo de empregado que era absorvido pela indústria: operário. Hoje, sabe-se que o Direito do Trabalho não se limita a estudar operários, mas também outros tipos de trabalhadores e os patrões que com eles se relacionam, o que torna inadequada a denominação "Direito Operário".

Convém observar que a expressão "Droit Ouvrier" (Direito Operário) ainda é utilizada na França, em razão de o seu sistema jurídico não estabelecer o mesmo tratamento ao trabalhador empregado, que exerce atividade preponderantemente intelectual (employeé) e ao trabalhador operário, que exerce atividade "braçal" (ouvrier).

No Brasil, a atual Constituição da República determina, em seu art. 7º, inciso XXXII, a "proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos", o que inviabiliza qualquer tentativa de "importar" o sistema francês.

5.4.Direito Corporativo

Direito Corporativo foi a denominação usada por OLIVEIRA VIANA e por CAVALCANTE DE CARVALHO. Sua origem está relacionada com o regime corporativo italiano, criado pela "Carta do Trabalho", organizada pelo Grande Conselho do Fascismo, que serviu de modelo a muitos códigos trabalhistas de outros Estados.

O corporativismo representou um sistema capaz de arrefecer os conflitos entre trabalhadores e empresários, estabelecendo uma paz duradoura nos Estados que o adotaram por meio do controle de fato, pelo Estado, dos instrumentos de negociação coletiva.

Baseada na noção orgânica de sociedade e do Estado, a doutrina corporativista repartiu a sociedade em diferentes categorias de indivíduos, chamadas corporações, que exerciam funções sociais bem determinadas. As Corporações, portanto, podem ser de natureza econômica, social, cultural, etc.

Para os corporativistas, as corporações são órgãos naturais, por meio dos quais manifesta-se a vida do Estado e que, por isso mesmo, este não possui autoridade para interferir nos princípios básicos das corporações, "salvo quando a necessidade funcional o impuser". DALMO DE ABREU DALLARI esclarece que "desde que o Estado entenda que há necessidade funcional, pode determinar a renovação dos princípios básicos dos organismos naturais. Ora, sendo assim, desaparece o caráter natural das corporações, uma vez que elas poderão ser, a qualquer momento, moldadas pelo Estado, segundo as conveniências deste" [26].

Segundo SAHID MALUF, o Estado Corporativo fascista, "manteve a iniciativa privada e a livre concorrência, subordinadas, porém, aos superiores interesses sociais. O trabalho foi considerado como dever social. O direito de greve foi abolido, e considerado qualquer movimento paredista como crime contra a organização corporativa estatal. A liberdade do trabalhador – doutrina Chimenti – realiza-se de uma maneira certa e institucional na igualdade de todos os trabalhadores perante a lei e na proteção e assistência social que o Estado lhes assegura" [27]

Medidas de orientação corporativa foram adotadas, no Brasil, por Getúlio Vargas, a partir de 1937, durante o Estado Novo. Como exemplo, pode-se citar: criação do imposto sindical; atribuição do poder normativo à Justiça do Trabalho; criação da representação de empregados e empregadores por vogais nos colegiados onde fosse discutida alguma questão a eles relacionados.

A principal crítica à denominação "Direito Corporativo" para a disciplina em estudo reside no fato de o corporativismo ter objetivos amplos, que não se resumem à regulamentação das relações de trabalho. Nas palavras de AMAURI MASCARO NASCIMENTO: "o corporativismo italiano foi uma tentativa de unificação das forças de produção e não somente do trabalho... O corporativismo destina-se à unificação econômica nacional, e o direito do trabalho tem fins diferentes, pois sua principal meta é reger a atividade humana subordinada" [28].

5.5.Direito Social

Foi a denominação utilizada por CESARINO JÚNIOR, que incluía em seu objeto não apenas as relações trabalhistas, mas também relações previdenciárias e assistenciais. Segundo AMAURI MASCARO NASCIMENTO, "a justificativa para tal denominação resulta da posição em que se coloca Cesarino Júnior diante do problema do âmbito da nossa disciplina e é aceitável se for essa amplitude que o intérprete quiser dar à matéria... Assim, se concebido o direito do trabalho como aquele destinado a resolver a ‘questão social’ e a promover a ‘justiça social’, há inegável adequação. Se entendido restritivamente, será demasiado ampla a designação" [29].

As principais críticas feitas a esta denominação são duas: a primeira se refere à amplitude de seu significado, que a torna bastante genérica e, portanto, inaplicável ao ramo jurídico em estudo; a segunda argumenta que todo o Direito, por sua natureza, é social, feito para vigorar na sociedade e, portanto, todos os seus ramos são "sociais".

Uma terceira crítica a esta nomenclatura pode ser levantada: há uma corrente doutrinária crescente que defende a existência de um Direito Social como terceiro gênero na enciclopédia jurídica, ao lado do Direito Público e do Direito Privado, de modo que, ao se utilizar esta expressão como sinônimo de Direito do Trabalho, estar-se-á gerando uma confusão conceitual na ciência do Direito.

5.6.Direito do Trabalho

A expressão "Direito do Trabalho" surgiu na Alemanha, por volta de 1912, e foi empregada no Brasil pela Constituição de 1946 e por todas as que a sucederam. Não se pode dizer que esta nomenclatura é perfeita ou que está alheia a críticas, mas não há dúvidas de que, como ensina MAURÍCIO GODINHO DELGADO, "a denominação Direito do Trabalho tornou-se hegemônica no plano atual dos estudos jurídicos; está consagrada na doutrina, na jurisprudência e também nos inúmeros diplomas normativos existentes na área" [30].


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6.Natureza ou posição enciclopédica

Não há consenso doutrinário quanto aos critérios informadores da clássica divisão do Direito, formulada por Ulpiano, em Direito Público e Direito Privado, sendo que há doutrinadores que questionam a própria validade científica dessa divisão e outros que propõem uma divisão tripartite do Direito, em público, privado e social.

Diante desta conjuntura, o estabelecimento de um consenso quanto à posição enciclopédica do Direito do Trabalho torna-se impossível, pois cada doutrinador o posiciona de acordo com a teoria que adota sobre a validade e os critérios de divisão da Enciclopédia Jurídica. As principais teorias sobre a natureza do ramo jurídico em estudo são cinco: teoria do Direito Público, teoria do Direito Privado, Teoria do Direito Misto, Teoria do Direito Social e Teoria do Direito Unitário.

6.1.Teoria do Direito Público

Os juristas que sustentam que o Direito do Trabalho pertence ao Direito Público, apresentam, em regra, quatro argumentos: 1) o Direito do Trabalho apresenta normas de natureza administrativa, como as relativas à fiscalização trabalhista, segurança do trabalho, higiene do trabalho, etc.; 2) o Direito do Trabalho é composto por normas de natureza estatutária, constituindo relações delineadas pela lei, suprimindo a autonomia da vontade das partes envolvidas; 3) a maior parte das normas de Direito do Trabalho são irrenunciáveis e 4) o Direito do Trabalho possui fundamento jurídico-filosófico baseado no intervencionismo estatal restritivo da autonomia da vontade, que se opõe ao fundamento jurídico-filosófico do Direito privado: individualismo e liberdade volitiva.

Entre os doutrinadores brasileiros, esta teoria é sustentada IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO, nos seguintes termos: "não obstante regular o contrato de trabalho, firmado entre particulares, o Direito do Trabalho é ramo de Direito Público, em face da indisponibilidade da maior parte de suas normas, passíveis apenas de flexibilização através de negociação coletiva com o sindicato, uma vez que o trabalhador individual é a parte mais fraca no contrato, e o ordenamento jurídico trabalhista protege não apenas o trabalhador, mas o próprio bem-estar social como um todo" [31].

A crítica à Teoria do Direito Público baseia-se, principalmente, em quatro argumentos: 1) As normas trabalhistas de natureza administrativa, como as referentes à fiscalização, têm caráter instrumental e não preponderam sobre as de outra natureza; 2) O Direito do Trabalho não cria relações estatutárias, pois, não obstante o dirigismo estatal, há possibilidade de as partes acordarem sobre condições gerais de trabalho; 3) a irrenunciabilidade das leis trabalhistas não possui natureza diversa da irrenunciabilidade de diversas normas encontradas em outros ramos do Direito Privado, como o Direito Civil e 4) a natureza de Direito Público de um ramo jurídico não é definida pelo seu fundamento jurídico-filosófico, mas pela Teoria dos Interesses (o Direito Público regula os interesses imediatos do Estado e o Direito Privado, os de particulares), pela Teoria da Natureza dos Sujeitos (O Direito Público regula relações de que o Estado participe; e o Direito Privado regula relações de que o Estado não participa) ou pela Teoria da Natureza das Relações (no Direito Público, há manifestação do Poder de Império do Estado sobre o particular; e no Direito privado, o Poder de Império do Estado não se manifesta).

Fazendo uso dessa linha argumentativa, ALEXANDRE AGRA BELMONTE sustenta que "não há que se confundir normas de ordem pública com direito público... Assim como o Direito Administrativo e o Penal contêm uma série de normas de direito público, não obstante de ordem privada, o fato de o Direito do Trabalho ter inúmeras normas de ordem pública não o transforma em ramo de direito público, posto não se dever confundir o conjunto de normas que formam o direito público com o grupo de normas de direito privado de ordem pública (por exemplo, salário mínimo e duração da jornada de trabalho) que, juntamente com o conjunto de normas de direito privado de ordem privada (art. 444, da CLT), integram o direito privado, para aplicação entre particulares... assim como as normas de Direito Civil sobre casamento e filiação são de ordem pública, também as normas de proteção do trabalhador têm essa qualidade, mas num caso e noutro são de direito privado, porque direcionadas a regular relações entre particulares e não relações do particular com o Estado. O interesse público contido em tais normas é apenas de preservação dessas instituições, no sentido de que os particulares não podem afasta-las, mas o Estado não figura nessas relações, a não ser como interventor. Fosse titular de direitos, caso do direito à percepção de tributos, falar-se-ia em direito público, o que não ocorre. Quando o Estado participa de relação típica trabalhista, não é na qualidade de pessoa investida de poder de império, mas sim como se particular fosse... quando o Estado participa da relação de trabalho subordinado figurando como Estado mesmo, aí a legislação aplicável não é a trabalhista ("celetista") e sim a estatutária ou de Direito administrativo, hipótese em que se tratará de direito público. Além do mais, a relação típica trabalhista é contratual, tendo as partes, ainda que em tese, o poder de discussão das condições aplicáveis (ressalvado o conteúdo mínimo legal, como também ocorre, por exemplo, na legislação do inquilinato, sem que isto a transforme em relação de direito público)". [32]

AMAURI MASCARO NASCIMENTO acrescenta um quinto argumento contrário à Teoria do Direito Público: "se o direito do trabalho fosse considerado ramo do direito público, os sindicatos seriam órgão públicos e as convenções coletivas de trabalho entre os sindicatos não teriam razão de ser, uma vez que se justificam como expressão da autonomia privada coletiva". [33]

6.2.Teoria do Direito Privado

A Teoria do Direito Privado é, atualmente, a mais aceita pela doutrina brasileira. A ela, filiam-se o autor deste trabalho, ALEXANDRE AGRA BELMONTE, AMAURI MASCARO NASCIMENTO, ANDRÉ FRANCO MONTORO, DÉLIO MARANHÃO, MAURICIO GODINHO DELGADO e SERGIO PINTO MARTINS, entre outros.

Os argumentos que sustentam esta teoria são os seguintes: 1) os sujeitos do vínculo trabalhista são trabalhadores e empregadores e, quando o Estado participa da relação, o faz na condição de empregador; 2) a maioria da regras de Direito do Trabalho são de ordem privada e 3) a relação trabalhista é um desenvolvimento da prestação de serviços, tendo, portanto, sua origem no Direito Civil, clássico ramo do Direito Privado.

As críticas à Teoria do Direito Privado coincidem com os fundamentos da Teoria do Direito Público, ou seja: 1) O Direito do Trabalho possui normas de natureza administrativa; 2) o Direito do Trabalho é composto por normas de natureza estatutária, que eliminam a autonomia da vontade das partes; 3) a maior parte das normas de Direito do Trabalho são indisponíveis, irrenunciáveis e 4) o fundamento jurídico-filosófico do Direito do Trabalho é incompatível com o Direito Privado.

6.3.Teoria do Direito Misto

A Teoria do Direito Misto é defendida por PAULO DOURADO DE GUSMÃO, entre outros. Segundo esta teoria, a bipartição romana do Direito em Direito Público e Direito Privado tornou-se inadequada para o Direito produzido pela complexa sociedade moderna que criou ramos jurídicos constituídos tanto de normas de ordem pública, como de normas de ordem privada e que tutelam tanto o interesse público, como o interesse privado.

Nas palavras de PAULO DOURADO DE GUSMÃO, "o direito misto é o em que, sem haver predominância, há confusão de interesse público ou social com o interesse privado. Nele se confundem esses interesses, fazendo com que o princípio de liberdade nele não impere. As partes, muitas vezes colocadas em nível de igualdade jurídica, estão submetidas a princípios inderrogáveis, estabelecidos na lei, protetores do interesse social". [34]

O mesmo doutrinador argumenta que "as normas de direito do trabalho são normas de jus congens, não podendo por isso as partes, no contrato de trabalho, dispor de forma diferente do que nelas estiver disposto. Norteado pelo interesse social, apesar de se destinar a reger as relações entre patrões e empregados oriundas de contrato de trabalho, o direito do trabalho não é ramo de direito privado, mas de direito misto". [35]

A principal crítica formulada a esta teoria refere-se à inexistência de um direito híbrido de público e privado chamado "Direito Misto". Segundo SERGIO PINTO MARTINS, "tal fato iria negar, inclusive, a autonomia do Direito do Trabalho, que não poderia ser e deixar de ser alguma coisa ao mesmo tempo". [36]

6.4.Teoria do Direito Social

A Teoria do Direito Social é sustentada pelos doutrinadores que reconhecem a existência de um terceiro gênero na Enciclopédia Jurídica, ao lado do Direito Público e do Direito Privado, chamado "Direito Social". Seu principal representante é CESARINO JÚNIOR

Para os adeptos desta teoria, o Direito Social abrange todas as normas de proteção às pessoas economicamente fracas. Assim, seriam ramos do Direito Social, o Direito do Trabalho e o Direito da Seguridade Social.

A principal crítica que recebe a presente teoria é que todos os ramos jurídicos são feitos para a sociedade, com intuito de promover o bem-estar dos indivíduos, ou seja, todo direito é social.

FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA, também defensor da Teoria do Direito Social entende que "essa crítica é anacrônica, dado que o direito social corresponde aos direitos de segunda geração ou dimensão, que é o direito de perceber prestações do Estado, equivalente ao segundo postulado da Revolução Francesa, que é o da igualdade, uma evolução do liberalismo clássico, que defendia o primeiro postulado, o da liberdade". [37] E argumenta que "a discussão se esvaziou no momento em que a CF/88 o enquadrou no Capítulo DOS DIREITOS SOCIAIS – arts. 7º a 11, reconhecendo-lhe a natureza de um ramo do Direito Social". [38]

O autor deste trabalho entende que esta linha argumentativa é equivocada, pois confunde dois conceitos distintos de um único termo: "Direito". A classificação do Direito em Público e Privado refere-se ao Direito-norma, o chamado "Direito objetivo", já a enumeração constitucional dos Direitos Sociais, correspondentes aos Direitos Humanos de Segunda Geração, refere-se ao Direito-faculdade, os chamados "Direitos subjetivos".

Se a posição enciclopédica de um ramo jurídico fosse determinada pela posição topográfica de sua matéria na Constituição da República, o Direito da Seguridade Social estaria excluído do "Direito Social", e não existiria Direito Público nem Direito Privado, pois não há capítulos, na Carta Magna de 1998, intitulados "Dos Direitos Públicos" ou "Dos Direitos Privados".

6.5.Teoria do Direito Unitário ou do Direito Misto com Unicidade Conceitual

Esta teoria é sustentada por EVARISTO DE MORAES FILHO e ARNALDO SUSSEKIND. O primeiro utiliza o termo: "Direito Unitário", o segundo prefere "Direito Misto com Unicidade Conceitual". Os demais defensores desta teoria adotam uma ou outra denominação.

Segundo esta orientação doutrinária, o Direito do Trabalho é resultado da fusão de ramos do Direito Público e de Direito Privado que origina um todo orgânico, totalmente distinto dos dois ramos que lhe deram origem.

A teoria do Direito Unitário difere-se da Teoria do Direito Misto por entender o Direito do Trabalho como um amálgama e não uma mera mistura de substâncias dos dois gêneros clássicos. Do ponto de vista científico, é, indubitavelmente, mais coerente.

A principal crítica formulada a esta teoria aponta a inexistência de um todo orgânico, auto-suficiente e absolutamente diferenciado do Direito Público ou do Direito Privado.


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7.Divisões

A divisão do Direito do Trabalho em Direito Individual do Trabalho e Direito Coletivo do Trabalho é assinalada pela quase unanimidade dos autores. Alguns, preferem utilizar uma divisão tripartite do ramo jurídico em estudo, com a inclusão de um setor chamado "Direito Tutelar do Trabalho" ou "Direito Protecionista do Trabalho".

Os doutrinadores que reconhecem o Direito Coletivo do Trabalho como ramo autônomo do Direito, por razões obvias, não o incluem entre os setores do ramo jurídico em estudo.

É pacífico o entendimento doutrinário de que o chamado "Direito Público do Trabalho", que envolve o Direito Processual do Trabalho, o Direito Administrativo do Trabalho, o Direito da Seguridade Social e o Direito Penal do Trabalho, assim como o chamado "Direito Internacional do Trabalho", não integra o Direito do Trabalho em sentido estrito, mas outros ramos do Direito.

A Teoria Geral do Direito do Trabalho, que analisa questões como sua definição, autonomia, posição enciclopédica, relação com outras ciências, relações com outros ramos jurídicos etc., não configura matéria jurídica em sentido próprio, pertencendo ao objeto de estudo da Filosofia Jurídica. Ressalve-se que MAURÍCIO GODINHO DELGADO entende que tais matérias fazem parte do conteúdo do Direito Individual do Trabalho e SERGIO PINTO MARTINS propõe sua inclusão em uma nova subdivisão do Direito do Trabalho, chamada "Parte Geral".

7.1.Direito Individual do Trabalho

Direito Individual do Trabalho é o setor que compreende as normas referentes à relação de emprego e as demais relações individuais de trabalho, regulamentadas pelo Direito do Trabalho, bem como matérias a ela pertinentes, como as relativas ao FGTS.

Os doutrinadores que, como AMAURI MASCARO NASCIMENTO, não reconhecem o Direito Tutelar do Trabalho como setor do ramo jurídico em estudo, também incluem no conteúdo do Direito Individual do Trabalho, as regras de proteção do trabalhador, como as normas de segurança e medicina do trabalho.

7.2.Direito Tutelar do Trabalho

Direito Tutelar, ou Protecionista, do Trabalho é o setor que compreende as regras relativas à proteção do ser humano que trabalha, nele estando incluídas as normas de medicina e segurança do trabalho, limitação da jornada de trabalho, fixação de intervalos obrigatórios durante a jornada de trabalho, fiscalização trabalhista, etc.

7.3.Direito Coletivo do Trabalho

Direito Coletivo do Trabalho é o setor que disciplina as organizações sindicais e as relações coletivas de trabalho, compreendendo as normas referentes à estrutura e função dos sindicatos, conflitos coletivos de trabalho, negociações coletivas, direito de greve, etc.


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8.Funções

Definir a função do Direito do Trabalho corresponde a estabelecer qual o sistema de valores que este ramo jurídico pretende realizar. Esta tarefa sofre a influência de fatores ideológicos e interesses econômicos, políticos, ou sociais, que conduzem, dependendo da compreensão que o intérprete faz da realidade, a conclusões distintas, algumas absolutamente independentes, outras que se comunicam entre si.

Sem dúvida, a função de proteger o trabalhador é a mais aceita pela doutrina brasileira, embora outras lhe sejam atribuídas. Conforme o ensino de ALICE MONTEIRO DE BARROS, "o Direito do Trabalho, qualquer que seja a natureza que se lhe atribua, possui, conforme a concepção filosófica de seus expositores, as funções tutelar, econômica, conservadora ou coordenadora" [39]. A este rol de funções AMAURI MASCARO NASCIMENTO acrescenta a chamada "função social do Direito do Trabalho". [40]

8.1.Função tutelar

Para a doutrina majoritária brasileira, o Direito do Trabalho deve proteger o trabalhador diante do poder econômico, evitando que este o absorva. Esta tutela concretiza-se por meio de leis de origem estatal ou do reconhecimento de poderes restritivos da autonomia individual às entidades sindicais.

8.2.Função econômica

A função econômica é sustentada pelos doutrinadores que pretendem a inclusão do Direito do Trabalho entre as divisões do Direito Econômico. Segundo essa linha de pensamento, conforme ensina AMAURI MASCARO NASCIMENTO, "o direito do trabalho visa a realização de valores econômicos, de modo que toda e qualquer vantagem atribuída ao trabalhador deve ser meticulosamente precedida de um suporte econômico, sem o qual nada lhe poderá ser atribuído". [41]

8.3.Função social

Contraposição da corrente anterior, os defensores da função social do Direito do Trabalho afirmam que este ramo especializado do Direito objetiva a realização de valores, não econômicos, mas sociais, especialmente o valor absoluto e universal da dignidade humana.

8.4.Função conservadora

Conforme o ensino de AMAURI MASCARO NASCIMENTO, os seguidores desta linha de pensamento sustentam que o Direito do Trabalho é "expressão da vontade opressora do Estado, vendo nele nada mais do que uma força de que o Estado sempre se utilizou, desde os tempos em que se falava em legislação industrial, para sufocar os movimentos operários. Neste caso, as leis trabalhistas não teriam outra função senão a de aparentar a disciplina da liberdade; na verdade, a de restringir a autonomia privada coletiva e impedir as iniciativas, que embora legítimas, possam significar de algum modo a manifestação de um poder de organização e de reivindicação dos trabalhadores". [42]

8.5.Função coordenadora

Os autores que sustentam a função coordenadora do Direito do Trabalho entendem que a função do Direito do Trabalho não é a proteção do trabalhador, nem a sufocação de movimentos reivindicatórios trabalhistas ou a realização de determinados valores econômicos ou sociais, mas a coordenação de interesses entre capital e trabalho, com a adoção de medidas nem sempre protecionistas ou tutelares.


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Referências Bibliográficas

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2005.

BELMONTE, Alexandre Agra. Instituições civis no direito do trabalho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Direito sindical. São Paulo: LTr, 2000.

COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de direito comercial. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTR, 2003.

DONATO, Messias Pereira. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1979.

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

LIMA, Francisco Meton Marques de. Elementos de direito do trabalho. 10ª ed. São Paulo: LTR, 2004.

MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho. Parte geral. 4ª ed. São Paulo: LTR, 1991.

MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

MARTINS, Sergio Pinto. Curso de direito do trabalho. 4ª ed. São Paulo: Dialética, 2005.

MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual esquemático de direito e processo do trabalho.12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

MORAES FILHO, Evaristo de. e MORAES, Antonio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTR, 1995.

NASCIMENTO, Mamauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 25ª ed. São Paulo: LTR, 1999.

SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.


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Notas

01 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTR, 2003. p. 52-53.

02 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual esquemático de direito e processo do trabalho.12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 7.

03 DONATO, Messias Pereira. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1979. p. 6.

04 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 140.

05 MORAES FILHO, Evaristo de. e MORAES, Antonio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTR, 1995. p. 46.

06 SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 81.

07 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 143.

08 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTR, 2003. p. 54.

09 MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho. Parte geral, 4ª ed. São Paulo: LTR, 1991. p. 59.

10 MARTINS, Sergio Pinto. Curso de direito do trabalho. 4ª ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 17.

11 LIMA, Francisco Meton Marques de. Elementos de direito do trabalho. 10ª ed. São Paulo: LTR, 2004. p. 27.

12 LIMA, Francisco Meton Marques de. Elementos de direito do trabalho. 10ª ed. São Paulo: LTR, 2004. p. 28.

13 Sobre o assunto, é válido citar lição de JOSÉ CLÁUDIO MONTEIRO DE BRITO FILHO: É regra considerar as normas sobre sindicalização como integrantes da disciplina Direito do Trabalho, negando-se, por via de conseqüência, sua autonomia.

Acreditamos que esse entendimento merece uma reflexão, principalmente a partir da sindicalização do servidor público, garantida em 05/10/88.

É que as normas relativas ao Direito Sindical servem agora para regular não só relações que envolvem entidades sindicais que representam empregados e empregadores – ligados por uma relação contratual, de emprego - , mas também para regular as relações das entidades sindicais que congreguem servidores públicos, via de regra sujeitos a um regime administrativo, e que mantém relações com a Administração Pública.

Nota-se então a inaplicabilidade das normas previstas na CLT, por uma razão que nos parece óbvia, qual seja a de que os servidores sujeitos ao regime administrativo não são destinatários das normas celetistas, sujeitando-se, isso sim, às normas estabelecidas pelos diversos entes públicos que compõem a Federação.

O Direito Sindical alcançou um espectro mais amplo, encontrando-se parte de suas normas completamente alheias à CLT, e desvinculadas, por conseqüência, do regime celetista de trabalho.

Logo, ficou o Direito Sindical, ou suas normas, ligado a duas disciplinas, o Direito do Trabalho e o Direito Administrativo, o que impede que seja considerado apenas como parte integrante da primeira disciplina mencionada.(Direito sindical. São Paulo: LTr, 2000. p. 27,28).

14 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTR, 2003. p. 58.

15 SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 83.

16 MORAES FILHO, Evaristo de. e MORAES, Antonio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTR, 1995. p. 59.

17 LIMA, Francisco Meton Marques de. Elementos de direito do trabalho. 10ª ed. São Paulo: LTR, 2004. p. 28.

18 MORAES FILHO, Evaristo de. e MORAES, Antonio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTR, 1995. p. 59.

19 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2005. p. 87.

20 MORAES FILHO, Evaristo de. e MORAES, Antonio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTR, 1995. p. 60.

21 MORAES FILHO, Evaristo de. e MORAES, Antonio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTR, 1995. p. 63.

22 MORAES FILHO, Evaristo de. e MORAES, Antonio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTR, 1995. p. 68.

23 BELMONTE, Alexandre Agra. Instituições civis no direito do trabalho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 24.

24 MARTINS, Sergio Pinto. Curso de direito do trabalho. 4ª ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 13.

25 COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de direito comercial. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 85.

26 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 176.

27 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 143-144.

28 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 135.

29 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 136.

30 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTR, 2003. p. 54.

31 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual esquemático de direito e processo do trabalho.12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 8.

32 BELMONTE, Alexandre Agra. Instituições civis no direito do trabalho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 8-9.

33 NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 25ª ed. São Paulo: LTR, 1999. p. 72.

34 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 201.

35 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 205.

36 MARTINS, Sergio Pinto. Curso de direito do trabalho. 4ª ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 25.

37 LIMA, Francisco Meton Marques de. Elementos de direito do trabalho. 10ª ed. São Paulo: LTR, 2004. p. 30.

38 LIMA, Francisco Meton Marques de. Elementos de direito do trabalho. 10ª ed. São Paulo: LTR, 2004. p. 30.

39 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2005. p. 93.

40 NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 25ª ed. São Paulo: LTR, 1999. p. 66.

41 NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 25ª ed. São Paulo: LTR, 1999. p. 66.

42 NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 25ª ed. São Paulo: LTR, 1999. p. 65-66.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Reinterpretando a vedação ao uso do habeas corpus nas transgressões disciplinares militares à luz das normas internacionais de direitos humanos
Elaborado em 12.2009.

Jair Soares Júnior

Defensor Público Federal, chefe da Defensoria Pública da União no Mato Grosso do Sul.


As Forças Armadas são alicerçadas sobre dois pilares constitucionalmente erigidos (art. 142, caput): a hierarquia e a disciplina.

A observância aos dois princípios balizadores das Forças Armadas é de fundamental importância para o cumprimento de suas missões constitucionais, quais sejam: a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem e, principalmente, a defesa da Pátria.

Em razão da hierarquia e da disciplina militar e tendo em vista, sempre, a destinação constitucional das Forças Armadas, há uma série de limitações e até mesmo de restrições aos militares, as quais não encontram similitude para os civis.

Entre as limitações constitucionais aos militares, podemos encontrar: a proibição de sindicalização e de greve (art. 142, § 3º, inciso IV); a proibição de filiação a partidos políticos (art. 142, § 3º, inciso V); e a inalistabilidade e inelegibilidade – direitos políticos ativos e passivos – dos conscritos durante o período de serviço militar obrigatório (art. 14, § 2º).

Entretanto, talvez nenhuma limitação seja mais drástica do que aquela insculpida no art. 142, § 2º, da CF, consistente na proibição do manejo do habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.

A expressão maior da importância da hierarquia e da disciplina na vida militar é a exclusão da aplicação do princípio segundo o qual ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei (art. 5º, inciso LXI, in fine, da CF).

De tal arte, a própria Constituição Cidadã – garantidora de direitos fundamentais – permite a privação de liberdade ao militar que cometa mera transgressão disciplinar, permitindo, inclusive, que essa privação de liberdade seja realizada sem ordem escrita nem fundamentada de membro do Poder Judiciário.

Se a restrição acima, por si só, pode dar margem à ocorrência de abusos, o que se dirá se somarmos a isso o fato de que o § 2º do art. 142 da CF impede o uso do remédio heróico contra as sanções privativas de liberdade aplicadas em decorrência de transgressões disciplinares.

Em última análise, a decisão dos superiores do militar punido disciplinarmente com a restrição da própria liberdade ficaria imune ao controle do Poder Judiciário.

É preciso, porém, conciliar o desiderato do constituinte originário que buscou a observância da hierarquia e da disciplina militar – por meio da prisão por infração disciplinar e da proibição do uso do habeas corpus para rever tal prisão –, com a garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional e com os direitos fundamentais inerentes à dignidade humana. Esses são os pontos centrais do presente trabalho.

Há que se adequar, todavia, a proibição contida no § 2º do art. 142 da CF com os tratados internacionais de direitos humanos, especialmente o Pacto de São José da Costa Rica, haja vista que de acordo com a nova ordem constitucional (neoconstitucionalismo) não há que se falar em prevalência de uma norma interna – inclusive a Constituição de um Estado Soberano – sobre uma norma internacional de proteção, na linha do que foi disciplinado pelo § 3º do artigo 5º da Constituição da República, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

Como bem leciona Valerio de Oliveira Mazzuoli:

"A proteção internacional dos direitos humanos é fruto de um processo gradual de amadurecimento da sociedade internacional. Esse amadurecimento teve seu maior desenvolvimento a partir do final da Segunda Guerra Mundial, quando a sociedade internacional percebe a necessidade de se arquitetar um novo modelo de Direito Internacional Público, voltado à criação de mecanismos de proteção dos direitos da pessoa humana contra as arbitrariedades dos Estados e dos indivíduos que agem em seu nome." [01]

A EC 45/2004 alterou a tradicional jurisprudência do STF que sempre empregou aos tratados internacionais de direitos humanos o status de norma infraconstitucional, haja vista que acrescentou o § 3º ao artigo 5º da Constituição da República.

Destarte, pela nova ordem constitucional, as regras de direito internacional sobre direitos humanos, desde que aprovadas, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Surge a seguinte indagação: qual o status constitucional dos tratados internacionais sobre direitos humanos introduzidos no ordenamento jurídico pátrio anteriormente à EC 45/2004?

O julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do HC 87.585-8 revolucionou o estudo da questão.

Com efeito, em 12 de março de 2008, o Min. Celso de Mello, em voto vista no referido HC 87.585-8, o qual questiona a possibilidade da prisão civil de depositário fiel (permitida constitucionalmente pelo art. 5º, LXVII) em face da Convenção Americana dos Direitos Humanos (ratificada pelo Brasil no ano de 1992), aceitou a tese de que os tratados de direitos humanos ratificados antes da EC 45/2004, têm índole e nível constitucional, independentemente do seu quorum de aprovação, é o que se colhe pelo trecho do brilhante voto-vista abaixo colacionado:

Posta a questão nesses termos, a controvérsia jurídica remeter-se-á ao exame do conflito entre as fontes internas e internacionais (ou, mais adequadamente, ao diálogo entre essas mesmas fontes), de modo a se permitir que, tratando-se de convenções internacionais de direitos humanos, estas guardem primazia hierárquica em face da legislação comum do Estado brasileiro, sempre que se registre situação de antinomia entre o direito interno nacional e as cláusulas decorrentes de referidos tratados internacionais.

(...).

Após muita reflexão sobre esse tema, e não obstante anteriores julgamentos desta Corte de que participei como Relator (RTJ 174/463-465 – RTJ 179/493-496), inclino-me a acolher essa orientação, que atribui natureza constitucional às convenções internacionais de direitos humanos, reconhecendo, para efeito de outorga dessa especial qualificação jurídica, tal como observa CELSO LAFER, a existência de três distintas situações concernentes a referidos tratados internacionais:

(1) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso País aderiu), e regularmente incorporados à ordem interna, em momento anterior ao da promulgação da Constituição de 1988 (tais convenções internacionais revestem-se de índole constitucional, porque formalmente recebidas, nessa condição, pelo § 2º do art. 5º da Constituição);

(2) tratados internacionais de direitos humanos que venham a ser celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso País venha a aderir) em data posterior à da promulgação da EC nº 45/2004 (essas convenções internacionais, para se impregnarem de natureza constitucional, deverão observar o "iter" procedimental estabelecido pelo § 3º do art. 5º da Constituição); e

(3) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso País aderiu) entre a promulgação da Constituição de 1988 e a superveniência da EC nº 45/2004 (referidos tratados assumem caráter materialmente constitucional, porque essa qualificada hierarquia jurídica lhes é transmitida por efeito de sua inclusão no bloco de constitucionalidade, que é "a somatória daquilo que se adiciona à Constituição escrita, em função dos valores e princípios nela consagrados"). (grifou-se).

Sendo assim, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, instituída pelo Pacto de San José da Costa Rica, a que o Brasil aderiu em 25 de setembro de 1992, incorporada ao nosso sistema de direito positivo interno pelo Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, é norma materialmente constitucional, possuindo, assim, o efeito paralisador de qualquer norma, constitucional ou infraconstitucional, que seja com ela materialmente incompatível.

Postas essas premissas, resta-nos analisar a compatibilidade material na norma insculpida no § 2º do artigo 142 da Constituição da República com as regras de direitos humanos internacionais ratificadas pelo Brasil no Pacto de San José da Costa Rica.

Referido diploma, assim abarca o direito à liberdade pessoal:

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal.

1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais.

2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.

3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários.

4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da detenção e notificada, sem demora, da acusação ou das acusações formuladas contra ela.

5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados-partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa. (grifou-se).

7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.

Acerca da segunda parte do item 6 do artigo 7º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos é o esclarecedor magistério de Luiz Flávio Gomes, verbis:

"O habeas corpus, no nosso ordenamento jurídico, sem sombra de dúvidas, é o instrumento (remédio) constitucional destinado à tutela da liberdade individual de locomoção da pessoa humana (ou seja: do direito de ir, vir e permanecer). A ausência de ações de garantia, como a do habeas corpus, para além de violar direitos fundamentais consagrados nos direitos internos assim como na Convenção Americana, constitui fonte de numerosas prisões arbitrárias, sobretudo quando a pessoa é suspeita de ser "terrorista" (informe Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 1993, p. 544, Peru). Consoante a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o habeas corpus representa meio idôneo para garantir a liberdade da pessoa humana (assim como para evitar tratamento desumano, cruel e degradante) (Caso Bámaca Velásquez parágrafo 192).

(...).

Quando não cabe habeas corpus?

(a) em caso de punição disciplinar militar (hoje esse posicionamento deve ser inteiramente revisto: para se discutir competência, legalidade ou razoabilidade da prisão cabe habeas corpus); (grifou-se) [02].

À guisa de conclusão, afigura-se-nos que o disposto no § 2º do art. 142 da Constituição da República deve ser reinterpretado à luz das normas internacionais de direitos humanos, especialmente da Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que, com a reforma constitucional promovida pela EC 45/2004, somada à mudança interpretativa do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, ganhou status equivalente às normas constitucionais.

Sendo assim, tendo em vista que toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, não se pode mais conceber uma interpretação isolada e gramatical da vedação constante no § 2º do art. 142 da CF ao uso do habeas corpus para analise do ato que infligir a restrição da liberdade em virtude do cometimento de uma transgressão disciplinar militar.


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Notas

1.MAZZUOLI, Valerio de Oliveira: "Curso de Direito Internacional Público", 2ª ed., 2007, RT p. 682/702.
2.GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de San José da Costa Rica

Fonte: Jus Navigandi

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