segunda-feira, 28 de junho de 2010

Pedido de intervenção no DF está na pauta de julgamentos do STF

Da Redação - 28/06/2010 - 11h15


O pedido de intervenção federal no Distrito Federal está na pauta de julgamentos do STF (Supremo Tribunal Federal) desta quarta-feira (30/6). O pedido é assinado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que defende a medida como forma de resgatar a normalidade institucional e a própria credibilidade das instituições e dos administradores públicos no Estado.

Na quinta-feira (1/7), o Supremo realiza, a partir das 9 horas da manhã, a última sessão plenária antes das férias dos ministros. A pauta prevê, entre outros, os julgamentos de uma extradição, cinco ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade), e ainda um Recurso Extraordinário (RE 537427), em que se discute a legalidade da condenação da empresa Souza Cruz S/A por dano material – em função da dependência causada pelo cigarro – pela Justiça especializada de São Paulo.

Intervenção

O pedido de intervenção no DF foi ajuizado em fevereiro de 2009 por Roberto Gurgel, após a crise política instaurada na capital federal a partir de investigação da Polícia Federal. A operação apurou denúncias de corrupção, formação de quadrilha, desvio de verbas públicas e fraude em licitações no DF. O escândalo culminou nas renúncias do governador do DF, José Roberto Arruda, e do vice-governador, Paulo Octávio, e no afastamento de integrantes do governo e do Legislativo distrital supostamente ligados ao caso.

Em maio, o ministro Cezar Peluso, presidente da Corte e relator do processo, abriu prazo para a Câmara Legislativa apresentar informações complementares no pedido de intervenção e facultou ao governador do DF o cumprimento da solicitação. Tais informações foram solicitadas pelo presidente do STF depois que a Procuradoria-Geral da República especificou a forma e a extensão da intervenção federal no âmbito do Poder Legislativo do DF.

Durante a tramitação do processo no Supremo, a Câmara Legislativa do DF realizou eleições indiretas, elegendo o distrital Rogério Rosso para o cargo de governador.

Preposto não fala nada em audiência e empresa é julgada à revelia

Fonte: TST

Alegar cerceamento do direito de defesa, porque o juiz, na audiência inaugural, não indagou ao preposto sobre sua disposição para apresentar defesa oral e a empresa foi julgada à revelia, não ajudou a Empresa Juiz de Fora de Serviços Gerais Ltda. a mudar o rumo da reclamação trabalhista. Em decisão da Seção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho, a empresa teve rejeitados os seus embargos na sessão de terça-feira, dia 22.

Inconformada com a decisão no recurso de revista, não conhecido, a empresa recorreu à SDI-1. Pelo entendimento da Quarta Turma, que julgou a revista, não há determinação legal de que o magistrado, na audiência inaugural, indague ao preposto sobre sua intenção em apresentar especificamente a defesa de forma oral, “até porque este é um dos meios legalmente previstos para tanto”. A empresa vem sustentando que não foi observado o artigo 847 da CLT, tendo ocorrido nulidade processual devido ao cerceamento do direito de defesa. No mesmo dia da audiência, a empregadora ingressou com petição, alegando que não lhe foi dada oportunidade para defesa oral e postulando o acolhimento da contestação.

A Quarta Turma explica que, conforme o mesmo artigo 847 da CLT, não havendo acordo, a empregadora teria vinte minutos para apresentar sua defesa, após a leitura da reclamação. Segundo o colegiado, a empresa teve oportunidade de se defender, mas “sua própria inércia acarretou a declaração de revelia”. Esclareceu a Quarta Turma, ainda, que o simples comparecimento à audiência não afasta os efeitos da revelia - que trata da ausência de contestação aos pedidos elaborados na petição inicial.

De acordo com informações do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO), o preposto não esboçou, na audiência, nenhum propósito de oferecimento de defesa. Além do mais, registra o TRT, “é a própria empresa que afirma o alheamento dele às questões técnicas do processo”, o que, segundo o Regional, demonstraria que o representante não tinha capacidade e discernimento para produzir contestação, por ser essencialmente técnica. Para o TRT, é “inadmissível que se pretenda transferir ao juízo, mediante injustificável desvirtuamento do ocorrido, a incúria da própria parte”.

Na SDI-1, o relator do recurso de embargos, ministro Lelio Bentes Corrêa, destacou que “não é facultado ao reclamado, em momento posterior à audiência, protocolizar a contestação na secretaria”. O relator concluiu, então, que, “não tendo a reclamada, na audiência em que estava representada por seu preposto, oferecido defesa, resulta forçoso concluir pela extemporaneidade da contestação protocolizada na secretaria da Vara quando já iniciada a audiência inaugural. Correta, portanto, a aplicação da pena de revelia”. Diante dos fundamentos do relator, a SDI-1 decidiu não conhecer dos embargos. (E -RR - 25400-39.2005.5.10.0001)

Lourdes Tavares

Extrapolação habitual da jornada de seis horas gera direito a intervalo mínimo de uma hora

28/06/2010 - 06:02 | Fonte: TRT3

Aplicando ao caso analisado a recente Orientação Jurisprudencial nº 380, da SBDI-1 do TST, a 2a Turma do TRT-MG modificou parcialmente a sentença e condenou o banco reclamado ao pagamento de uma hora extra diária, pela concessão irregular do intervalo intrajornada, a uma trabalhadora cuja jornada legal era de seis horas.

A sentença indeferiu o pedido de pagamento de uma hora extra por dia (devidas por não ter a empregada gozado integralmente o intervalo intrajornada), sob o fundamento de que essa pausa é determinada pela jornada legal, que, no caso, era de seis horas. Em seu voto, o desembargador Jales Valadão Cardoso esclareceu que, embora a Súmula 21 do TRT da 3a Região leve ao entendimento adotado pelo juiz de 1o Grau, foi publicada, recentemente, a OJ 380, no sentido de que o empregado que ultrapassa habitualmente a jornada de seis horas tem direito ao intervalo mínimo de uma hora.

No caso, foi comprovado que a empregada trabalhava de 8 h às 18 h, com quinze minutos de intervalo, da admissão até maio de 2008, e, após essa data, até o término do contrato, com trinta minutos de pausa, conforme informado pela trabalhadora na inicial e confirmado em seu depoimento. Assim, segundo destacou o relator, ficou claro que havia irregularidade na concessão do intervalo.

O magistrado lembrou que a discussão sobre a falta de concessão ou concessão parcial do intervalo intrajornada e o pagamento desse período como hora extra já esta superada pela Orientação Jurisprudencial nº 307 do TST e pelas Súmulas 27 e 5 deste Tribunal. Acatando a nova orientação jurisprudencial, o desembargador deu razão parcial ao recurso da trabalhadora e condenou o banco reclamado ao pagamento de uma hora extra por dia trabalhado, com adicional de 50%, no que foi acompanhado pela Turma Julgadora.

( RO nº 01050-2009-140-03-00-1 )

Turma anula sentença arbitral e reconhece relação de emprego

Fonte: TRT3

Dando razão a um trabalhador, a Turma Recursal de Juiz de Fora modificou a sentença que julgou improcedentes os pedidos, sob o fundamento de ter sido proposta a ação após o prazo decadencial de noventa dias, previsto na Lei 9.307/96, para a parte requerer judicialmente a nulidade da sentença arbitral. Ou seja, no entender do Juízo de 1o Grau, ocorreu a extinção do direito pela falta de ação de seu titular, o que, em outras palavras significa dizer que ocorreu a decadência do direito.

Porém, ao analisar o recurso do trabalhador, o desembargador Heriberto de Castro interpretou os fatos de outra forma. Conforme explicou o magistrado, não se aplica, nesse caso, o prazo decadencial da Lei de Arbitragem, porque ele contraria o disposto no artigo 7o, XXIX, da Constituição da República, que é norma hierarquicamente superior. Antes que se decida se houve um contrato de representação comercial ou uma relação de emprego, o único prazo aplicável é o prescricional de dois anos. Assim, não é porque o trabalhador ajuizou a reclamação 112 dias após a intimação da sentença arbitral, quando a Lei 9.307/96 estabelece noventa, que houve a decadência do seu direito.

“Isso porque, a prescrição ou decadência, in casu, não pode ser considerada a priori, sem adentrar efetivamente no mérito da demanda, avaliando a existência ou não da pleiteada relação de emprego, porque somente depois de analisada essa premissa, poder-se-ia cogitar em decadência, nos moldes da Lei de Arbitragem, se ausentes os pressupostos insculpidos no art. 3º da CLT”- destacou o relator. Embora a reclamada tenha comparecido à audiência, negou-se a apresentar defesa, nem mesmo a oral, como autorizado pelo artigo 857, da CLT, e facultado pelo juiz. Dessa forma, a empresa é revel, o que acarreta como consequência a presunção de veracidade dos fatos alegados na petição inicial.

O desembargador ressaltou que, seja em decorrência da revelia, seja pela aplicação da Súmula 212, do TST, a presunção é de que a prestação de serviços do reclamante para a reclamada ocorreu nos moldes do artigo 3o, da CLT, o que caracteriza a relação de emprego, ainda que tenha sido formalizado um contrato com forma diversa. “E como antecipado alhures, uma vez reconhecida a relação de emprego, a sentença arbitral não tem lugar, mostrando-se impertinente o reconhecimento da decadência, nos moldes da Lei 9.307/96”- frisou, determinando o retorno do processo à Vara do Trabalho de origem, para o julgamento dos demais pedidos e para se evitar a supressão de instância.

( RO nº 01770-2009-037-03-00-6 )

sábado, 26 de junho de 2010

Direito, Estado e sociedade sob a óptica de Karl Marx

Elaborado em 06.2006.

Marselha Silvério de Assis

Analista Processual do Ministério Público da União. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte


1.INTRODUÇÃO

A revolução industrial provocou profundas transformações na Europa a partir do século XVIII. Ocorre que o artesão, que detinha os meios de produção e o produto de seu trabalho, naquele momento se tornava um membro da grande massa de operários a trabalhar nas oficinas e fábricas, privado de tudo. Isso porque as ferramentas e as matérias primas não eram mais suas, não sendo mais ele soberano de si mesmo e não mais se identificando com o produto de seu labor.

A industrialização engendrou uma crise social que atingiu níveis gigantescos. A permuta do homem pela máquina, na mesma medida em que majorava a produção, gerava uma grande quantidade de desempregados. Concorrendo com as fábricas, os artesãos faliam prontamente. Ademais, por ser o trabalho operário um exercício mecânico de alguma atividade, que não exige técnica, nem raciocínio, logo se constatou que a utilização de mulheres e crianças seria extremamente vantajosa, já que mais barata. A questão é que as horrendas condições em que trabalhavam só poderiam ter como consequência a enorme mortalidade infantil e sua desnutrição. Ademais, ao se processar a divisão social do trabalho, separam-se aqueles que pensam daqueles que agem. Daí que "a segmentarização do trabalho acabou por dividir também o saber do trabalhador" (Cotrim, 1999, p. 233-234).

A história da sociedade capitalista envolve, absolutamente, uma decisiva luta de classes. Enquanto os comerciantes organizam-se através do Estado Liberal, os proletários constituem-se em sindicatos e associações profissionais. Na primeira metade do século XIX, já se percebe esse enfrentamento através de greves e revoltas proletárias nos anos de 1830, 1848 e 1871 na França e sua intensa repressão pela burguesia. Com tais conflitos, verifica-se que as ilusões heroicas da Igualdade, Liberdade e Fraternidade da Revolução Francesa na verdade caem por terra. Isso porque todos os homens nasciam iguais, mas uns eram ricos e muitos, pobres. Ademais, todos eram livres, mas a massa de trabalhadores só tinha uma "liberdade": a de vender sua força de trabalho.

Em 1848 verifica-se um marco divisor. A partir daí, ou o pensamento sobre a sociedade se identifica com o movimento operário (pensamento social de Marx), ou se contrasta com ele (pensamento de veias restauradoras)1 .

A obra de Karl Marx não surge, portanto, na cultura e na história ocidentais por acaso. Ela é resultante desse contexto sócio-político determinado. É uma resposta aos problemas colocados pela sociedade burguesa e uma proposta de intervenção que tem como centro a classe operária. Com efeito, o autor pretende através da fusão de todo patrimônio cultural existente até ele com a intervenção política do proletariado, um modo novo de ver a sociedade burguesa: compreendê-la para suprimi-la! O conhecimento dessa sociedade é estreitamente relacionado ao projeto de destruição dela. E é esse projeto que imputa à filosofia de Marx um caráter essencialmente crítico. Para o autor, o filósofo não deve se restringir ao campo do pensamento e não lhe dar aplicação prática; e também não deve contentar-se com a mera constatação dos fatos. Ele deve proceder elaborando um pensamento que se sedimente num compromisso com o social, com a práxis, com a ação política transformadora da realidade existente (Marx e Engels, 1998).


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2.O PENSAMENTO SOCIAL DE MARX

Marx, junto à colaboração essencial de Engels, produziu um julgamento do capitalismo jamais visto. Com o Manifesto do Partido Comunista (1848), conclamou todos os trabalhadores, independente de suas nacionalidades, à união contra o Capitalismo (sendo que o processo de sindicalização tomou grande impulso a partir daí) (Marx e Engels, 2000). O pensamento do autor visa armar ideologicamente o proletariado; demonstrar com rigor científico a injustiça essencial do sistema e incitar a classe dominada a lutar por reformas político-econômico-sociais.

Na elaboração de sua doutrina social, o autor recebeu influência de três "teorias" em voga na Europa:

a) A Economia Política, destacando-se os nomes de Adam Smith e David Ricardo. Dela, Marx recupera a noção de trabalho-valor, observando, porém, que a realização do capital, a acumulação de riquezas não é produzida pelo trabalho em qualquer de suas formas, mas pelo trabalho não-pago;

b) O Socialismo Utópico, que denunciou a miséria da vida sob o capitalismo, a exploração do homem pelo homem. Deste, o autor retoma a exploração, mas não sob uma óptica pretensora de conciliação, numa sociedade ideal, dos princípios liberais com as necessidades emergentes do operariado e sim sob uma perspectiva de constatação de que, em verdade, os desacordos entre os interesses da burguesia e os do proletariado constituem uma mola que move o sistema capitalista e que é essencial à sua existência, conforme ensinamentos de Gilberto Cotrim (1999). Marx afirma que as tentativas de união de tais ideias são meramente ilusórias, restando, portanto, à prole a alternativa revolucionária de modo a interromper as contradições brutais do capitalismo;

c) A Filosofia Clássica Alemã, representada principalmente por Feurbach e Hegel. Daquele, Marx incorpora o materialismo. Entretanto, não em sentido filosófico, mas sob uma perspectiva histórica, porque "a sociedade, o Estado e o Direito não surgem de decretos divinos, mas dependem da ação concreta dos homens na História" (Chauí, 2001, p. 409). Já com relação a Hegel, o autor recupera a sua dialética, que diz ser o mundo movido por contradições (natureza/homem, capital/trabalho, campo/cidade), sendo que em vez da natureza circular da dialética de Hegel, formada por tese, antítese e síntese, Marx propõe uma espiral, na qual a "síntese" seria também uma "tese" para uma nova "antítese". Além disso, ao contrário de Hegel, que era um filósofo idealista ou especulativo, o autor era materialista. Este dizia ser a ação anterior ao pensamento e que o trabalho seria material, transformador da realidade, da natureza, em oposição ao trabalho espiritual de Hegel.

Marx propõe, através do Materialismo Histórico, que os homens não são meros seres contemplativos do mundo, não são apenas produto do meio (refutando, portanto, as teses deterministas), mas são também produtores da História. Para ele, como já foi dito, o modo de produção capitalista é sustentado por inúmeras contradições, sendo que elas se dão essencialmente no plano das classes sociais. Estas são a burguesia, aqui como classe detentora dos meios de produção e, portanto, dominante; e o proletariado, que tem como única riqueza o seu trabalho, tendo que o vender para sobreviver. Afirma também que as forças produtivas estão em constante desenvolvimento. Isso geraria uma competição entre os próprios capitalistas, na qual o vencedor seria o burguês que detivesse as mais avançadas técnicas produtivas. Como resultado, ter-se-ia uma redução do número de capitalistas e o aumento do montante da classe dominada, isto é, nos dizeres de Marx e Engels (2000), o capitalismo estaria criando o seu próprio coveiro. Esse desequilíbrio numérico cresceria tanto que seria inevitável uma revolução, pela qual a classe dominada chegaria ao poder e depois de um período de transição (o socialismo), instalar-se-ia uma sociedade sem classes.

A exploração dos trabalhadores seria essencial à ordem capitalista. Ela é caracterizada através da mais-valia. O professor Cláudio Vicentino (1997) explica que a mais valia corresponde ao valor da riqueza produzida pelo operário além do valor remunerado de sua força de trabalho. Tal diferença seria apropriada pelos capitalistas, sendo ela um fator crescente e imprescindível de capitalização da burguesia.

O autor analisa a sociedade dividindo o esqueleto social em duas partes: a infraestrutura, na qual surgiriam as classes sociais, a que ele chama de base material e dentro da qual desenvolver-se-iam todas as relações sociais de produção através das forças produtivas.

Para a compreensão da infraestrutura, é necessário entender que o acontecimento das lutas de classe nesta constituem o motor do modo de produção. Este é concebido como o meio através do qual os indivíduos produzem suas condições materiais de existência. Outro termo necessário definir são as forças produtivas. Segundo Augustin Cueva (1974), estas denotam as ferramentas por intermédio das quais poder-se-ia obter produtividade, isto é, a força de trabalho + tecnologia + terras + conhecimento. Ademais, as interações entre os indivíduos, ou destes com a natureza, ocorridas na infraestrutura, chamam-se relações sociais de produção.

Sobre essa infraestrutura material levantar-se-ia a superestrutura. Esta seria a reprodutora da dominação estabelecida naquela e seria composta por duas instâncias: uma delas é a jurídico-política, que tem por função mediar as relações materiais e tem como expressões máximas: o Direito (demonstração da luta de classes, sendo a lei vista como a consagração da ideologia burguesa) e a Burocracia, definida como um corpo de funcionários orientados a perpetuar as condições vividas na infraestrutura. A outra instância é a ideológica, na qual seriam construídos valores, ideias e representações que afirmariam as discrepâncias entre as classes sociais.

As classes sociais constituem a base de todo o pensamento do autor. Elas são determinadas pela posição que um grupo de indivíduos possui nas relações sociais de produção. Essa posição seria determinada pela propriedade ou não de bens. O grupo que os possuísse seria a classe dominante e o que não os detivesse, a classe dominada. As relações entre essas classes nascem na infraestrutura, sendo afirmadas, mantidas e reproduzidas pela esfera superestrutural (que também tem o papel de reprimir ataques ao status quo). Em última instância, Marx considera que as relações econômicas (infraestrutura) determinam o corpo superestrutural (Cueva, 1974).

Envolvendo ainda o tema das classes sociais, o autor desenvolve os conceitos de classe em si e classe para si. No momento em que um grupo de pessoas tem interesses comuns, um peculiar modo de vida, uma cultura característica, é formada uma classe em si, resultante da divisão social do trabalho, da matriz econômica. Quando esse grupo é capaz de lutar pelos seus interesses, atuando sobre a infraestrutura, e transformando-a, ele se torna classe para si, sujeito histórico da práxis. É essa transformação que Marx quer para o proletariado. Isso porque, como se pode abstrair dos ensinamentos de José Murilo de Carvalho, em sua obra Cidadania no Brasil, "não adianta haver uma grande massa de trabalhadores, se estes não pensam como proletários, mas como burgueses"2 (Carvalho, 2001, p. 228-229).


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3. MARX E A IDEOLOGIA

É bom que se compreenda a análise que Marx e Engels fizeram na Ideologia Alemã sobre a alienação, modificando algumas considerações de Hegel. Enquanto este falava em ideologia do espírito, Marx concebia a ideologia material. Marilena Chauí (1984) relata que para o primeiro, a ideologia acontece quando o indivíduo não se reconhece como sujeito produtor da realidade.

Entretanto, para Marx essa seria apenas um reflexo de algo superior que existe por trás: a alienação material (econômica). Nesse contexto, Marx argumentava que, paralelamente às ideias materiais, deveriam nascer as ideias dos homens. O problema é que à maioria deles não é dado o direito de saber que são produtores de ideias. Esta maioria apenas aceita e interioriza as da classe dominante. Isso porque há uma separação entre o produtor de ideias e as ideias propriamente ditas. A divisão social do trabalho, ao invés de gerar harmonia social, criou a ideologia, e esta, a alienação. Assim, um trabalhador de uma fábrica de parafusos, por exemplo, que é responsável apenas por pregar a cabeça dos mesmos, não conseguirá interiorizar ao entrar numa loja que aquilo é produto de seu trabalho. Isso porque a divisão social do trabalho divide o saber do trabalhador!

Ademais, Marx fala em reificação. Ele afirma que processos inteiros são transformadas em meras coisas alheias aos homens e às suas relações (por exemplo, o capital que é uma relação, aparece como dinheiro, equipamentos, etc.). O autor conecta, portanto, à alienação e à reificação, o fetichismo da mercadoria, explicando que elas são instrumentos de dominação, exploração e de opressão burgueses (Chauí, 1984). A classe dominante inventa uma realidade (de pensamentos, representações) universal, quando na verdade se sabe que ela não é homogênia. Isso porque cada classe possui seus anseios. A questão é que a burguesia expõe de maneira sutil que suas ideias são úteis para toda a sociedade. O pensamento ideológico é abstrato, imediato e aparente. Os objetos são vistos como se tivessem vida própria, não sendo questionados de onde vêm (é importante notar que o capitalismo tira o homem do centro das relações e põe o capital). Assim, até sentimentos humanos pertencem ao mundo financeiro. Quando se acorda pela manhã e se liga a televisão, a primeira notícia que se vê é: a bolsa acordou em choque, ela sofreu uma queda, está em crise, ou mesmo cambaleia. Só o que falta é ela amar, chorar ou sonhar!

Ele é abstrato porque se afasta de como as ideias deveriam ser, é um produto da consciência. É imediato porque é o que se vê primeiro, como se fosse um cartão de visitas3. A ideologia se opõe, então, ao concreto, real, e mediato. Ela é um processo de separação entre o saber intelectual e a produção da vida real. Isto porque o trabalhador não consegue pensar sobre o que tem por trás daquilo que é posto como verdade. Ela inverte e abstrai a realidade, omitindo a base real da história (a divisão social) ou invertendo-a; troca-se a causa pelo efeito, ou o sujeito pelo objeto (Chauí, 1984).

Em outras palavras, os trabalhadores não só não se reconhecem como autores ou produtores das mercadorias, mas ainda acreditam que elas valem o preço que custam e que não podem tê-las porque valem mais do que eles.


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4. O ESTADO E O DIREITO NA VISÃO DE MARX

O autor concebe o Estado não como curador social que tem por função obter o bem comum da sociedade e proteger os interesses universais, como pensou Durkheim, nem também como o Estado ético-racional, perene, sem história, superior a sociedade civil, como propunha Hegel. Ele analisa-o relacionado à realidade política como reflexo da sociedade civil e, portanto, como decorrente de uma luta de classes. O Estado, para o autor, localiza-se na esfera superestrutural, sendo seu surgimento necessário para ordenar essa luta de classes, amenizando-a. Fazendo isso, o Estado atende aos interesses dos proprietários4, já que a intensificação dos conflitos pode gerar uma superação da realidade e à classe dominante interessa a permanência da situação vigente.

Para ele, o Estado é o braço repressivo da burguesia. Ele utiliza-se da coerção para garantir a ordem infraestrutural. Marx teoriza que as forças produtivas do modo de produção capitalista deveriam ser desenvolvidas ao máximo até as contradições entre as classes tornarem-se insuportáveis. Nesse momento, o povo chegaria ao poder e as decisões seriam tomadas pela própria massa popular. Dentre essas decisões, estaria a socialização das propriedades, enquanto que o Estado, e consequentemente o Direito (já que este é produto daquele) iriam perdendo as suas funções até se extinguirem completamente. Isso porque tais institutos não seriam mais necessários numa sociedade na qual todas as pessoas estariam numa mesma situação diante da base material (não existiriam mais classes sociais, então não haveria mais necessidade de algo que regulasse as contradições entre elas).

O Estado é a expressão legal – jurídica e policial – dos interesses de uma classe social particular, a classe dos proprietários privados dos meios de produção ou classe dominante. Ele "não é uma imposição divina aos homens nem é o resultado de um pacto ou contrato social, mas é a maneira pela qual a classe dominante de uma época e de uma sociedade determinadas garante seus interesses e sua dominação sobre o todo social" (Chauí, 2001, p. 411).

O Direito configura-se como fenômeno social, produto também das contradições provenientes da base material. Seu estudo, desse modo, há de ser feito relacionado a outras ciências (especialmente a Economia), porquanto incorpora valores sociais. Essa tese é veementemente contraposta por Hans Kelsen, eminente jurista austríaco, de formação positivista, que defendeu a teoria pura do Direito, sob o fundamento de que para a construção de um conhecimento consistentemente científico o Direito deve abstrair-se dos aspectos políticos, morais, econômicos e históricos (Kelsen, 2000). No entanto, um pensamento coerente e estruturado não admite um estudo do Direito isolado das demais ciências, de maneira que a teoria pura do Direito de Kelsen sucumbiu ante a clareza com que a palavra Direito designa um acontecimento que tem conexão com outro conjunto de fenômenos sociais que se inscrevem no contexto do exercício do poder em uma sociedade.

Karl Marx organizou uma tese em que o Direito, como regra de conduta coercitiva, nasce da ideologia da classe dominante, que é precisamente a classe burguesa. O Direito é percebido como síntese de um processo dialético de conflito de interesses entre as classes sociais, que Marx denominou de luta de classes.

O autor acreditava existir uma influência incrivelmente forte do poder econômico sobre o Direito, atingindo também a cultura, a história e as relações sociais. Assim, a dominação econômica de uns poucos sobre tantos outros se legitima por intermédio de um Estado de Direito, cujo princípio capital é a lei.

Em suma, "tanto as relações jurídicas quanto as formas de Estado não podem ser compreendidas nem por si mesmas, nem pela chamada revolução geral do espírito humano, mas antes têm suas raízes nas condições materiais de existência" (Marx e Engels, apud Bobbio, 2000, p. 129). Ademais, o Direito não nasce espontaneamente dessas relações, mas é posto pela vontade. O problema que se verifica é que tal vontade é somente aquela dos que possuem o poder estatal, ou seja, a vontade da classe dominante, sendo o Direito expresso de um lado pela lei e, de outro, como o conteúdo determinado dessa lei.


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5.CONCLUSÃO

A obra de Marx é inegavelmente de suma importância para a Idade Contemporânea, seja na Filosofia, Economia Política, na Sociologia ou no Direito. Ela não constituiu apenas um grito de dor do proletariado, já que sua dialética econômica da história denunciou "uma guerra ininterrupta entre homens livres e escravos, patrícios e plebeus, burgueses e operários, enfim, entre dominantes e dominados" (Marx e Engels, 2000, p. 45), mas não se restringiu a isso. Propôs uma mudança através da revolução proletária. É então, impossível desconsiderar o pensamento de Marx em seu profundo papel modificador e crítico da sociedade.

De seus ensinamentos não se pode abstrair uma teoria sistêmica sobre o Direito. Apesar disso, através de seus escritos, evidencia-se um direito de papel decisivo na fixação das contradições do Sistema Social Ocidental. O Direito coloca-se muito mais que um instrumento pacificador dos conflitos sociais. Isso porque sob sua perspectiva ideológica verifica-se que o Direito representa um discurso do Poder.

De fato, o Direito, assim como a Justiça, não é um fenômeno universal, conforme a classe dominante insiste em afirmar. Como bem ressalta o professor Roberto Aguiar, in verbis:

as normas jurídicas e os ordenamentos jurídicos, como todos os atos normativos editados pelo poder de um dado Estado, traduzem de forma explícita, seja em seu conteúdo, seja pelas práticas que o sustentam, as características, interesses, e ideologia dos grupos que legislam. (Aguiar, 1999, p. 115).

Assim, o Direito não pode ser entendido como um acontecimento neutro e desinteressado nas lutas de classes. Ele não é idealista, mas vinculado à práxis. Prova disso é que quando ocorre uma revolução, a primeira mudança ocorre na esfera jurídica. Esta irá traduzir outros interesses. Afinal: "ninguém legisla contra si mesmo" (Aguiar, 1999, p. 116).

Ora, as leis beneficiam muito mais os proprietários. Isso se verifica, por exemplo, quando o Ordenamento Jurídico reprime mais os crimes contra as coisas, que aqueles contra as pessoas, demonstrando que aquelas são mais importantes que os seres humanos.

É preciso recolocar o homem no centro das relações sociais; conceber o Direito como fenômeno parcial e comprometido sim, mas não com as minorias. Isto significa perceber uma ordem jurídica respaldada nos interesses das maiorias. Tal sistema transformador há de ter uma chance muito grande de ser justo, haja vista que configuraria uma antítese para a tese do sistema opressor em que vivemos. Até a sua concepção, a postura do conformismo é que não deve ser adotada. Isso porque a imagem do direito justo pode aparecer na aplicação das leis burguesas, desde que se utilize uma ideia renovadora, envolta ao viés do uso alternativo do Direito.


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REFERÊNCIAS

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COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral. 1 ed. Vol único. São Paulo: Saraiva, 1999.

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KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6 ed. Tradução de João Baptista de Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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Notas

1 Os restauradores lamentavam a "anarquia" e a destruição das sagradas instituições advindas com o capitalismo e os românticos, que idealizavam a idade Média, refugiavam-se num passado idílico.

2 Poder-se-ia comparar esta situação com o que aconteceu recentemente no RJ. Lá, um grupo de sem-teto reivindicava - ao invadir um shopping - o direito de consumir. Ora, eles não queriam ser cidadãos, mas consumidores! Não queriam o fim do sistema opressor, mas desejavam apenas a cidadania pregada pelos novos liberais.

3 Quando se vai a uma loja de roupas, não se vê quantos operários foram explorados, quanto se poluiu a natureza, ou quantos trabalhadores morreram em acidentes de trabalho. Vê-se apenas as mercadorias.

4 Sobre o mesmo assunto: "O poder político sempre foi a maneira legal e jurídica pela qual a classe economicamente dominante de uma sociedade manteve seu domínio. O aparato legal e jurídico apenas dissimula o essencial: que o poder político existe como poderio dos economicamente poderosos, para servir seus interesses e privilégios e garantir-lhes a dominação social." Chauí (2001, P. 411).

sexta-feira, 25 de junho de 2010

José Carlos Gratz recorre ao STF contra Lei da Ficha Limpa

Fonte: STF

Os advogados de José Carlos Gratz (PSL), ex-presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, que teve seu mandato cassado, impetraram Mandado de Segurança (MS 28907) no Supremo Tribunal Federal (STF), no qual pedem que seja reconhecido seu direito líquido e certo de participar de convenções partidárias e de ter seu pedido de registro de candidatura deferido. No mandado de segurança, é pedida liminar para suspender os efeitos do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no sentido de que a Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010) aplica-se às eleições deste ano. A defesa pede que seja expedido ofício ao TRE do Espírito Santo para que Gratz não seja impedido de participar do processo eleitoral.

No MS, os advogados afirmam que Gratz é "uma das maiores lideranças políticas do estado e o maior representante da oposição ao poder absoluto do governador Paulo Hartung, que por este motivo é vítima de perseguição política que se arrasta desde 2002 e resultou no ajuizamento de mais de 200 ações civis e penais públicas, sem que tenha uma única condenação transitada em julgado". Juridicamente, a defesa sustenta que a Lei da Ficha Limpa afronta decisão do STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamento (ADPF) 144, na qual os ministros da Corte decidiram que somente condenações definitivas podem gerar inelegibilidade de candidatos.

“A matéria jamais poderia ser tratada por simples lei complementar. Para acanhar, eliminar ou esvaziar direitos e garantias individuais, seria necessária a instituição de uma inteiramente nova ordem constitucional, oxalá elaborada por nova Assembleia Nacional Constituinte. Assim, por padecer de flagrante vício de iniciativa, por descumprir inteiramente o devido processo legislativo previsto no bojo da ainda vigente Constituição deste país, a Lei da Ficha Limpa jamais poderia ter sido declarada válida pelo Tribunal Superior Eleitoral”, sustenta a defesa de Gratz.

O processo de votação da Lei da Ficha Limpa também é contestado por Gratz, em razão da emenda de redação aprovada pelo Senado. “Após ter seu texto aprovado pela Câmara dos deputados, durante a tramitação do respectivo projeto no Senado, sofreu alteração substancial do texto anteriormente aprovado na câmara baixa, feita por iniciativa do senador Francisco Dornelles". O texto original conferia efeitos retro-operantes à Lei da Ficha Limpa, pois instituía a vedação de candidaturas de políticos que tenham sido condenados de forma pretérita, diz o MS. "Contra mais essa aberração, o Senado, corrigindo-a, restringiu seus efeitos a condenações posteriores à Lei da Ficha Limpa, da qual passou a constar, no tempo verbal futuro, ‘que forem condenados’”.

O Mandado de Segurança tem como relator o ministro Dias Toffoli.

Processos relacionados
MS 28907

Transportadora de malote bancário deve indenização em caso de assalto, não podendo alegar motivo de força maior

25/06/2010 - 09:10 | Fonte: STJ

Empresas transportadoras contratadas por instituições bancárias têm o dever de indenização em caso de roubo de malote, não podendo se eximir de tal responsabilidade sob a alegação de força maior. A conclusão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou provimento a recurso especial da Nordeste Segurança de Valores Ltda. contra a Caixa Econômica Federal (CEF).

A CEF assinou, em março de 1998, contrato de coleta, transporte e entrega de malotes, para o recolhimento e entrega de documentos não postais e materiais das instituições financeiras associadas entre as dependências centralizadas do sistema. Em setembro de 1999, um veículo de propriedade da transportadora foi assaltado, tendo sido roubados vários malotes de documentos da CEF da cidade de Vitória de Santo Antão (PE).

Na ação, a Caixa requereu indenização por danos materiais no valor de R$ 70.378,82, a título de ressarcimento pelos prejuízos causados à instituição. Em primeira instância, a ação foi julgada procedente. Inconformada, a empresa apelou, alegando motivo de força maior. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) negou provimento à apelação e manteve a sentença.

“Havendo um contrato de transporte, de natureza comercial, entre o banco dono da mercadoria e a transportadora, contrato esse pelo qual esta última se obrigou a transportar malotes e entregá-los em seu destino, acobertando os riscos diante da responsabilidade contratual, presume-se sua culpa, no caso de sinistro, salvo prova de caso fortuito ou força maior”, afirmou o desembargador, após examinar a apelação.

Ainda segundo o TRF5, a caracterização da força maior para a exclusão do dever de indenizar depende de prova da imprevisibilidade do dano. “No entanto, em se tratando de transporte de mercadorias com valor, o possível roubo é previsível, impondo ao transportador a cautela, no sentido de evitar o resultado danoso”, acrescentou o relator na decisão.

No recurso para o STJ, a transportadora argumentou que a CEF não provou a responsabilidade da empresa em arcar com os danos materiais. “Não há qualquer prova da existência do suposto valor de R$ 70.378,82”, afirmou a defesa. Insistiu, também, na existência de força maior, em virtude da ocorrência de assalto, o que afastaria a sua responsabilidade.

Em decisão unânime, a Quarta Turma negou provimento ao recurso especial. Em seu voto, o ministro Aldir Passarinho Junior, relator do caso, observou, inicialmente, que instituições financeiras têm responsabilidade pelos bens sob sua guarda, uma vez que a segurança de valores é serviço essencial à atividade econômica desenvolvida.

“Ora, se a instituição financeira não se pode eximir da responsabilidade ao argumento da força maior, com igual propriedade a empresa encarregada pelo transporte, quando presta serviços a uma instituição bancária, pela natureza e valor dos bem”, afirmou o relator.

Ao negar provimento, o ministro afastou, também, a alegação de força maior. “Com efeito, tanto é previsível a existência de assaltos que a própria transportadora se assegura de todas as cautelas de estilo, como por exemplo o uso de carros-fortes, seguranças armados, dentre outras”, concluiu Aldir Passarinho Junior.

Processo relacionado: Resp 965520

Hacker que invadiu contas de Obama e Britney no Twitter é condenado

A justiça da França condenou na noite desta quinta-feira (24) a cinco meses de liberdade condicional o jovem francês acusado de invadir as contas do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e da cantora Britney Spears, em 2009.

François Cousteix, de 23 anos, mostrou-se aliviado com a pena e não apelará da decisão do Tribunal de Clemont-Ferrand.

A sentença, no entanto, é mais dura que a solicitada pelo Ministério Fiscal, que havia pedido apenas dois meses de pena por um delito que poderia ter custado até dois anos de prisão ao hacker. Cousteix também invadiu a conta de Evan Williams, criador do Twitter.


O jovem, que tem diploma de formação profissional em Eletrônica, se defendeu diante do Tribunal alegando que não tinha destruído nada e que seu delito foi uma "ação preventiva para alertar os internautas" sobre a escolha de suas senhas de acesso.

Em algumas ocasiões, não é necessário hackear a conta na rede social, basta fingir que se esqueceu da senha e responder a uma pergunta de segurança, que pode ser tão óbvia como a cidade de nascimento do titular ou o nome de seu animal de estimação.

Cousteix foi detido em 24 de março deste ano pelas polícias francesa e americana especializadas em crimes na internet.

General Motors livre de multas aplicadas por órgão de defesa do consumidor

A General Motors do Brasil está isenta do pagamento de multas cumulativas aplicadas por diferentes órgãos de defesa do consumidor, os quais haviam autuado a empresa por infrações decorrentes de um mesmo fato. O problema ocorreu com os modelos Corsa e Tigra, cujos proprietários foram convocados num recall para instalação de reforço no sistema de ancoragem dos cintos de segurança. A decisão é da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Por causa da falha na fabricação dos veículos, a montadora foi multada em R$ 3.192.300,00 pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça. Ao mesmo tempo, a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) de São Paulo aplicou multa de R$ 1.360.945,00.

A empresa obteve mandado de segurança no Tribunal de Justiça de São Paulo para afastar a duplicidade de multas. O Procon interpôs recurso especial ao STJ com o objetivo de rever a decisão da Justiça paulista, mas a Primeira Turma rejeitou o pedido de forma unânime.

Segundo o entendimento dos ministros, a possibilidade de tanto os órgãos federais quanto os estaduais poderem atuar na defesa do consumidor não autoriza a aplicação de multas cumulativas pelo mesmo fato.

“A concorrência de competências administrativas para a tutela do consumidor visa a assegurar a eficiência da defesa consumerista, não sendo lícito, entretanto, admitir-se que, pela mesma infração, todas as autoridades possam sancionar”, afirmou o ministro Luiz Fux, integrante da Primeira Turma.

Processo relacionado: Resp 1087892

Bancária consegue afastar prescrição em ação por danos morais

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho descartou a prescrição aplicada pelo Tribunal Regional da 18ª Região (GO), em ação trabalhista na qual uma empregada do Banco do Brasil reivindicou indenização por dano moral, em decorrência de doença ocupacional que a levou à aposentadoria precoce. A fixação do marco prescricional nesses casos é sempre uma “questão tormentosa, dada a dificuldade em se estabelecer a data do ato lesivo”, manifestou o relator, ministro Aloysio Corrêa da Veiga.

No caso, a bancária começou a sentir os primeiros sintomas da doença em 1994, mas apenas em 1998 o mal foi diagnosticado como Síndrome do Túnel do Carpo e Tenossinovite, decorrentes de sua atividade laboral. Em março de 2005, ela foi afastada do trabalho e, em agosto de 2007, aposentada por invalidez. Em maio de 2008, entrou com ação trabalhista. O Tribunal Regional entendeu que o prazo para ajuizamento da ação já havia se esgotado, pois ela tomou ciência da doença em 98 e assim sua ação já tinha sido “fulminada pelo instituto da prescrição quinquenal, prevista no artigo 7º, XXIX, da Constituição”.

Diferentemente desse entendimento, o relator avaliou que é a partir da aposentadoria por invalidez, quando a bancária certificou-se da “real extensão do dano sofrido e, por conseguinte, de sua incapacidade para o trabalho”, que deve começar a fluir o prazo prescricional. É o que estabelece a Súmula nº 278 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “o termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral”.

Os ministros da Sexta Turma concordaram com relator e aprovaram unanimemente a sua decisão de afastar a prescrição e determinar o “retorno dos autos ao Tribunal Regional “a fim de que aprecie os pedidos constantes da reclamação trabalhista, como entender de direito”. (RR-93600-44.2008.5.18.0010)

Copa do Mundo: TST altera expediente nos dias de jogo da Seleção Brasileira

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Milton de Moura França, assinou, no dia 18/6, ato administrativo alterando o horário do expediente durante o Campeonato Mundial de Futebol. Nos dias em que a Seleção Brasileira jogar no período da tarde, o expediente no Tribunal será das 7h às 13h. A medida foi adotada para minimizar os transtornos aos servidores e os graves problemas de trânsito em função da elevada concentração de veículos circulando em Brasília no horário de saída anteriormente estabelecido (14h).

Convém atentar para os seguintes aspectos relacionados com o atendimento ao público e com os prazos processuais:
§ 1º Na hipótese do inciso I, o atendimento ao público externo ficará antecipado para as 7 horas na Secretaria Judiciária, nas Secretarias dos Órgãos Judicantes, na Coordenadoria de Recursos e na Coordenadoria de Cadastramento Processual (Protocolo).

§ 2º A diferença entre a jornada diária normal e a fixada neste Ato deverá ser compensada até 31 de julho de 2010, sob a supervisão da chefia imediata.

Art. 2º Os prazos processuais que se encerrarem nessas datas ficarão prorrogados para o primeiro dia útil subsequente.

Redução de pena para acusados de crimes sexuais divide STJ

Redução de pena para acusados de estupro e atentado ao pudor divide STJ

Extraído de: Última Instância - 23 de Junho de 2010

A aplicação da nova Lei de Crimes Sexuais (Lei 12.015/2009) para reduzir a pena de condenados por estupro e atentado violento ao pudor divide, neste momento, o STJ (Superior Tribunal de Justiça).

De um lado, a 6ª Turma do Tribunal considera crime único o estupro (penetração vaginal) e outros tipos de abuso sexual realizados contra a mesma vítima, o que tem levado à redução da pena de acusados de crimes sexuais em todo o país.

Já a 5 ª Turma do STJ entende que, mesmo após a nova Lei, estupro e atentado ao pudor são crimes distintos -somando-se, portanto, as penas.

Baseando-se no primeiro entendimento, a 6ª Turma reduziu, em abril deste ano, a pena de homem que havia sido condenado a 21 anos de prisão por estuprar e violentar a filha de 10 anos. No caso, os ministros consideraram um crime único tentativas de abuso realizadas em dias diferentes.

A decisão gerou protestos de promotores e juízes, que classificaram a nova lei de "tragédia jurídica" e levou o Senado a estudar uma nova alteração na legislação.

Mesmo antes do posicionamento do Congresso, a 5ª Turma decidiu dar nova interpretação à Lei 12.015/2009. Em julgamento finalizado nesta terça-feira (22/6), os ministros adotaram a tese de que o novo crime de estupro é um tipo misto cumulativo, onde devem ser analisadas individualmente as condutas criminosas.

Seguindo o entendimento do relator do caso, Felix Fischer, o colegiado entendeu também que, havendo atos com modo de execução distinto, não se pode reconhecer a continuidade entre os delitos.

O caso

O tema foi discutido no julgamento de um pedido de habeas corpus de um homem condenado a 15 anos de prisão por estupro e atentado violento ao pudor, na forma continuada, contra menor de 14 anos. Isso segundo tipificação do Código Penal, antes das alterações introduzidas pela Lei n. 12.015/2009.

Para o ministro Felix Fischer, não é possível reconhecer a continuidade delitiva entre diferentes formas de penetração. O ministro entende que constranger alguém à conjunção carnal não será o mesmo que constranger à prática de outro ato libidinoso de penetração, como sexo oral ou anal, por exemplo. "A execução de uma forma nunca será similar a da outra. São condutas distintas", concluiu o ministro. Fischer afirmou que esse entendimento enfraquece a proteção da liberdade sexual, já que sua violação deixa marca permanente nas vítimas e é crime hediondo.

No julgamento, a ministra Laurita Vaz apresentou voto-vista acompanhando o ministro Fischer. Ela foi relatora de processo similar julgado na mesma sessão em que a tese foi aplicada por unanimidade. A ministra ressaltou que, "antes da edição da Lei n. 12.015/2009, havia dois delitos autônomos, com penalidades igualmente independentes: o estupro e o atentado violento ao pudor. Com a vigência da referida lei, o art. 213 do Código Penal passa a ser um tipo misto cumulativo".

Ainda segundo a ministra Laurita Vaz, "tendo as condutas um modo de execução distinto, com aumento qualitativo do tipo de injusto, não há a possibilidade de se reconhecer a continuidade delitiva entre a cópula vaginal e o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, mesmo depois de o legislador tê-las inserido num só artigo de lei".

Com os posicionamentos opostos entre as duas Turmas do STJ, a divergência terá que ser solucionada pela 3ª Seção da Corte, que reúne os ministros dos dois colegiados.

Autor: Da Redação

domingo, 20 de junho de 2010

Testamento vital e o ordenamento brasileiro

Elaborado em 05.2010.

Adriano Marteleto Godinho

Professor Universitário. Mestre em Direito Civil pela UFMG e Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa. Advogado.


Em 2009, no Uruguai, foi aprovada a lei que que instituiu naquele país o denominado "testamento vital", também conhecido como "declaração de vontade antecipada", já admitido em alguns países europeus e nos Estados Unidos, onde se consagrou o "living will". A lei uruguaia, de número 18.473, contém onze artigos, estabelecendo o primeiro deles que toda pessoa maior de idade e psiquicamente apta, de forma voluntária, consciente e livre, pode expressar antecipadamente sua vontade no sentido de opor-se à futura aplicação de tratamentos e procedimentos médicos que prolonguem sua vida em detrimento da qualidade da mesma, se se encontrar enferma de uma patologia terminal, incurável e irreversível. Isso permite que a pessoa possa antecipadamente declarar que recusa terapias médicas que apenas prolongariam sua existência, em detrimento da sua qualidade de vida.

A aprovação de lei neste sentido em um país vizinho dá a pensar sobre a possível legitimidade do testamento vital no Brasil. Não há norma jurídica no país que regulamente a figura, embora não exista razão que impeça a discussão de sua validade. Por não vigorar, quanto aos atos jurídicos, o princípio da tipicidade, os particulares têm ampla liberdade para instituir categorias não contempladas em lei, contanto que tal não venha a afrontar o ordenamento.

O testamento vital consiste num documento, devidamente assinado, em que o interessado juridicamente capaz declara quais tipos de tratamentos médicos aceita ou rejeita, o que deve ser obedecido nos casos futuros em que se encontre em situação que o impossibilite de manifestar sua vontade, como, por exemplo, o coma. Ao contrário dos testamentos em geral, que são atos jurídicos destinados à produção de efeitos post mortem, os testamentos vitais são dirigidos à eficácia jurídica antes da morte do interessado.

Já que o instituto não encontra previsão legal no país, não há como afirmar categoricamente quais seriam seus requisitos formais, o que não é despiciendo: a qualquer ato jurídico a que faltem pressupostos de ordem formal é cominada a sanção da nulidade, nos termos dos arts. 104, III e 166, IV do Código Civil. Por outro lado, constata-se que os atos jurídicos, em geral, independem de forma, a não ser quando a lei expressamente eleja alguma, conforme dispõe o art. 107, também do Código Civil. Em tese, pois, poder-se-ia alegar que, como a lei não contempla qualquer solenidade para a prática do ato em questão, a forma seria livre.

Para evitar o risco de ser proclamada a invalidade do testamento vital, pode-se entender que, no mínimo, o documento deve cumprir os requisitos de validade da mais "informal" das modalidades ordinárias de testamento – o particular –, que exige que o texto seja escrito de próprio punho ou por processo mecânico, sem rasuras, na presença de pelo menos três testemunhas, que também devem subscrevê-lo, conforme determina o art. 1.876 do Código Civil. A propósito, a legislação uruguaia cuidou de estabelecer os pressupostos formais de validade do instrumento, que deve conter a assinatura do interessado e de duas testemunhas, não podendo testemunhar o médico responsável pelo tratamento, seus empregados os os funcionários da instituição de saúde responsável pelo paciente. Ademais, a feitura do documento por meio de instrumento público é mera faculdade, sendo reconhecida a validade do ato quando realizado por instrumento particular. De todo modo, a possível edição de lei específica sobre o assunto no Brasil reclamaria a indicação dos pressupostos formais relativos ao testamento vital.

No Brasil, para além da questão formal, cabe proclamar que o testamento vital deve ser realizado pelo interessado plenamente capaz (embora os testamentos contemplados pelo Código Civil possam ser realizados pelos maiores de 16 anos, consoante estipula o seu art. 1.860, parágrafo único), sendo também fundamental averiguar se o consentimento é prestado de forma livre e espontânea, isto é, isento de erro, dolo ou coação. Por analogia com as regras civis concernentes aos testamentos, a capacidade do agente deve ser averiguada no momento da realização do ato, uma vez que "a incapacidade superveniente do testador não invalida o testamento, nem o testamento do incapaz se valida com a superveniência da capacidade". Além disso, compete reconhecer a revogabilidade do ato a qualquer tempo, também por analogia ao art. 1.858 do Código Civil, que determina que "o testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo". Caminha neste sentido, a propósito, a previsão contida no art. 4º da lei uruguaia.

Ultrapassada a análise dos requisitos de validade, subsistirá a discussão quanto ao conteúdo do documento. Afinal, não estão assentadas as discussões a respeito da possibilidade de recusa a tratamento médico necessário para preservar a vida do paciente, ou quanto à legitimidade da supressão da vida humana pela eutanásia, nem mesmo nos casos de ortotanásia (ou eutanásia passiva), em que ocorre a interrupção de tratamento vital, deixando-se de ministrar a medicação adequada ao paciente em estado terminal e irreversível. Por isso, ainda que se reconheça a possibilidade da elaboração de um testamento vital, embora sem previsão legal, poderia surgir outro empecilho à validade do ato: como os arts. 104, II e 166, II do Código Civil exigem que todo ato jurídico depende da licitude do objeto, poderá ser questionada a subsistência do testamento vital, sobretudo por aqueles que entendem que a vida, bem maior de todos, deve sempre ser preservada a qualquer custo, ainda que contra a vontade do próprio paciente.

Aqui, no entanto, devemos apontar que admitimos ser direito do paciente optar pela submissão ou não a qualquer tipo de intervenção médica. Além disso, nos manifestamos a favor da morte digna e da possibilidade de haver a interrupção de tratamentos que apenas prolonguem a vida do paciente que já se encontre em estágio irreversível. Portanto, compete estabelecer as balizas do entendimento que adotamos: de plano, proclamamos à partida que a vida, além de não ser disponível, prevalece sobre todos os demais direitos, por ser aquela o alicerce destes. Por isso, em situações em que se coloca em causa o direito à vida, numa eventual colisão com outros bens ou valores, pode-se defender que, em princípio, a primazia recai sobre o primeiro.

Porém, em situações extremas, é válido mitigar este posicionamento. Veja-se, num primeiro passo, que a vida humana é de fato um direito irrenunciável e inviolável, havendo casos, nada obstante, em que o próprio ordenamento admite validamente a sua supressão – é o que se passa com a legítima defesa ou o aborto, nos excepcionais casos em que este é autorizado. O que se questiona é se a vida humana há de ser preservada a qualquer custo ou se, por outro lado, não se pode atestar que morrer dignamente é decorrência do preceito da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente tutelado.

Adentramos a seara da eutanásia, que comporta diferentes perspectivas: na eutanásia ativa direta, provoca-se a morte do paciente, para aliviar-lhe o sofrimento; na eutanásia ativa indireta, não há a intenção de suprimir a vida, mas de aplicar ao paciente medicamentos que, embora abreviem o sofrimento, podem ter por efeito a morte; na eutanásia passiva ou ortotanásia, simplesmente se deixa de aplicar ao paciente a medicação adequada, havendo a interrupção de tratamento vital, o que nos parece solução perfeitamente admissível.

Reforçando este último entendimento, encontra-se no capítulo I do novo Código de Ética Médica, que prevê os seus princípios fundamentais, o item XXII, nos seguintes termos: "nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados". Assim, desde que se comprove o estágio terminal e irreversível do paciente, a interrupção do tratamento que o mantém vivo não pode configurar ato ilícito, por não haver sentido em prolongar a vida de uma pessoa nestas condições, impingindo-lhe um dever de viver, quaisquer que sejam as condições. O novo Código de Ética Médica, nesse particular, se afastou da distanásia, que representa o ato tendente ao prolongamento artificial da vida, já que não deve o médico empreender condutas inúteis ou obstinadas, que apenas retardariam a morte de uma pessoa.

Por isso, concluímos que a vida humana não pode ser analisada à margem da discussão sobre a dignidade do indivíduo, muito embora ainda sejam necessárias profundas e urgentes reformas na legislação penal brasileira, com o objetivo de determinar quais condutas seriam permitidas ou vedadas nessa área. Se a vida, por um lado, não é um bem jurídico disponível, não cabe, por outro lado, impor às pessoas um dever de viver a todo custo, o que significa, assim, que morrer dignamente nada mais é do que uma decorrência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana.

Diante das bases expostas, resta concluir que o testamento vital não somente deve encontrar espaço no ordenamento brasileiro, como urge reconhecer sua validade por meio de lei, o que consagra o direito à autodeterminação da pessoa quanto aos meios de tratamento médico a que pretenda ou não se submeter.

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