segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A correta interpretação da exigência do "comum acordo" para o ajuizamento do dissídio coletivo

http://jus.uol.com.br/revista/texto/18581

Publicado em 02/2011

Evandro Luis Urnau

Introdução

A Emenda Constitucional nº 45/2004 incluiu a exigência do "comum acordo" para o ajuizamento do dissídio coletivo no artigo 114, §2º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB).

A doutrina e a jurisprudência protecionista logo se voltaram contra esta alteração, já que estaria retirando o poder normativo da Justiça do Trabalho e deixando desprotegidos os trabalhadores, pois a utilização do dissídio coletivo não poderia ser restrita à existência do "comum acordo".

A exigência do "comum acordo" começou, então, a ser relativizado, passando os Tribunais a entenderem como preenchido este pressuposto processual quando uma das partes comprovadamente se recusasse à negociação.

Todavia, este não é a melhor interpretação para o dispositivo, notadamente por se afastar da intenção teleológica da alteração constitucional e porque incompatível com a democracia.


Institucionalização do Direito do Trabalho

O Direito do Trabalho no Brasil, na sua fase de institucionalização, que vai de 1930 a 1945, importou sistemas europeus autocráticos de organização coletiva, com a intervenção estatal no conflito social. Estes sistemas autocráticos foram abandonados na Europa após a II Guerra Mundial, mas mantidos no Brasil.

Embora a Constituição de 1988, depois de mais de 45 anos de nenhuma ou muito pouca liberdade, trouxe inovações democráticas, reconhecendo uma maior importância da pessoa humana e devolvendo, em certa medida, à própria sociedade o poder para a resolução dos conflitos sociais. A liberdade de organização sindical, sem interferência no Estado, e o reconhecimento das negociações coletivas de trabalho são pontos importantes nesta nova fase do Direito Coletivo do Trabalho.

No entanto, nas negociações entre as elites sindicais e os reais democratas a sociedade novamente perdeu, pois foi mantido o imposto sindical obrigatório e a manutenção da unicidade sindical, dois pontos que dificultam a agregação de trabalhadores e a criação de uma identificação profissional. Além disso, também foi mantida a captação de lideranças pelo próprio Estado, como os juízes classistas, bem como a força normativa da Justiça do Trabalho, que simplesmente retira da sociedade a possibilidade de resolver o conflito social.

Os juízes classistas foram extintos, o que é uma grande vitória para a democracia. O poder normativo da Justiça do Trabalho, embora não extingo, foi fortemente mitigado pela EC nº 45/2004, e sua verdadeira interpretação vem sendo recusada pelos Tribunais.


O Dissídio Coletivo

O Dissídio Coletivo, antes da EC 45/2004, era ajuizado sempre que uma das partes se recusasse à negociação coletiva (artigo 616 da CLT), cabendo, inclusive, ao Ministério Público do Trabalho a instauração da instância na hipótese de greve em serviço essencial (artigo 114, §3º, da CRFB).

Até mesmo na hipótese de simples suspensão do trabalho, há quem diga que o dissídio coletivo poderia ser instaurado pelo Ministério Público do Trabalho ou pelo presidente do Tribunal. Mas este é um assunto para outro artigo.

Assim, as reinvidicações dos trabalhadores não atendidas eram levadas até o Tribunal do Trabalho para que o Poder Judiciário (leia-se Estado) resolvesse o conflito social. A doutrina protecionista (ou desprotecionista) sempre entendeu que não se pode desamparar os trabalhadores que não conseguiram negociar melhores condições de trabalho. No dissídio coletivo, então, os juízes do tribunal invariavelmente repetiam normas de negociações anteriores ou normas de classes operárias similares e concediam um reajuste salarial equivalente à inflação acumulada no período.

Ocorre que o artigo 8º, inciso I, da CRFB, determina a exclusão do Estado (incluído do Poder Judiciário) da organização sindical. O conflito social deve ser resolvido pela própria sociedade, de forma livre, e não pelo Estado, de forma impositiva e autoritária.

Alguns, lendo este texto, logo concluem que o autor é daquelas pessoas que só fala em favor das empresas, que é contra a melhoria da condição dos trabalhadores etc etc etc.

Muito pelo contrário.

Com efeito, quando um sindicato de trabalhadores realmente atuante, defendendo os interesses da categoria, busca melhores condições de trabalho e de salário, naturalmente não será atendido pelo empregador.

Os trabalhadores estão 100% dispostos a melhorar as condições de seu pacto laboral e exigem a humanização da prestação de trabalho e um mínimo ganho real de salário perante a inflação. Não são atendidos.

Os trabalhadores lançam mão, então, da única ferramenta efetiva de pressão que possuem contra o capital, qual seja, a greve, paralisando as atividades e causando real prejuízo ao empregador.

Sem demora, as empresas (ou o MPT ou o presidente do Tribunal) instauram o dissídio coletivo, onde, em sentença, chega-se a um "meio termo", o que não proporciona a melhoria da condição social dos trabalhadores, não passando, no mais das vezes, de esmolas concedida à classe operária.

Em uma sociedade verdadeiramente democrática, os trabalhadores continuariam em greve, forçando os empregadores à negociação, até que um acordo justo e razoável fosse encontrado pelas partes. No Brasil, ao contrário, se a greve continua é declarada ilegal, ficando autorizada a punição dos grevistas.

Ora, a intervenção do Poder Judiciário (Estado) no conflito social não se dá em favor do trabalhador, mas sim em benefício do próprio capital, pois força, em atitude evidentemente antidemocrática, os empregados a se resignarem ao que constar na sentença normativa.


A intenção da EC nº 45/2004

Este equívoco da intervenção estatal no conflito social tentou ser corrigido pelo constituinte derivado, impondo o "comum acordo" entre as partes para o ajuizamento do dissídio coletivo.

Isso significa que o conflito social somente deveria ser resolvido pelo Estado quando as partes assim o decidissem.

Deveras, a intromissão do Estado na organização sindical e na resolução dos conflitos sociais impede que os trabalhadores busquem melhores condições de trabalho, porquanto as pretensões obreiras não são atendidas pelo Poder Judiciário, devendo ser possibilitado ao operariado pressionar o capital com todas as forças que possui.

O dissídio coletivo tem se prestado, no mais das vezes, a declarar ilegais greves legítimas, que deveriam ser exercidas com total liberdade, nos termos do artigo 9º da CRFB.


Conclusão

A classe trabalhadora no Brasil está viciada por anos de autoritarismo e intervenção estatal no conflito social. Ocorreu a perda da identidade funcional. O sindicato, que deveria servir para reunir os trabalhadores, apenas os desagrega, notadamente porque seus dirigentes, de um modo geral, também perderam a afinidade com o trabalhismo, pois acabaram se aproximado do capital.

Neste contexto, deve ser dado aos próprios trabalhadores a possibilidade de resolução de suas divergências sociais envolvendo o capital. A negociação coletiva é a ferramenta maior para a pacificação social pela própria sociedade.

O vício intervencionista na sociedade gerou um comodismo entre os trabalhadores que, se não podem buscar a melhoria das condições de pactuação de sua força de trabalho, contentam-se com um mínimo de direitos para que sobrevivam.

Mas este circulo vicioso deve ser vencido, pois somente com a participação efetiva dos trabalhadores na resolução dos conflitos sociais é que trará justiça social e equilíbrio nas relações entre capital e trabalho.

Por essa razão que o Estado, inclusive o Poder Judiciário, deve se eximir de intervir na resolução dos conflitos sociais, deixando para a própria sociedade, negociadamente, encerrar as controvérsias.

Embora esta retirada do Estado possa significar, em um primeiro momento, uma sensação de desamparo ao trabalhador, somente com essa liberdade o empregado efetivamente terá voz e influência na melhoria das condições de trabalho, tendo consciência de que a estagnação de seus direitos se deve à própria inércia e falta de mobilização coletiva.

Como nos ensinou Martin Luther King: "O que mais preocupa não é o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem-caráter, dos sem-ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons".

Somente quando os trabalhadores, por conta própria, puderem buscar melhores condições de trabalho sem que o Estado intervenha e diga quais são ou não são reivindicações justas é que poderemos falar em Estado Democrático de Direito. "Proletários de todos os países, uni-vos!" (Karl Marx).

Sobre o autor

·         Evandro Luis Urnau
Servidor da Justiça do Trabalho - Erechim (RS). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho - IMED. Especialista em Direito e Processo do Trabalho - LFG.

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

URNAU, Evandro Luis. A correta interpretação da exigência do "comum acordo" para o ajuizamento do dissídio coletivo. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2797, 27 fev. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18581>. Acesso em: 28 fev. 2011.

 

 

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Sobre a limitação de juros remuneratórios nos contratos bancários

http://jus.uol.com.br/revista/texto/18452

Publicado em 02/2011

Irving Marc Shikasho Nagima

Os juros remuneratórios, também chamados de compensatórios, são aqueles devidos ao credor com objetivo de remunerar o empréstimo do capital. Nas palavras de NELSON NERY JR: "são os interesses devidos como compensação pela utilização do capital alheio" (Código Civil Comentado. 6. Ed. São Paulo: RT, 2008. p. 483). Têm natureza distinta dos juros moratórios (devidos pela inadimplência), e podem ser classificados em convencionais (taxas pactuadas) e legais (taxas previstas em lei).

Caracterizam-se como instituições financeiras, por sua vez, todas as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros, sendo equiparadas as pessoas físicas que exerçam qualquer dessas atividades, de forma permanente ou eventual (art. 17 da Lei n. 4.595/64). São instituições financeiras as instituições bancárias, as caixas econômicas, as cooperativas de crédito, as empresas administradoras de cartões de crédito (Súm. 283. STJ), entre outras.

Nesse intróito, ainda, é importante frisar que "O STJ reconheceu haver sujeição das instituições financeiras às regras da lei consumerista, de modo a conferir aos consumidores de serviços bancários um grau maio de proteção, diante de uma relação de consumo marcada pelo uso generalizado dos contratos de massa e pela expressiva desproporção entre os polos contratuais". (FERREIRA FILHO, Roberval Rocha. VIEIRA, Albino Carlos Martins. Súmulas do Superior Tribunal de Justiça: organizadas por assunto, anotadas e comentadas. Salvador: Jus Podivm, 2009, p. 155).

Pois bem. O que nos interessa saber é se há limitação da taxa de juros remuneratórios nos contratos bancários. Em outras palavras, pode haver restrição à pactuação e/ou à cobrança dos juros compensatórios nos contratos firmados pelas instituições financeiras?

Em que pesem entendimentos contrários de que "os juros remuneratórios dos contratos bancários estão limitados" (CASADO, Márcio Mello. Proteção do Consumidor de Crédito Bancário e Financeiro. 2. Ed. São Paulo: RT, 2006. v. 15. p. 91), a regra geral estabelece que não há limitação para a pactuação e a cobrança dos juros compensatórios nos contratos bancários, ou seja, a taxa de juros pode ser livremente estabelecida pelas partes contratantes. Podem convencionar o percentual incidente pelo empréstimo do capital livremente, pois não incide o artigo 192, § 3º da CF (revogado) e as taxas previstas na Lei da Usura (Decreto nº 22.626/33) às instituições financeiras, in verbis:

Súm. Vinculante 7. A norma do parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar.

Súm. 596. STF. As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeira nacional.

Assim, vale dizer que as instituições financeiras podem fixar livremente a taxa de juros compensatórios, vez que são inaplicáveis as limitações constitucionais (de 12% ao ano), do Código Civil e/ou da Lei de Usura (6% ou 12%, conforme o caso) "aos contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, salvo nas hipóteses previstas em legislação especifica" (STJ. AgRg no REsp 920.437/RS. Rel. Paulo de Tarso Sanseverino. T3. Julg. 18.11.2010).

Nesse raciocínio, veja-se o magistério de NELSON ABRÃO (Direito Bancário. 12. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 106):

É, pois, fora de dúvida que as restrições impostas pelas leis comuns às taxas de juros não se aplicam aos bancos, que estão sujeitos às fixações pelo Conselho Monetário Nacional.

(...)

A liberdade de pactuar os juros obedece ao termômetro da economia, a solidez da instituição que contrata, a realidade da inadimplência, enfim, aos predicados objetivos e subjetivos que se mesclam em cada operação bancária.

Contudo, como toda regra, há exceções. Pode, então, haver, excepcionalmente, limitações às taxas de juros compensatórios cobradas pelas instituições financeiras, verificados de acordo com o caso concreto. São elas: a) ausência de contrato ou da fixação da taxa de juros e b) abusividade dos juros contratuais.

Nesses casos, os juros remuneratórios serão limitados à taxa média de mercado, vale dizer, à média aritmética das taxas de juros praticados no período pelas maiores instituições financeiras do país. Essas taxas estão disponíveis no site do Banco Central do Brasil (www.bacen.gov.br).

A primeira exceção se trata da ausência de contrato ou da pactuação/previsão da taxa de juros. Inexistindo o contrato, ou não sendo juntado nos autos do processo o contrato que deu origem ao empréstimo bancário, contendo as taxas aplicáveis, ser-lhe-á fixada a taxa média de mercado, para as operações da mesma espécie, no mesmo período. Do mesmo modo, caso haja contrato nos autos, mas não tenha previsão do quantum da taxa de juros, esta também será limitada à taxa média de mercado, salvo, em ambos os casos, se a taxa praticada pelo banco for mais vantajosa (rectius menor) ao mutuário.

A propósito, confira-se o julgado do Superior Tribunal de Justiça, na parte que interessa:

(...) CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL. 1. Na falta de contrato ou não havendo pactuação e taxa de juros remuneratórios, prevalece a taxa média de mercado. (STJ. AgRg nos EDcl nos EDcl no Ag 1.059.546/SE. Rel. Vasco Della Giustina. T3. Julg. 18.11.2010).

(...) JUROS REMUNERATÓRIOS. CONTRATO QUE NÃO PREVÊ O PERCENTUAL DE JUROS REMUNERATÓRIOS A SER OBSERVADO. I – JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO – JUROS REMUENRATÓRIOS. 1. Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é imediata, o montante dos juros remuneratórios praticados deve ser os consignado no respectivo instrumento. Ausente a fixação da taxa no contrato, o juiz deve limitar os juros à média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo BACEN, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente. 2. Em qualquer hipótese é possível a correção para a taxa média se for verificada abusividade nos juros remuneratórios praticados. (STJ. REsp 1.112.879/PR. Rel. Nancy Andrighi. S2. Julg. 12.05.2010).

Como dito anteriormente, há liberdade de contratação do percentual dos juros remuneratórios, exceto, na "comprovação de abuso, configurado pela incidência de índices muito superiores às taxas médias praticadas pelo mercado financeiro" (TJPR. Ap. Civ. 652.080-3. Rel. Edgard Fernando Barbosa. 14ª C. Cível. Julg. 15.12.2010). Essa, pois, é a segunda exceção: abusividade das taxas de juros praticadas pelos bancos. No caso concreto, tendo sido juntado aos autos o contrato bancário com a previsão das taxas de juros remuneratórios, somente haverá a limitação dos juros se comprovada a abusividade das taxas pactuadas. O simples fato de os juros compensatórios serem superiores a 12% ao ano não indica a abusividade (Súm. 382 STJ). Deve ser demonstrado cabalmente nos autos de que é superior à taxa média de mercado.

Sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que "A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que, nos contratos bancários, não se aplica a limitação da taxa de juros remuneratórios em 12% ao ano, e de que não se pode aferir a exorbitância da taxa de juros apenas com base na estabilidade econômica do país, sendo necessária a demonstração, no caso concreto, de que a referida taxa diverge da média de mercado" (STJ. AgRg no REsp 789.257/RS. Rel. Maria Isabel Gallotti. T4. Julg. 26.10.2010).

Destarte, são duas as exceções a não limitação dos juros remuneratórios: ausência de contrato ou da pactuação da taxa de juros e/ou abusividade das taxas praticadas pelas instituições financeiras. Recaindo a hipótese dos autos em qualquer dessas exceções, os juros compensatórios convencionais serão limitados à taxa média de mercado, em homenagem aos princípios da boa fé e justiça contratual.

Outrossim, não há que se falar em limitação com base na Taxa Selic. Está consolidado na jurisprudência do STJ, que "a Taxa Selic não representa a taxa média praticada pelo mercado e é, portanto, inviável sua utilização como parâmetro de limitação de juros remuneratórios" (STJ. AgRg no REsp 844.405/RS. Rel. Nancy Andrighi. T3. Julg. 21.09.2010).

Por fim, uma última questão sobre a limitação dos juros nos contratos bancários refere-se à hipótese de contratos anteriores à existência da taxa média de mercado, estabelecida pelo BACEN. Qual a taxa utilizada, então, para as hipóteses excepcionais previstas acima, quando os contratos forem anteriores à existência da taxa média de mercado?

A tabela das taxas médias praticadas pelos bancos foi instituída a partir de 31 de março de 2000, pelo Banco Central do Brasil através da Circular nº 2957, da Diretoria Colegiada do BACEN. No entanto, há informação dessas taxas no site do Banco Central (www.bcb.gov.br/?txcredmes) a partir de janeiro de 1999, portanto, período limite para a incidência da taxa média.

Nesses casos, a resposta mais provável e lógica, é a limitação da taxa aos juros legais. Essa é a única possibilidade de haver a limitação dos juros à taxa legal. Se não há contratação ou mesmo de uma fonte oficial estabelecendo uma taxa média dos juros, deve-se, excepcionalmente ser limitada à taxa legal.

Corroborando com esse entendimento, eis a ementa do Tribunal de Justiça do Paraná, na parte que interessa:

LIMITAÇÃO DE JUROS. APLICAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO A PARTIR DE JANEIRO DE 1999. COM RELAÇÃO AO PERÍODO ANTERIOR, DIANTE DA INEXISTÊNCIA DE TABELA SOBRE A TAXA MÉDIA PELO BACEN, MANTÉM-SE A LIMITAÇÃO LEGAL, NOS TERMOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. (TJPR. Ap. Civ. 509.548-1. Rel. Luiz Taro Oyama. 13ª C. Cível. Julg. 15.12.2010).

Em suma: a regra é de liberdade de pactuação nos juros remuneratórios nos contratos bancários. Haverá a limitação pela taxa média de mercado nos casos de ausência de contrato ou de previsão da taxa contratual ou, ainda, constatada sua abusividade. Somente haverá a incidência da taxa legal de juros nas hipóteses supracitadas quando os contratos forem anteriores à existência da taxa média de mercado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. 12. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em www.stj.jus.br, acesso em 20 de janeiro de 2011.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Disponível em www.tjpr.jus.br, acesso em 20 de janeiro de 2011.

CASADO, Márcio Mello. Proteção do Consumidor de Crédito Bancário e Financeiro. 2. Ed. São Paulo: RT, 2006. v. 15.

FERREIRA FILHO, Roberval Rocha. VIEIRA, Albino Carlos Martins. Súmulas do Superior Tribunal de Justiça: organizadas por assunto, anotadas e comentadas. Salvador: Jus Podivm, 2009.

NERY JUNIOR, Nelson. Código Civil Comentado. 6. Ed. São Paulo: RT, 2008.

OUTRAS OBRAS CONSULTADAS

COSTA, Maria Flavia Albergaria. Responsabilidade Civil das Instituições Financeiras. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Vol. 2.

EFING, Antonio Carlos. Contratos e Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do Consumidor. 1. Ed. São Paulo: RT, 1999. v. 12.

LUZ, Aramy Dornelles da. Negócios Jurídicos Bancários: o banco múltiplo e seus contratos. São Paulo: RT, 1996.

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de Crédito Bancário. 4. Ed. São Paulo: RT, 1999.

SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Juros no Direito Brasileiro. 3. Ed. São Paulo: RT, 2009.

Sobre o autor

·         Informações sobre Irving Marc Shikasho Nagima

Irving Marc Shikasho Nagima

Bacharel em Direito pela Unicuritiba

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Sobre a limitação de juros remuneratórios nos contratos bancários. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2778, 8 fev. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18452>. Acesso em: 23 fev. 2011.

 

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), participou hoje (22), no Senado Federal, da cerimônia de instalação da Comissão da Reforma Política, que elaborará as propostas de mudança nas regras para o funcionamento das instituições políticas do país e para as eleições futuras. A Comissão é composta por 15 senadores que terão como tarefa elaborar um anteprojeto de lei de reforma política. Para o ministro Dias Toffoli, a discussão é extremamente relevante e poderá solucionar o problema da judicialização da política.

“Um exemplo claro disso é que o Supremo Tribunal Federal, poucos anos após a promulgação da Constituição de 1988, deu uma interpretação sobre a fidelidade partidária e, quase 20 anos depois, alterando aquela jurisprudência, sob a mesma Constituição, sem alteração do texto constitucional, deu outra interpretação. Isso demonstra a necessidade de um debate muito profundo por aqueles que são os verdadeiros atores da democracia e do poder legiferante, que são os senhores, deputados e senadores”, afirmou.

O ministro do STF preside a Comissão de Juristas instituída pelo Senado para elaborar o anteprojeto do novo Código Eleitoral. Em seu discurso na cerimônia de hoje, ele destacou que o objetivo e o escopo das duas comissões não se confundem. “A Comissão de Reforma Eleitoral, que tenho a honra de presidir a convite do presidente do Senado, José Sarney, que foi instituída em julho de 2010, tem, simplesmente, a perspectiva de consolidar, uniformizar e aprimorar a legislação vigente sob a égide das premissas constitucionais que existem hoje. Ela não se confunde, de maneira nenhuma, com a ideia de uma reforma política. E desde o início da sua instituição o presidente José Sarney nos incumbiu de deixar isso bem claro”, salientou.

Dias Toffoli enfatizou que o Código Eleitoral, de 1965, está superado, tanto pelas novas tecnologias, como pela nova Constituição, pela redemocratização do País e pelas várias leis que foram editadas a partir de 1988. “Isso leva a uma situação extremamente dramática, ou seja, um mesmo ato de campanha eleitoral pode ser atacado na Justiça por quatro tipos de processos diferentes. Não há racionalidade no processo eleitoral, levando-se a uma profunda judicialização da disputa eleitoral, em detrimento da vontade do eleitor, da vontade popular. E a Justiça Eleitoral existe, única e exclusivamente, para fazer valer a vontade do eleitor, livre da influência do poder econômico, livre do uso da máquina administrativa, como dispõe o § 9º do art. 14 da Constituição Federal”, afirmou Dias Toffoli.

Leia abaixo a íntegra do discurso do ministro.

Instalação da Comissão criada pelos Atos 24 e 28, de 2011 do Presidente do Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Reforma Política com a presença do Vice-Presidente da República Michel Temer, Deputado Marco Maia, Presidente da Câmara dos Deputados, Ministro José Antonio Dias Toffoli, Ministro do Supremo Tribunal Federal e do Ministro José Eduardo Cardozo, Ministro e Estado da Justiça

Plenário do Senado Federal

O SR. MINISTRO JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI – Exmo. Sr. Presidente José Sarney, a quem agradeço as palavras e o convite de estar nesta importante cerimônia do Senado da República e na pessoa de quem cumprimento todas as Sras. e os Srs. Senadores, aqui registrando meus respeitos a esta tão importante Casa para a República e para a democracia brasileira; querido Presidente Marco Maia, da Câmara dos Deputados, na pessoa de quem cumprimento também as Deputadas e os Deputados aqui presentes; nosso Vice-Presidente da República, Michel Temer; nosso Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo; Sr. Relator desta Comissão, Senador Francisco Dornelles; minhas senhoras e meus senhores, é extremamente relevante esta discussão da reforma política porque temos assistido, em razão, talvez, do tempo que foi passando, da Constituição de 1988 e da consolidação da democracia e dos embates que daí surgiram, exatamente uma politização, uma judicialização da política, melhor dizendo.

Um exemplo claro disso é que o Supremo Tribunal Federal, poucos anos após a promulgação da Constituição de 1988, deu uma interpretação sobre a fidelidade partidária e quase vinte anos depois, alterando aquela jurisprudência, sob a mesma Constituição, sem alteração do texto constitucional, deu uma outra interpretação à mesma Constituição.

Isso demonstra a necessidade de um debate muito profundo por aqueles que são os verdadeiros atores da democracia e do poder legiferante, que são as Sras. e os Srs. Senadores e Deputados deste País.

A Comissão de Reforma Eleitoral, que tenho a honra de presidir a convite do Presidente do Senado, José Sarney, que foi instituída em julho de 2010, tem, simplesmente, a perspectiva de consolidar, uniformizar e aprimorar a legislação vigente sob a égide das premissas constitucionais que existem hoje. Ela não se confunde, de maneira nenhuma, com a ideia de uma reforma política. E desde o início da sua instituição o Presidente José Sarney nos incumbiu de deixar isso bem claro. É evidente que os atores das decisões políticas são V. Exªs. A Comissão de Reforma, a comissão técnica tem por fim primordial isto que o Presidente José Sarney disse: subsidiar V. Exªs na produção de um novo código eleitoral.

O Código Eleitoral hoje vigente é de 1965 e encontra-se superado tanto pelas novas tecnologias, como pela nova Constituição de 1988, que sobreveio à sua edição, em 1965, a redemocratização do País e as várias leis que foram editadas a partir da Constituição de 1988.

Isso leva, senhoras e senhores, a uma situação extremamente dramática que V. Exªs conhecem muito bem, e de perto, porque são atores do processo eleitoral. Um mesmo ato de campanha eleitoral pode ser atacado na Justiça por quatro tipos de processos diferentes. Não há racionalidade no processo eleitoral, levando-se a uma profunda judicialização da disputa eleitoral, em detrimento, muitas vezes, da vontade do próprio eleitor, em detrimento da vontade popular. E a justiça eleitoral existe, única e exclusivamente, para fazer valer a vontade do eleitor, livre da influência do poder econômico, livre do uso da máquina administrativa, como dispõe o § 9º do art. 14 da Constituição Federal.

Então, a Comissão de Reforma do Código Eleitoral, assim como as outras que foram instituídas – a de reforma do Código de Processo Civil e a da reforma do Código de Processo Penal –, visa trazer uma racionalidade a um processo eleitoral que hoje se encontra, e é consenso na Nação brasileira, extremamente judicializado e confuso. É com esse mister que estamos desempenhando essa nobre função para a qual fomos designados.

Já temos bastante avançada, como destacou o Presidente José Sarney, essa nova formatação, mas é evidente que há situações que, para uma proposta de novo Código Eleitoral, pressupõem tomadas de decisão. E essas tomadas de decisão devem ser tomadas e decididas por V. Exªs.

Manteremos o sistema proporcional para a Casa Legislativa da Câmara dos Deputados, das Assembleias e da Câmara de Vereadores, ou se mudará esse sistema? A fidelidade partidária, ela abrirá situações possíveis de mudança de partido ou não? O financiamento de campanha será público, será privado, será misto?
São decisões políticas que devem ser tomadas por V. Exªs. Como já destacado pelo Presidente Sarney e pelo Senador Dornelles, essas questões são questões de todos já conhecidas.

São decisões que demandam decisão política. São tomadas de posição que dependem da formação de consensos e de maioria no Parlamento, para que um eventual novo desenho das nossas regras constitucionais e legais para a disputa dos mandatos, para a disputa dos cargos públicos, sejam mais claras, mais explicitadas, podendo sanar algumas das situações ou defeitos que esses 21 anos de redemocratização têm demonstrado desse processo que herdamos, em alguns casos, já centenários como também destacou o Presidente José Sarney.

É necessário que nós busquemos uma maior autenticidade do debate político para essa questão com uma menor politização.

Eu tenho insistido e tenho atuado no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral sob essa perspectiva, a de que as decisões políticas e a disputa de cargos e de mandatos pelo espaço político são questões da seara do Poder Legislativo. O Judiciário deve se limitar, e se autolimitar, respeitando as deliberações da classe política, respeitando as deliberações do Congresso Nacional, respeitando as deliberações do processo eleitoral, dos acordos políticos do processo eleitoral.

É extremamente importante e significativo que nesse momento em que a Nação brasileira se coloca a discutir a necessidade de aprimoramento da nossa democracia, a instituição, no Senado, desta comissão, Sr. Presidente – parabenizo a V. Exª, parabenizo o Senado, parabenizo a Câmara, que também está tomando essa providência –, e da nossa parte, tanto na comissão técnica quanto como integrante da mais alta Corte do País e também da Justiça Eleitoral, gostaria de me colocar aqui à disposição para contribuir, no aspecto técnico, para este aperfeiçoamento da República brasileira, da democracia brasileira, enfim, do estado democrático de direito no Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente, por essa honra de estar aqui presente.

 

 

Dano moral: quantificação da indenização segundo a doutrina do "punitive damage"

http://jus.uol.com.br/revista/texto/18529

Publicado em 02/2011

Paulo Henrique Cremoneze

O dano moral encontra-se previsto no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, cuja dicção é a seguinte: V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação;

O ordenamento jurídico brasileiro reconhece a indenização por dano moral, considerando tema de status constitucional, mais precisamente, direito fundamental. Nem sempre foi assim. No mundo como um todo, somente os danos patrimoniais eram sujeitos a reparação, tratando-se de um dos princípios fundamentais do Direito, "neminen laedere".

Com o passar dos tempos, as sociedades mais desenvolvidas e melhor politicamente organizadas, passaram a exigir tratamento especial aos danos morais, tornando-se estes também danos juridicamente reparáveis. Um século a mais foi necessário para que o Direito brasileiro viesse a consagrar a tese dos danos morais. Enquanto a maioria dos povos ocidentais já reconhecia a indenização dos danos morais, o Brasil ainda resistia a sua inserção no ordenamento jurídico pátrio.

Atraso que se revelou fatal, uma vez que desaguou num duro golpe ao reconhecimento, eficácia e tutela dos chamados direitos civis e a própria idéia de cidadania do povo brasileiro. Talvez visando compensar tão lamentável atraso é que o legislador constituinte houve por bem inserir a tese dos danos morais na Constituição Federal de 1988, a primeira verdadeiramente garantista e cidadã da história brasileira.

Em virtude da dificuldade de se considerar a reparabilidade dos danos morais, o Brasil, que, em princípio, não continha regras específicas sobre o tema, permitiu a disseminação de uma inteligência jurídica deformada, no sentido de que, num mesmo caso concreto, o dano moral não poderia ser cumulado com o dano material, ainda que assim reclamasse o respectivo suporte fático. Desnecessário dizer que esta forma de encarar o tema só fez dificultar a aplicação da tese dos danos morais no cotidiano jurídico brasileiro.

Hoje, felizmente, já não mais se discute acerca da possibilidade de se cumular indenizações por dano material e dano moral decorrentes do mesmo fato. Trata-se de questão pacificada pelo enunciado de Súmula nº 37 do Superior Tribunal de Justiça, que diz: "37. São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.".

Pois bem, como já mencionado, mesmo antes da entrada em vigor da Constituição Federal e a par de todo atraso em relação a outros povos e das dificuldades de sua efetiva aplicação, o ordenamento jurídico brasileiro já reconhecia a figura do dano moral, ainda que lhe faltasse uma normatização mais expressa e melhor delineada.

Uma das soluções dos operadores e estudiosos do Direito entusiastas da tese, era o socorro, no plano genérico, ao artigo 159, primeira parte, do Código Civil: Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.

Pelas letras do referido artigo, o Código Civil brasileiro adotou o princípio da culpa como fundamento genérico da responsabilidade.Não se pode esquecer, ainda, o disposto no artigo 76 do mesmo Código Civil, também fundamento genérico da indenização por dano moral, que diz: Art. 76. Para propor, ou contestar ação, é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral.

Mas, fácil perceber, era muito pouco para que se pudesse instalar definitivamente a cultura jurídica dos danos morais no país.

Paulatinamente, a legislação extravagante foi apresentando as primeiras manifestações expressas acerca da indenização por danos morais.

No Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei Federal nº 4.417/62, em seu artigo 84, por exemplo, há referência explícita ao dano moral, oferecendo importantes critérios para a fixação do mesmo. A Lei Federal nº 5.250/67, que trata da Lei de Imprensa, também prevê expressamente o direito público subjetivo a indenização por dano moral.

Não obstante, o dano moral continuou sendo visto como uma questão tormentosa, dada, repita-se, a dificuldade de se provar a culpa do ofensor e o efetivo dano sofrido pela vítima (e a avaliação da indenização em si).

Com o advento da Constituição Federal, a questão do dano moral começou a ser repensada pelos operadores e estudiosos do Direito brasileiro.

Sendo a moral, assim como a intimidade das pessoas, um direito fundamental, vozes poderosas começaram a reclamar um tratamento diferenciado para as questões jurídicas envolvendo estes dois importantes valores.

O princípio da culpa começou a ceder espaço para outro, o princípio da culpa presumida. Inevitável, pois, o choque entre o clássico e a vanguarda.

E não poderia ser diferente, dada a singular importância do tema. Nelson Nery Júnior [01], por exemplo, assim discorre: "A ofensa à honra, liberdade ou intimidade das pessoas enseja a indenização por dano moral e patrimonial. Trata-se de hipótese de responsabilidade objetiva, porquanto a norma não prevê conduta para que haja o dever de indenizar."

Assim, o dano moral passou a ser visto com as lentes da Constituição Federal e a ser tratado conforme os ditames da responsabilidade objetiva, notadamente mais benéfica aos interesses da vítima.

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, verdadeiro braço armado da Constituição Federal, diploma legal da cidadania, lançou novas luzes sobre o tema e, com elas, a esperança de uma verdadeira revolução no modo de pensar dos operadores e estudiosos do Direito brasileiro.

Com efeito, às relações com o signo consumerista, o legislador infraconstitucional não só disciplinou a responsabilidade objetiva do produtor e do prestador de serviços como fez presumido o dano moral.

Aos entusiastas do tema dano moral nada poderia ser melhor, tendo-se em conta que boa parte dos injustos de tal natureza ocorrem nas relações de consumo.

Aos poucos, as indenizações por dano moral começaram a aparecer, ainda que timidamente nos foros e Tribunais pátrios, seja em razão de relações de consumo frustradas, seja em virtude de causas diversas.

A discussão deixou de ser em relação a incidência ou a instrumentalização do dano moral, passando, então, a se fixar num antigo problema: o "quantum" indenizatório.

Mesmo vestindo, em muitos casos, a capa da responsabilidade objetiva, a questão do "quantum" não perdeu sua elevada carga de subjetividade, dadas as dificuldades inerentes a sua fixação.

Reside aí o objeto do nosso modesto estudo.

Em 30 de outubro de 1997, ocorreu em São Paulo o IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil, oportunidade em que o tema dano moral foi debatido.

Por unanimidade, os participantes do encontro apresentaram a seguinte conclusão, identificada como conclusão 11: "Na fixação do dano moral, deverá o juiz, atendo-se ao nexo de causalidade inscrito no art. 1.060 do Código Civil, levar em conta critérios de proporcionalidade e razoabilidade na apuração do "quantum", atendidas as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado."

Aparentemente, a conclusão acima é capaz de satisfazer as necessidades dos operadores do Direito, tratando-se de um bom critério para a fixação do "quantum" indenizatório.

Apenas aparentemente. O problema não está na conclusão 11, mas na conclusão que a precede, a número 10:"À indenização por danos morais deve dar-se caráter exclusivamente compensatório."

Desnecessário que dizer que a conclusão 10 informa a 11, viciando sua interpretação e tornando sem sentido os alegados critérios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Ousamos discordar da conclusão 10 porque entendemos absurda a inteligência de que a indenização por danos morais deve ter caráter compensatório (ou melhor, apenas compensatório).

Entender que a indenização por danos morais deve limitar-se ao caráter compensatório é o mesmo que negar a eficácia jurídico-social dos danos morais.

Com efeito, mais importante do que compensar a vítima, os danos morais servem, ou deveriam servir, para punir o ofensor. É a rigorosa penalização do ofensor que deve ser levada em conta quando da procedência de um pedido de indenização por danos morais, fixando-se o "quantum", aí, sim, conforme a mencionada conclusão 11, de tal sorte que, quanto mais rico e poderoso for o ofensor, maior deverá ser a indenização.

Não obstante, por motivos ignorados e incompreensíveis, os Tribunais brasileiros, de uma forma geral, aplicam o direito de forma diversa, emprestando à avaliação do dano moral inteligência tímida.

Com todo o respeito, é fato notório que os Tribunais brasileiros ainda estão perdidos na clássica divisão do Direito em público e privado, esquecendo-se que hoje, em plena era dos direitos de terceira geração, todos os direitos têm o signo publicista, não mais havendo que se falar em direito exclusivamente privado, dada a natureza altruística que se vem instaurando no ambiente jurídico, sendo, no Brasil, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o melhor exemplo desta nova mentalidade jurídica.

Logo, ao avaliar o dano moral, é extremamente relevante ter-se em conta o fator "desestímulo" do ofensor, a punição visando a pacificação social, a difusão da cidadania e a transformação dos comportamentos.

A avaliação dos danos morais é tema que permite ao juiz bailar sobre o ordenamento jurídico, longe de mármores mas próximo do sentimento de fazer verdadeiramente a Justiça. E fazer justiça é, sobretudo, punir quem ofende outrem e o próprio sistema legal. Somente com a interpretação arejada do juiz, o verdadeiro intérprete da lei, a questão será devidamente abordada e, com ela, aparados os eventuais exageros, o bem-estar social.

E nem se diga que os possíveis abusos, excessos de sensibilidades ou demandas aventureiras poderão se aproveitar maliciosamente desta nova interpretação, pois contra a litigância de má-fé, a postulação impertinente, tem o juiz instrumentos de sobra para o combate, distribuindo a justiça na sua exata medida.

Por isso é que ora se afirma que talvez em nenhuma outra matéria o arbítrio prudente e sábio do juiz tem especial guarida e importância, razão pela qual ora se registra, com respeito mas contundentemente, pela timidez dos dias correntes, críticas à forma pela quais os Tribunais tratam a avaliação do dano moral no país.

Sobre o assunto, convém lembrar o lúcido entendimento o Desembargador e Professor paulista, José Osório de Azevedo Júnior [02], que assim entende: "A Jurisprudência é engraçada; às vezes, ela vai além da doutrina, outras vezes ela fica para trás. Numa outra matéria que eu tenho estudado bastante, que é o Compromisso de Compra e Venda, por exemplo, a Jurisprudência construiu praticamente tudo, em grande parte à revelia dos doutos. Aqui neste campo do dano moral, deu-se o contrário: a Doutrina recomendava, mas o juiz não concedia. Por que essa timidez? Eu vejo dois motivos. O primeiro, creio, é fruto de um positivismo jurídico exacerbado. Foram gerações de juízes formados numa linha muito positivista, só de enxergar o texto expresso da lei. Como disse Mário Moacir Porto, é o "juiz São Tomé", que só acredita naquilo que vê escrito e expresso. Para superar o positivismo jurídico tradicional não é preciso apelar para o direito natural. Um positivismo crítico que se valha dos princípios que estão disseminados pela ordem jurídica teria, por certo, sido mais fértil. (...) "Mas o fato é que, nesse período, dominava os espíritos um positivismo exacerbado. Um segundo ponto, que eu acho bem objetivo, está na dificuldade de avaliar o dano moral. Como isso é muito difícil, o juiz fica tentado a não avançar. "É melhor parar por aqui, nem chegar à execução". É a consequência daquele argumento da tese negativista, segundo o qual é impossível mensurar e avaliar a for moral."

Não é difícil notar o tom crítico emprestado pelo culto Professor. Afinal, as dificuldades existem exatamente para serem transpostas e o positivismo exacerbado é um mal que precisa ser urgentemente reparado no Direito brasileiro, sob pena de se ter um sistema legal de ficção e um Poder Judiciário que não reflete sobre Direito, limitando-se a mera aplicação formal e literal da lei.

Daí, o equívoco de se enxergar na indenização por dano moral caráter meramente compensatório. O excesso de prudência do Poder Judiciário, pode ser traduzido como medo de refletir o Direito e, a partir desta reflexão, aplicar as normas jurídicas consoante o princípio, encartado na Lei de Introdução ao Código Civil, de que elas devem ser, sempre, aplicadas com vistas ao seu fim social.

Aqueles que são contrários a não indenizabilidade do dano moral defendem ser imoral exigir-se dinheiro por uma ofensa moral ou violação da intimidade. Ao passo que os defensores de indenizações de pequeno valor econômico alardeiam pânico e terror quanto a eventual criação de uma indústria de indenizações ou, ainda, que os reclamantes pleiteiam valores que jamais alcançaram na vida por outros meios, normais e lícitos.

Estes argumentos são frutos da já comentada deformidade de pensamento acerca do instituto "dano moral", ou, ainda, decorrem da falta de reflexão, inteligência sistêmica, do ordenamento jurídico.

Ora, nada há de imoral em exigir dinheiro por uma ofensa a moral ou a intimidade, como também nada há de errado em se receber elevada fortuna, pois o lamentável estado de vítima não tem preço.

Em relação ao caso específico dos danos morais, é possível enxergar o vício em sua fonte, qual seja, a natureza compensatória dos mesmos.

Já é tempo de se ver a natureza punitiva dos danos morais. Aos que acham imoral receber dinheiro por dano moral, cabe a ressalva de que é ainda mais imoral deixar o dano irressarcido ou ressarcido de forma pífia, permitindo a odiosa impunidade do causador do dano.

Tão ou mais importante do que a compensação da vítima é a punição, concreta, efetiva e rigorosa, do causador do dano.

Quem causa um dano moral tem de ser efetivamente punido pelo injusto causado, e punido de tal forma que ele, o ofensor, sinta o peso negativo da sua conduta, servindo a condenação, ainda, como exemplo a fim de intimidar eventuais ofensores ou mesmo motivar a mudança comportamental.

Sendo impossível mensurar a honra de uma pessoa, é sem sentido imaginar uma indenização por dano moral apenas em caráter compensatório, haja vista que a compensação pelo injusto sofrido não advém do "quantum" recebido pela vítima, mas, sim, da condenação em si.

À vítima, basta a condenação judicial do ofensor para seu conforto espiritual, posto que a sua moral não tem preço. Um real não é pouco nem um milhão de reais é muito, dada a já comentada natureza subjetiva que se esconde por detrás da questão do dano moral e que é, sem dúvida, seu elemento mais complexo, seu ponto nevrálgico.

Compensação existe no plano material, em que se pode mensurar os prejuízos materiais da vítima pelos danos causados pelo ofensor. Conforme o caso concreto, além de reparar os prejuízos decorrentes da sua incúria procedimental, o ofensor se vê obrigado a indenizar a vítima por outras somas, estipuladas por critérios objetivos e com base nos prejuízos materiais, como o caso dos chamados lucros cessantes, a compensação por excelência.

Logo, coerente a afirmação ora sustentada que, na arena do dano moral, a compensação da vítima existe no exato momento em que o Estado-juiz reconhece a injusta violação do seu direito, condenando expressamente o ofensor. O "quantum" recebido à guisa de indenização não perde a essência compensatória mas também não se limita exclusivamente a ela, uma vez que sua mais importante característica é a punição, ou seja, a natureza punitiva.

Nesse sentido, já tarda o momento de se introduzir no Brasil a doutrina norte-americana do "punitive damage" e sua co-irmã, a "exemplary damage", às vezes chamadas no direito pátrio, sem muito rigor científico, de teoria do desestímulo.

A cartilha da doutrina do "punitive damage" é simples e bastante eficaz. Segundo suas letras, o causador do injusto, dos danos materiais e especialmente morais, tem de ser efetivamente punido. A título de punição ou a título exemplar, a "exemplary damage", o fato é que o causador do dano não pode passar impune por sua conduta ilícita.

Pune-se com rigor o causador do dano, sendo esta punição, aquilatada em dinheiro, diretamente voltada à vítima (nada mais justo, de sublinhar). Em alguns casos, além da vítima, instituições de caridade podem ser premiadas com a punição do ofensor.

Nunca é demais repetir: à vítima, a compensação nasce da condenação do ofensor. Assim, nesse sentido, tanto faz um real como um milhão de reais, já que a moral, a honra e a intimidade da pessoa são bens imateriais, que não têm valor econômico. Não obstante, para que a condenação do ofensor tenha algum valor jurídico, é mister que a indenização seja fixada em valor respeitável, elevado mesmo, para que o ofensor sinta, concretamente, os efeitos do injusto, tendo sua punição, também, natureza exemplar ("exemplary damage").

Desnecessário dizer que o apregoado critério punitivo não poderá deixar de considerar a fortuna patrimonial do ofensor. Quanto maior esta for, maior deverá ser a indenização, para que esta possa surtir algum efeito prático. Indenizações de pequena monta não constituem punição alguma ao ofensor abastado.

Com o fenômeno da "exemplary damage", a indenização por dano moral também atende o fim social de que trata a Lei de Introdução ao Código Civil, uma vez que, supostamente, influenciará os demais membros da sociedade a não praticarem eventos danosos similares aos cometidos pelo ofensor e devidamente punidos pelo Estado-juiz.

E nem se diga, com críticas, a eventual e, alegadamente imoral, compensação financeira da vítima, ou, como preferem alguns, o enriquecimento da vítima. Ora, se este eventual enriquecimento ocorrer nada mais será do que mero desdobramento da punição do ofensor, algo, portanto, perfeitamente justo.

Mesmo que se queira emprestar a natureza compensatória ao dano moral, esta só poderá existir se não excluir a natureza punitiva, tendo-se em conta que o acrescimento patrimonial do ofendido não será exatamente uma compensação, mas o exercício pleno da Justiça.

Assim, põe-se verdadeira pá de cal no argumento daqueles que entendem ser imoral ganhar algum ou muito dinheiro a partir de um evento típico de dano moral.

Mais imoral do que indenizar o dano moral é deixar o dano irressarcido, é deixar o causador do dano impune. Um autor italiano deu uma explicação muito boa. É um equívoco ver imoralidade na exigência de uma indenização por dano moral. O que é imoral é trocar a honra por dinheiro, é vender amor e ceder amor em troca de dinheiro, isso sim é imoral. Mas não é absolutamente imoral receber-se algum dinheiro porque a honra foi violada. Está-se defendendo a honra e não praticando um ato imoral. É que, se é verdade que a dor não tem preço, também é verdade que algum valor pecuniário ajuda a amenizar essa dor. O dinheiro sozinho é evidente que não dá a felicidade, mas que ele ajuda a criar uma situação mais favorável para se enfrentar a dor, não há a menor dúvida. [03]

Daí, a conclusão imperativa que, observado o critério da proporcionalidade (conforme a citada conclusão 11), desta feita com as lentes do "punitive damage", ao lado da natureza compensatória, o valor da indenização deve ser razoavelmente expressivo, para que não seja apenas simbólico, promovendo, às avessas, a injustiça.

Em síntese: para que se compense efetivamente a vítima e, ao mesmo tempo, se tenha exemplarmente punido o injusto do ofensor, é necessário que a indenização por dano moral venha a pesar no seu bolso, servindo à ele e à sociedade, como um poderoso fator de desestímulo.

De se notar que o badalo do sino toca dos dois lados. Arrojar, aplicar o sistema jurídico com coragem, verdadeiro espírito de Justiça e determinação, não significa falta de bom senso e de comedimento, como também não importa desvirtuamento do instituto, pois aí, sim, poderia gerar o defeso enriquecimento indevido.

E por mais pesada e punitiva que deva ser a sanção do ofensor, notadamente quando pessoa jurídica, prestadora de serviços, esta não poderá, a rigor, ensejar a quebra da empresa ofensora, pois do contrário estaria por incentivar o choque com outras importantes teses jurídicas, como a conhecida teoria da preservação da empresa.

Importante é conferir natureza e caráter punitivos ao dano moral, pois, dados estes, correta será a avaliação do "quantum" da indenização definitiva, emprestando à mesma qualidade exemplar, levando, a um só golpe, Justiça à vítima e, o que tão importante quanto, senso de cidadania a sociedade.

Basta lembrar o exemplo norte-americano. Exageros eventuais à parte, diga-se, a infeliz indústria das indenizações que ora começa a ser desfeita, o fato é que a luta pelos direitos civis norte-americanos foi construída e vencida com base nas pesadas indenizações dadas pelo Poder Judiciário.

Concomitantemente, o direito consumerista foi impulsionado com as indenizações judiciais e, com estas, o nascimento de uma mentalidade de respeito máximo a figura do consumidor e ao próprio sistema jurídico e judiciário.

Tudo por conta e ordem do "punitive damage", que, urgentemente, deve ser introduzido no Brasil, senão por norma específica própria, ao menos pela analogia ou, mesmo, o Direito comparado.

Da mesma forma que o Professor Rubens Requião conseguiu introduzir no Brasil, a partir dos anos setenta do século passado, a tese da desconsideração da personalidade jurídica, aplicada inicialmente por ampliação jurisprudencial e, agora, por lei expressa (Código de Defesa do Consumidor), deve o "punitive damage" apresentar sua graça perante o ordenamento jurídico pátrio, produzindo seus benéficos efeitos e construindo um forte sustentáculo para a cidadania.

Não se pode mais aplicar o Direito, mesmo o Civil, sem as tintas altruísticas da Constituição Federal de 1988. Mesmo em sede de danos exclusivamente patrimoniais é infeliz a lei brasileira ao não consignar, à conduta ilícita do ofensor, a tão defendida natureza punitiva.

Errado o senso do Direito brasileiro de que a reparação não pode servir para punir o autor do dano, senso este clássico e que não mais atende aos reclamos e necessidades da sociedade contemporânea.

Dentro de uma concepção jusfilosófica, a reparação do injusto causado, com o seu próprio patrimônio, nada mais é do que uma obrigação "natural" por parte do ofensor. Uma criança intuitivamente sabe disso. Se ela quebra o brinquedo do amigo não pensa duas vezes em tentar reparar o dano, nem que seja à base de muito choro aos pais e sinceros e sentidos pedidos de desculpas ao amigo. Logo, a reparação por si só, como colocada pelo Direito pátrio, já não mais serve aos danos patrimoniais, quanto mais aos morais.

Classicamente, como dito, a função da responsabilidade civil é reparar o dano e não punir seu causador. Trata-se, pois, de verdadeiro dogma da responsabilidade civil clássica, conforme dispõe o artigo 1.060 do Código Civil: "Art. 1.060. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor as perdas e danos, a indenização, não pode ir além daquilo que se efetivamente se perdeu."

Fosse este um estudo de sociologia ou de jusfilosofia, poder-se-ia afirmar que o referido artigo, como de resto quase todas as leis civilistas pátrias, foi construído com o propósito acentuado de se manter o jogo de domínio entre as chamadas elites dominantes e o resto sofrido do povo.

É a lei, e todo o aparato judiciário, servindo para imantar de suposta legitimidade o domínio de uns poucos sobre muitos. Amarrando-se a atuação do Poder Judiciário, não raro conveniente ao estado lamentável das coisas, o legislador impuro houve por bem defender valores particulares, deixando de lado as aspirações mais coletivas e sociais, capazes de fazer, ao manos no plano judicial, o equilíbrio social que não existe no mundo dos fatos.

Dá-se isso porque no plano dos danos materiais, a lei desconsidera, infelizmente, o problema do dolo e a graduação da culpa. Tal não se pode dar no plano do dano moral, pois ao lesado mais importante do que a eventual compensação, na verdade consolo, é o aspecto punitivo do ofensor.

Posto isto, defende-se a introdução do "punitive damage" no sistema jurídico brasileiro, reclamando do Estado-juiz mais seriedade e compromisso no tratamento da avaliação do dano moral, revestindo-o com o manto do aspecto punitivo, a fim de que se tenha promovida a Justiça e, exemplarmente, edificada uma luta pela cidadania, que começa, sempre, pelo respeito a moral, honra e dignidade das pessoas.

Por analogia, através de mecanismos do Direito comparado ou, ainda, pela aplicação sistêmica do ordenamento jurídico pátrio (começando pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, insculpido no artigo 1º, III, da Constituição Federal), há de ser feita profunda reflexão sobre o tema, tendo-se por certo, firme e valioso o sentimento de que o Direito serve para a busca incessante da Justiça.


Notas

1.    Código de Processo Civil Comentado, 3ª ed., RT: São Paulo, 1997, p. 74

2.    "O Dano Moral e sua Avaliação", Revista do Advogado, nº 49, Dezembro/96, São Paulo: 1996, p.8/9

3.    José Osório de Azevedo Júnior, op. cit., p. 10

Sobre o autor

·         Informações sobre Paulo Henrique Cremoneze

Paulo Henrique Cremoneze

Advogado, professor de Direito, pós-graduado "lato sensu" em Direito e Mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos, professor da Funenseg – Escola Nacional de Seguros, presidente do IBDTrans – Instituto Brasileiro de Direito dos Transportes, membro efetivo do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo, membro efetivo da AIDA - Association Internationale de Droit des Assurances e do IBDS Instituto Brasileiro de Direito do Seguro, Pós-graduado em Teologia (formação teológica com reconhecimento Pontifício) pela Pontifícia Faculdade de Teologia N.S. da Assunção

autor de artigos acadêmicos publicados em revistas e cadernos jurídicos e do livro Prática de Direito Marítimo: o contrato de transporte marítimo e a responsabilidade civil do transportador, Editora Quartier Latin, São Paulo: 2008 (2009), prefácio de Ives Gandra da Silva Martins e do livro “Transporte rodoviário de carga: a responsabilidade civil do transportador e o contrato de transporte”, Editora Quartier Latin, São Paulo: 2009, e organizador do livro “Temas de Direito do Seguro e de Direito dos Transportes”, escrito em co-autoria, Editora Quartier Latin, São Paulo: 2010, Comendador com a Insígnia da Ordem do Mérito Cívico e Cultural da Sociedade Brasileira de Heráldica e Humanística, Ecológica, Medalhística, Cultural, Beneficente e Educacional (Fundada em 13/3/1959) Oficializada pelo Governo Federal por meio do Ministério da Educação e Cultura pela Portaria 153 de 4 de junho de 1965.

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

CREMONEZE, Paulo Henrique. Dano moral: quantificação da indenização segundo a doutrina do "punitive damage". Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2792, 22 fev. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18529>. Acesso em: 23 fev. 2011.

 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Contribuição previdenciária não incide sobre valores pagos a título de aviso-prévio indenizado

DECISÃO

Não incide contribuição previdenciária sobre verba paga ao trabalhador a título de aviso-prévio indenizado, por não se tratar de verba salarial. Com esse entendimento, já consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Primeira Turma da Corte negou o recurso da Fazenda Nacional contra as Lojas Laurita Ltda.

No recurso ao Tribunal, a Fazenda sustentou a incidência do tributo, porque tal parcela não se encontra no rol taxativo de verbas isentas.

Segundo o relator, ministro Teori Albino Zavascki, nos termos do artigo 28 da Lei n. 8.212/1991, o salário de contribuição é o valor da remuneração, assim considerados os rendimentos destinados a retribuir o trabalho, o que não é o caso dessa verba específica. “Se o aviso-prévio é indenizado, no período que lhe corresponderia o emprego, não presta trabalho algum, nem fica à disposição do empregador. Assim, por ser ela estranha à hipótese de incidência, é irrelevante a circunstância de não haver previsão legal de isenção em relação a tal verba”, afirmou o ministro.

Como o STJ confronta a possibilidade de revisão criminal com a soberania dos vereditos

O Direito brasileiro prevê em sua Constituição Federal (CF) e no Código de Processo Penal (CPP) a competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (homicídio doloso, instigação ou auxílio a suicídio, infanticídio e aborto), consumados ou tentados. Uma questão com a qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se deparado frequentemente diz repeito à eventual incompatibilidade entre a soberania dos vereditos, conferida pela CF ao Tribunal do Júri, e a revisão criminal.

O instituto do Tribunal do Júri está presente no Direito brasileiro desde as suas primeiras Constituições. São assegurados ao Tribunal do Júri a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos vereditos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. A lei descreve como deve ser o rito do Júri, da essencial imparcialidade dos jurados até a sistemática da votação.

Já a revisão criminal, conforme o artigo 621 do CPP, é uma ação penal autônoma que permite a revisão de processos finalizados quando a sentença condenatória é contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; ou se baseia em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; ou ainda quando, depois da sentença, se descubram novas provas de inocência do acusado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Ou seja, a revisão criminal busca a reparação de um erro que tenha prejudicado o réu em uma decisão judicial, como lembra o ministro Napoleão Maia Filho, para quem a revisão “só ocorre quando aquela decisão representa uma forma qualificada de injustiça, causando incômodo social, pelo caráter absurdo da decisão”. Para o ministro, “a revisão criminal é a sobrevalência da justiça sobre a técnica, da ética da decisão sobre a técnica da elaboração, e só ocorre em casos em que a infração à norma é clara e objetiva”.

Pelo seu caráter de preservação da honra daquele que fora condenado injustamente, a revisão criminal pode ser pedida a qualquer tempo, antes ou após a extinção da pena, não só pelo réu, como também por seus familiares, no caso de ter falecido. Ainda para o ministro Napoleão Maia Filho, tal previsão existe justamente porque a condenação “carrega uma mancha indelével, que atinge a honra daquela pessoa e de seus familiares”, sendo a possibilidade de revisão “um juízo moral, importante do ponto de vista da biografia das pessoas”.

Então, como tem sido o entendimento do STJ quando são julgados, numa mesma ação, esses dois institutos? Seriam eles incompatíveis ou capazes de serem aplicados de maneira harmoniosa?

No Recurso Especial (Resp) 1.172.278, que teve como relator o ministro Jorge Mussi, o acusado foi condenado pelo Tribunal do Júri a 13 anos de reclusão por homicídio qualificado, com sentença transitada em julgado. Após a retificação do depoimento de uma testemunha, foi apresentado pedido de revisão criminal pedindo a absolvição do acusado por ausência de provas e solicitando que o réu não fosse submetido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri.

A Quinta Turma, com base na doutrina e na jurisprudência dominante, negou provimento ao recurso, ao entender por bem que a revisão criminal, para não ofender a soberania dos vereditos, deve devolver o feito ao Tribunal do Júri, “único competente para a análise de provas em caso de crimes dolosos contra a vida”, de acordo com o voto do relator.

Outro caso é o presente no Habeas Corpus (HC) 126.064, também da Quinta Turma, em que o relator foi o ministro Felix Fischer. A situação refere-se a um homicídio qualificado cometido em concurso de pessoas, em que um dos acusados, pai dos pacientes, foi absolvido das acusações, o que serviu de motivação para que os filhos, condenados por votação apertada (4 a 3), solicitassem a revisão criminal, alegando ofensa ao princípio da igualdade.

Nesse caso (concurso de pessoas), a Quinta Turma entendeu que a absolvição de um dos acusados pelo Tribunal do Júri não implica a dos demais, ainda que a imputação seja a mesma – dependendo das provas produzidas contra cada um dos acusados e desde que o veredito popular condenatório não se revele manifestamente contrário à prova dos autos.

Decisão contrária à prova

No HC 58.295, cuja relatoria coube ao ministro Hamilton Carvalhido, quando ainda integrava a Sexta Turma, foi negado habeas corpus a um condenado por homicídio qualificado. O paciente apresentou habeas corpus contra decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) que, provendo recurso do Ministério Público (MP), considerou contrária à prova dos autos a absolvição do réu na primeira instância, determinando a realização de novo julgamento.

Na nova análise, o Tribunal do Júri o condenou a sete anos de reclusão. Os jurados têm a liberdade de acatar qualquer das versões apresentadas, mantida a sua decisão por respeito à soberania dos vereditos, mas é necessário que a versão escolhida encontre amparo nos autos; caso contrário, o julgamento pode ser anulado para que se realize outro, como previsto no inciso III do artigo 593 do CPP, o que se deu no caso. Isso pode ocorrer quando os jurados decidem arbitrariamente, divergindo de toda e qualquer evidência probatória.

A Sexta Turma do STJ entendeu que, oferecidas aos jurados vertentes alternativas da verdade dos fatos, fundadas pelo conjunto da prova, é inadmissível que o tribunal de Justiça desconstitua, em apelação ou revisão criminal, a opção do Tribunal do Júri – alegando que esta seria manifestamente contrária aos autos – e escolha tese contrária.

Por sua vez, o réu não pode simplesmente alegar a existência de vertentes alternativas da prova da verdade dos fatos para evitar que seja novamente submetido ao júri popular. É necessário que elas sejam demonstradas objetivamente nos autos, particularizando as provas que originaram a versão que permitiu a formação de convicção diferente dos jurados. Por isso, o habeas corpus foi denegado.

O HC 19.419, que teve como relator o ministro aposentado Jorge Scartezzini, da Quinta Turma, foi impetrado por um homem acusado de crime de tentativa de homicídio qualificado que havia sido condenado a nove anos e quatro meses de reclusão pelo Tribunal do Júri.

Após o trânsito em julgado da decisão, a defesa ingressou com ação de revisão criminal, alegando ter sido a decisão manifestamente contrária à prova dos autos, pedido que foi considerado procedente pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), que não absolveu o réu, mas excluiu da sua condenação uma causa de aumento de pena. No habeas corpus, o réu questionou o fato de o tribunal local ter reformado, no mérito, a decisão do júri, em vez de ter determinado a sua submissão a novo julgamento popular.

No entendimento da Quinta Turma, as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri não podem ser alteradas, relativamente ao mérito, pela instância “ad quem”, podendo apenas ser cassadas, para que ocorra novo julgamento pelo Conselho de Sentença, dentro das hipóteses previstas no artigo 593 do CPP. Caso contrário, estaria sendo usurpada a competência do Tribunal do Júri.

Nesse caso específico, a decisão do Júri foi reformada, no mérito, mediante revisão criminal, a qual, diferentemente da apelação (que possui natureza recursal), é uma ação que é ajuizada após o trânsito em julgado daquela a qual se refere. O reconhecimento, pelo tribunal de origem, de que a decisão do Júri foi manifestamente contrária à prova dos autos, ainda que em revisão criminal, não confere àquela corte a competência constitucionalmente prevista do Tribunal do Júri. Portanto, o acórdão foi anulado e o réu foi mantido preso enquanto aguardava o novo julgamento pelo Tribunal do Júri.

No Resp 220.188, no qual também atuou como relator o ministro Hamilton Carvalhido, da Sexta Turma, o acusado, condenado a cinco anos de reclusão por homicídio triplamente qualificado, alegou que a decisão dos jurados contrariou, de forma manifesta, a prova dos autos, afirmando que nenhuma das testemunhas ouvidas o teria identificado como autor dos disparos que atingiram a vítima, solicitando, assim, que fosse anulada a decisão do Júri e que fosse determinada a realização de novo julgamento.

No entanto, o pedido do réu não foi aceito, já que várias testemunhas afirmaram tê-lo reconhecido. O entendimento da Turma foi de que não é qualquer divergência entre a decisão dos jurados e os elementos de convicção extraídos do processo que autoriza a cassação do julgamento, mas somente a decisão que não encontrar qualquer respaldo na prova dos autos é que poderá ser invalidada.

Vertentes alternativas

No julgamento do HC 16.046, cuja relatoria na Sexta Turma também coube ao ministro Hamilton Carvalhido, o acusado se insurgiu contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que deu provimento a recurso do Ministério Público para submetê-lo a novo júri popular, sendo que ele havia sido absolvido no primeiro julgamento.

O acusado ingressou com o habeas corpus, alegando ofensa à soberania do Júri e afirmando existir correntes divergentes sobre a verdade dos fatos que permitiriam o acolhimento da tese sustentada pela defesa.

No STJ, tem-se consolidado o entendimento de que, oferecidas aos jurados vertentes alternativas da verdade dos fatos, fundados pelo conjunto da prova, mostra-se inadmissível que o Tribunal de Justiça, seja em apelação ou em revisão criminal, desconstitua a opção do Tribunal do Júri – porque manifestamente contrária à prova dos autos –, sufragando, para tanto, tese contrária.

No entanto, ao denegar a ordem, o ministro lembrou o entendimento de que não basta, para evitar que o réu seja submetido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri, a simples alegação da existência de vertentes alternativas da verdade dos fatos. Exige-se que seja demonstrado de maneira objetiva nos autos qual o meio de prova que teria dado origem à versão que, se reconhecida, seria capaz de oferecer circunstâncias hábeis a formar convicção diversa nos jurados, o que não ocorreu no caso.

Também sob a relatoria do ministro Hamilton Carvalhido, foi julgado o HC 16.348, impetrado por um acusado pelo crime de tentativa de homicídio qualificado contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que julgou improcedente o seu pedido de revisão criminal, mantendo a condenação de oito anos de reclusão.

O impetrante alegou que a qualificadora do motivo fútil que foi atribuída a ele não ficou configurada, e que teria desistido voluntariamente de realizar o crime, não caracterizando tentativa, e sim desistência voluntária. Alegou, ainda, excesso na dosimetria da pena. No entanto, os autos demonstraram que não havia como se retirar a qualificadora do motivo fútil, já que a motivação para o crime veio de mera concorrência comercial – no ramo de panificadoras – promovida pela vítima, e que o crime só não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade do réu. O excesso na dosimetria da pena também não foi caracterizado, no entendimento da Sexta Turma, que denegou a ordem.

O Resp 35.943, julgado na Quinta Turma, foi impetrado pelo Ministério Público contra decisão do TJSP. O tribunal estadual decidiu reduzir para 15 anos a pena de réu condenado inicialmente a esse tempo de reclusão pelo crime de latrocínio [roubo seguido de morte], mas que, após recorrer, alegando incompetência do juízo inicial – que reclassificou o crime para homicídio –, teve a pena aumentada para 17 anos pelo Tribunal do Júri.

Nesse caso, entraram em conflito dois institutos: o da proibição da “reformatio in pejus”, ou seja, reforma da decisão em prejuízo do réu, e o da soberania dos vereditos. O Ministério Público, à época, alegou no recurso especial que a proibição da “reformatio in pejus” não se aplicaria nos casos do Tribunal do Júri, devido ao preceito constitucional que garante a soberania dos seus julgados.

O STJ entendeu que a decisão do tribunal de origem, embora invocando aquela proibição – inaplicável aos julgamentos do Júri –, retificou a pena dentro de limites permitidos pelo CPP, sem a mínima divergência com as respostas dos jurados, as quais permaneceram intactas depois da decisão. Houve apenas a retificação da decisão do juiz presidente, sem afrontar a soberania do Júri, o que é permitido quando há injustiça no tocante à aplicação da pena. A Quinta Turma, então, negou provimento ao recurso do Ministério Público paulista.

História

A prática da realização do Júri é mais antiga do que se imagina. De acordo a doutrina, o Júri, como se conhece hoje, teve origem nos “judices jurati” dos romanos, órgãos julgadores compostos de cidadãos romanos; nos “dikastas” gregos, onde os cidadãos de Atenas julgavam os crimes pela sua convicção íntima; e ainda nos “centeni comites” dos germanos. Todos eram colegiados julgadores e se diferenciavam primordialmente pela forma de escolha dos participantes.

No entanto, foi durante o IV Concílio de Latrão, realizado em 1215 – o qual determinou a extinção das ordálias ou Juízos de Deus, responsáveis por conferir caráter teocrático aos julgados, em que geralmente o acusado era submetido a alguma provação para demonstrar sua inocência –, que o Júri ganhou a força dos tempos modernos. Após a proibição dos Juízos de Deus, as provações foram substituídas por reuniões de um conselho de jurados. Ainda naquele ano, a Magna Carta inglesa previu que, para prender, exilar ou retirar bens de qualquer homem livre, era necessário que ele fosse julgado por seus pares.

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