sábado, 27 de fevereiro de 2010

Relação de Consumo

Em homenagem à querida colega Luciana Moraes e ao Prof. André Carvalho






Juizados Especiais

Autor: Prof. Wellington de Oliveira

1 - Informações úteis sobre os Juizados Especiais Cíveis
1.1 - Conceitos importantes

O problema da morosidade da Justiça é muito grave nos dias de hoje principalmente em função da quantidade de demandas que são levadas à apreciação do Poder Judiciário.


Muitos anunciam que a causa dessa demora na prestação jurisdicional estaria justamente nos procedimentos estabelecidos pelo Código de Processo Civil que permite a interposição de um vasto número de recursos que só atrasariam ainda mais o processo. Alerta essa corrente doutrinária que dependendo da natureza da causa ela poderia ser resolvida de maneira muito mais simples, sem que fossem seguidas, à risca, todas as regras estabelecidas.

Importante destacar que este é um tema polêmico entre os doutrinadores, pois nem todos concordam que o problema se localiza na lei processual, e que o fato de suprimir recursos ou fazer qualquer tipo de modificação no procedimento poderia configurar uma lesão às garantias fundamentais do indivíduo, ofendendo o Princípio do Devido Processo Legal.

A despeito dessa polêmica, é importante destacar a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, no ano de 1995, que representou uma tentativa de simplificar o procedimento e fornecer uma resposta rápida aos conflitos menos complexos.

Assim, pode-se dizer que os Juizados Especiais Cíveis são órgãos da Justiça Comum, regidos pela Lei nº 9.099/95, que foram implantados com o objetivo de fornecer solução rápida às demandas mais simples, apresentando uma nova proposta de procedimento para tratar esses tipos de conflitos.

Demandas de menor complexidade podem ser apontadas como litígios que não possuem questões muito aprofundadas que ensejam procedimentos específicos ou providências complexas.

A própria Lei nº 9.099/95, art. 3º, define os critérios para que uma ação seja proposta perante os Juizados Especiais Cíveis, sendo estes relativos ao valor da causa, ou a natureza da demanda:

Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:

I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;

II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;

III - a ação de despejo para uso próprio;

IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.

Os Juizados Especiais Cíveis oferecem ao público um procedimento diversificado e simplificado.

Primeiramente aponta-se como um grande avanço da lei a facilitação do acesso das pessoas ao Poder Judiciário. À qualquer pessoa é garantido o benefício da justiça gratuita, que isenta o pagamento de custas iniciais. Tal providência está prevista no art. 54 da Lei nº 9.099/95:

Art. 54. O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas.

Outra importante providência é o fato de não ser exigida a presença do advogado em determinadas causas em virtude do valor.

Ora, a lei determina que nas causas até 20 salários mínimos a presença do advogado é dispensável, sendo esta obrigatória apenas quando o valor exceder esse limite, conforme determinação do art. 9º da Lei nº 9.099/95:

Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.

Estando a parte desacompanhada de advogado, deverá a mesma se dirigir ao Juizado Especial no setor da atermação, onde contará os fatos que acredita serem relevantes na formação de seu direito.

O atermador, ao ouvir os fatos, deverá trazudir juridicamente a pretensão do autor, elaborando uma petição ao juiz. É esse o momento inicial do processo.

Importante mencionar ainda Juizados Especiais Cíveis possuem diferenciados princípios que norteiam as suas diretrizes.

São eles: a celeridade na prestação jurisdicional, oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, todos elencados no art. 2º da Lei nº9099/95:
Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

Para se entender o que um desses princípios significa, pode-se dizer que a oralidade é a possibilidade de se permitir a documentação mínima dos atos processuais, sendo registrados apenas aqueles atos tidos como essenciais conforme dispõe o art. 13, §3º da Lei nº9099/95:

Art. 13. Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem realizados, atendidos os critérios indicados no art. 2º desta Lei.

§ 3º Apenas os atos considerados essenciais serão registrados resumidamente, em notas manuscritas, datilografadas, taquigrafadas ou estenotipadas. Os demais atos poderão ser gravados em fita magnética ou equivalente, que será inutilizada após o trânsito em julgado da decisão.

A simplicidade, por sua vez, compreende a idéia de ser simples, fácil e natural a condução do processo, bem como os atos processuais.

A informalidade se traduziria na máxima liberdade do juiz na condução do processo. É claro que o juiz não pode desrespeitar as normas constantes da lei, sob pena de colocar em cheque a segurança jurídica do indivíduo, mas o objetivo desse princípio é conferir ao magistrado um grau maior de liberdade para dirigir o processo da forma que julgar mais conveniente.

Já a economia processual pode ser explicada como a tentativa de poupar ao máximo o desperdício de trabalho, tempo e despesas processuais.

Finalmente a celeridade, deve ser entendida como a rápida solução do litígio, fornecendo à parte que foi buscar a solução de um conflito frente ao Juizado Especial, uma definição rápida e eficiente sobre o seu caso concreto.

Para a solução da demanda a Lei nº 9099/95 prevê a realização de audiências, que fornecem um contato pessoal entre as partes.

A primeira audiência será a Audiência de Conciliação, que fornece às partes um momento apropriado para tentar solucionar a demanda através de um acordo.

Essa audiência poderá ser dirigida pelo juiz responsável pela causa, ou por um conciliador sob sua orientação. É assim que determina o art. 22 da Lei nº. 9.099/95.

Art. 22. A conciliação será conduzida pelo Juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação.

As partes, nessa oportunidade serão advertidas das vantagens que a solução amigável pode trazer, eliminando-se, dessa forma, o conflito instaurado.

Também serão informadas sobre os riscos e quaisquer conseqüências que a tramitação de um processo judicial pode trazer.

Como se sabe, as causas que podem ser julgadas pelo Juizado Especial Cível devem possuir valor limite de até 40 salários mínimos.

Assim, a parte autora será advertida que a Conciliação é a única oportunidade de ser negociado um valor superior à alçada do Juizado, pois no caso do processo continuar seu curso, a opção pelo procedimento da Lei nº 9.099/95 implica na renuncia do valor excedente ao teto do Juizado que eventualmente a parte possua.

É o que determina o art. 3º, §3º da Lei nº 9.099/95:

Art. 3º (...)

§ 3º A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação.
Obtendo o acordo ele será homologado pelo juiz, através da sentença, que se constitui em título executivo.

A respeito do comparecimento das partes na Audiência de Conciliação, tem-se que é obrigatória a presença pessoal da parte, não admitindo-se a sua mera representação.

Na eventualidade do autor da demanda não comparecer, será aplicada a contumácia, que significa a extinção do processo sem julgamento do mérito.

Se comprovado um justo motivo para a ausência da parte autora, será a mesma isentada do pagamento das custas processuais. Assim determina o art. 51, I e § 2º da Lei nº9.099/95:

Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei:

I - quando o autor deixar de comparecer a qualquer das audiências do processo;
§ 2º No caso do inciso I deste artigo, quando comprovar que a ausência decorre de força maior, a parte poderá ser isentada, pelo Juiz, do pagamento das custas.

Por outro lado, quando a parte ré não comparecer será aplicada a pena de revelia, que significa que todos os fatos alegados pela parte autora serão considerados verdadeiros, a menos que o juiz tenha formado outro convencimento diante das evidências.

Assim dispõe o art. 20 da Lei nº. 9.099/95:

Art. 20. Não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do Juiz.

Se o acordo não for obtido, as partes podem optar pela solução do litígio através da figura de um árbitro, cuja decisão, após a homologação judicial se reputa irrecorrível.
Não obtendo acordo e não havendo opção pelo árbitro, o próximo passo é a chamada Audiência de Instrução e Julgamento, que tem por objetivo ouvir as partes, examinar as provas e proferir a sentença, ato judicial que põe fim ao processo.

A Audiência de Instrução e Julgamento pode ser realizada imediatamente após a Audiência de Conciliação, desde que isso não possa acarretar nenhum prejuízo à defesa da parte ré.

Havendo manifestação sobre esse prejuízo, a audiência será designada para os 15 dias posteriores.

Art. 27. Não instituído o juízo arbitral, proceder-se-á imediatamente à audiência de instrução e julgamento, desde que não resulte prejuízo para a defesa.

Parágrafo único. Não sendo possível a sua realização imediata, será a audiência designada para um dos quinze dias subseqüentes, cientes, desde logo, as partes e testemunhas eventualmente presentes.

Todas as questões analisadas na audiência serão discutidas pelas partes, pronunciando-se uma imediatamente após a outra, sem qualquer interrupção.

Qualquer questão que possa comprometer de o regular andamento da audiência será decidida pelo juiz, não havendo nenhum tipo de recurso contra essa decisão.

A solução para a inexistência de recurso (para essas decisões tomadas no curso da audiência) é a interposição de Mandado de Segurança como forma de recorrer de alguma eventual arbitrariedade cometida pelo juiz.

Quaisquer outras questões envolvendo o mérito da lide, será decidida pelo juiz, através da sentença.

Para recorrer, a parte deve estar, obrigatoriamente, acompanhada de um advogado devidamente habilitado, conforme previsão do art. 41, §2º da Lei nº 9.099/95:

Art. 41. (...)

§ 2º No recurso, as partes serão obrigatoriamente representadas por advogado.

A Lei nº 9.099/95 prevê apenas dois tipos de recursos: os Embargos Declaratórios e o Recurso Inominado, previstos nos artigos 48 e artigo 41 da Lei nº 9.099/95.

Os Embargos declaratórios poderão ser interpostos no prazo de 05 dias, quando a parte constatar que a sentença ou acórdão possui algum tipo de obscuridade, contradição, omissão ou dúvida, conforme previsão do art. 48 da Lei nº 9.099/95:

Art. 48. Caberão embargos de declaração quando, na sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida.

Já Recurso Inominado é uma modalidade de recurso que guarda características semelhantes ao recurso de apelação, e tem por objetivo que a revisão do julgado pela Turma Recursal conforme previsão do art. 41 da Lei nº 9.099/95:

Art. 41. Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio Juizado.

Os Juizados Especiais Cíveis possuem inegável valor social por ter como objetivo a socialização do acesso à Justiça, tendo como intenção principal aproximar o Poder Judiciário dos reclames da sociedade.

O legislador tentou fornecer à sociedade uma resposta para suas demandas, aquelas tidas como causas de menor complexidade, de forma otimizada, útil e sem delongas.

Contudo a Lei nº 9.099/95 deve ser analisada com maiores cautelas haja vista que o implemento da celeridade pode trazer alguns prejuízos às garantias constitucionais do processo.
"Ganhamos mas não levamos".
Análise jurídica do caso dos apostadores da mega sena de Novo Hamburgo
Elaborado em 02.2010.

Fernando Gaburri

Graduado pelo Instituto Vianna Júnior de Juiz de Fora/MG. Mestre em direito civil comparado pela PUC/SP. Procurador do Município de Natal/RN. Professor da FARN e professor convidado em cursos de pós-graduação e em congressos jurídicos. Autor de obras e artigos jurídicos.


1. Suporte fático: os apostadores do bolão de Novo Hamburgo

No sábado, 20.02.2010, um grupo de 40 apostadores de Novo Hamburgo/RS teria participado de um bolão e acertado todas as dezenas sorteadas no Concurso n. 1.155 da Mega Sena, cujo prêmio se encontrava acumulado em 52 milhões de reais.

No entanto, a aposta realizada na casa lotérica Esquina da Sorte não foi lançada no sistema de controle da Caixa Econômica Federal – CEF, o que os impediu de receber o milionário prêmio.

Em decorrência disso, para a CEF não houve acertadores das 6 dezenas, razão pela qual o prêmio teria acumulado para 61 milhões de reais.

O grupo de 40 apostadores tem apenas um papel comprovando os números da aposta, fornecido pela casa lotérica. Contudo, para a CEF somente o comprovante emitido pelo terminal de apostas é documento comprobatório para fins de recebimento de prêmios.

Segundo o gerente da casa lotérica, uma sociedade empresária terceirizada é quem cuidaria de fazer as combinações, e aquela apenas as apresentaria para os apostadores interessados. Aduz que poderia ter havido então algum erro gráfico, ou mesmo de digitação das apostas no sistema.


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2. Relação jurídica: o contrato de aposta

A relação jurídica existente entre os apostadores do referido bolão e a casa lotérica guarda natureza contratual e caracteriza-se como uma aposta. Nas linhas que se seguem procuraremos oferecer os elementos fundamentais desta figura contratual.

De início, algumas distinções entre jogo e aposta fazem-se oportunas. Apesar de receberem o mesmo tratamento jurídico, em razão da enorme semelhança que apresentam entre si, pelo fato de ambos estarem sujeitos à sorte, dependendo a prestação de uma das partes a outra, da verificação de um resultado ou acontecimento incerto, jogo e aposta são contratos distintos.

No jogo, as partes participam ativamente para a realização do acontecimento ou resultado. Esta participação pode ser tanto de caráter físico quanto intelectual, ou ainda envolver atividades de ambos os gêneros.

Assim sendo, considera-se jogo o carteado, a dama, o xadrez etc., em que se verifica a participação direta das partes, de sorte a influenciar no resultado final.

Já a aposta é caracterizada pela não participação das partes, ou seja, pela não intervenção de ambas na eclosão do acontecimento ou resultado incerto. Há apenas emissão de opiniões divergentes entre as partes, sobre um fato ou acontecimento que não depende da ação humana, ou então que dependa da ação de terceiros, estranhos às partes.

Observamos, contudo, que jogo e aposta são figuras tão próximas, que às vezes, na linguagem coloquial, acabamos utilizando uma pela outra. Assim nos ensinam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho [01] que quando dois amigos resolvem apostar uma corrida entre si, em verdade estão praticando um contrato de jogo. Ao contrário, quando falamos em jogar na Mega Sena, na verdade não estamos jogando, estamos sim apostando porque nossa opinião quanto às seis dezenas em nada influencia na verificação do resultado.

Os jogos e apostas podem ser de três espécies: proibidos, tolerados e autorizados. Os autorizados são aqueles albergados em lei, como é o caso da aposta em concursos de prognósticos.

Basicamente, o que diferencia, de um lado os jogos proibidos e tolerados, e de outro os autorizados, é a exigibilidade jurídica da prestação em favor do contemplado no jogo ou na aposta. Enquanto que nos primeiros a prestação não é exigível juridicamente, no caso dos jogos e apostas autorizados, o vencedor tem ação para exigir o pagamento do prêmio.

Elucida Guilherme Calmon Nogueira da Gama [02] que na obrigação juridicamente inexigível (denominada de obrigação natural pelo CC/16) existem direito e obrigação, mas o credor não está munido da faculdade de promover seu adimplemento forçado. Há, portanto, o débito desacompanhado da responsabilidade.

Percebemos por isso que o direito dispensou especial atenção aos jogos e apostas autorizados, uma vez que, conforme leciona Paulo Nader [03], a par de sua conotação recreativa, são úteis às políticas públicas, pois beneficiam os setores envolvidos. É o caso do Regime Geral de Previdência Social – RGPS – que tem como uma de suas fontes de custeio, os valores recebidos dos apostadores em concurso de prognósticos, nos termos do art. 26 da Lei n. 8.212, de 24.07.1991, nestes termos:

"Art. 26. Constitui receita da Seguridade Social a renda líquida dos concursos de prognósticos, excetuando-se os valores destinados ao Programa de Crédito Educativo. § 1º Consideram-se concursos de prognósticos todos e quaisquer concursos de sorteios de números, loterias, apostas, inclusive as realizadas em reuniões hípicas, nos âmbitos federal, estadual, do Distrito Federal e municipal.

§ 2º Para efeito do disposto neste artigo, entende-se por renda líquida o total da arrecadação, deduzidos os valores destinados ao pagamento de prêmios, de impostos e de despesas com a administração, conforme fixado em lei, que inclusive estipulará o valor dos direitos a serem pagos às entidades desportivas pelo uso de suas denominações e símbolos.

§ 3º Durante a vigência dos contratos assinados até a publicação desta Lei com o Fundo de Assistência Social-FAS é assegurado o repasse à Caixa Econômica Federal-CEF dos valores necessários ao cumprimento dos mesmos."


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3. Conduta ilícita: a não efetivação da aposta junto à Caixa Econômica Federal

Como vimos no tópico introdutório, os apostadores efetuaram o pagamento pelas apostas mediante bolão. A casa lotérica, por sua vez, não cuidou de fazer registrar aquela aposta junto à CEF. Uma vez anunciado o resultado, os apostadores do bolão não puderam receber o prêmio de R$ 52 milhões porque, para a CEF, a aposta seria inexistente.

Ora, percebemos que a conduta omissiva da casa lotérica violou direito dos apostadores, e causou-lhes dano. O fato ora narrado subsume-se à regra geral de responsabilidade civil, prevista no art. 186 do CC, a saber:

"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

Estamos diante da regra geral de responsabilidade civil subjetiva, ou seja, que imprescinde da prova de culpa do causador do dano, para que este possa ser judicialmente compelido a indenizar.

Certamente que o ônus de fazerem a prova de culpa não seria interessante para os apostadores. Estes, de fato, têm em seu socorro o CDC, que prevê a responsabilidade civil objetiva por fato do serviço, já que a casa lotérica nada mais fez do que prestar um serviço para a CEF, defeituoso, digamos de uma vez.

Segundo explica Roberto Senise Lisboa [04], a distinção básica entre produto e serviço é a preponderância da atividade do fornecedor para a outorga de um bem material ou imaterial. Sob a ótica do CDC há duas espécies de serviço, o por natureza e o por definição legal. Dentre os serviços por definição legal, elencados no § 2º do art. 3º do CDC, estão os de natureza bancária. Caso as apostas em loteria não possam ser consideradas serviços de natureza bancária, cairão na vala comum que é a de serviço por natureza, assim entendido toda atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração. Se esse serviço puder ser enquadrado na noção de serviço público, então a base da responsabilidade civil objetiva desloca-se para o § 6º do art. 37 da CF/88. Como podemos perceber, independentemente de qual seja o fundamento jurídico da responsabilidade civil da CEF, sua responsabilidade será objetiva.

Caberia aos apostadores, então, acionar a casa lotérica com base na responsabilidade objetiva do fornecedor de serviço, com fulcro no caput do art. 14 do CDC, que assim dispõe:

"Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos."

O § 1º do mesmo dispositivo determina a noção de defeito do serviço, nos seguintes termos:

"§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido."

De simples leitura dos textos consumeiristas supracitados, temos elementos mais do que suficientes para concluir que o risco que se poderia esperar da prestação do referido serviço era nenhum. Bastante seria que, após receber o valor da aposta, a casa lotérica providenciasse seu registro junto à CEF, por meio de simples alimentação de sistema informatizado.

Resolvida a questão de prescindibilidade do ônus da prova de culpa do fornecedor, que é a casa lotérica, caberia então aos apostadores ingressar em juízo contra si. Entrementes, é bastante provável que o patrimônio da casa lotérica não seja suficiente para fazer frente a uma indenização de R$ 52 milhões, o que poderá acarretar a abertura de seu processo de falência.

Se não a casa lotérica a pessoa jurídica mais indicada para o pagamento da indenização aos apostadores, quem então deverão acionar? Procuraremos, no tópico seguinte, demonstrar que a CEF responde objetivamente pelos atos da casa lotérica.


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4. Responsabilidade objetiva impura: o comitente responde por ato do cometido

À luz da moderna doutrina, a teoria objetiva pode ser subdividida em pura e impura.

Segundo seu idealizador, Álvaro Villaça Azevedo [05], a responsabilidade objetiva, como regulada no CC, ainda guarda muito apego à teoria da culpa. Nesta ordem de idéias, a responsabilidade objetiva impura tem, sempre, como substrato, a culpa de terceiro vinculado à atividade do indenizador, enquanto que a teoria objetiva pura não se liga à culpa de quem quer que seja.

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka [06] expõe matizar-se a responsabilidade civil objetiva pura pelas cores da absoluta desimportância de se indagar a respeito da culpa, quer seja a do próprio agente obrigado legalmente a pagar, quer a da vítima, quer a de terceiro, seja ele quem for; e se matiza, também, pelas cores da esdrúxula fonte da qual se origina, vale dizer, a atividade licitamente desenvolvida, sob as ordens e exigências legais de toda a espécie, mesmo que a fonte próxima seja o próprio fato jurídico causador dos danos.

Em nossas sínteses, diríamos que na responsabilidade objetiva impura a pessoa que indeniza o faz sem que tenha necessariamente agido com culpa; indeniza-se por culpa de outrem. Já na objetiva pura, não interessa se há culpa de alguém, indeniza-se porque a lei assim o determina. No caso sob exame, falamos da teoria objetiva impura, por fato de terceiro. Não há culpa da CEF, mas esta indeniza, objetivamente, por culpa de terceiro por quem responde por força de lei.

Assim, para acionarem a CEF, os apostadores podem se valer da teoria da responsabilidade objetiva por fato de terceiro, nos moldes do art. 932, III, do CC, nestes termos vazados:

"Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele".

Essa responsabilidade do comitente, por ato de seu cometido será objetiva, por força do que dispõe o art. 933 do CC, a saber:

"Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos."

A teoria da responsabilidade por fato de terceiro tem origem no Code Napoléon que, em seu art. 1.384 assim dispõe:

"On est responsable non seulement du dommage que l´´on cause par son propre fait, mais encore de celui qui est causé par le fait des personnes dont on doit répondre, ou des choses que l´´on a sous sa garde. (...)

Le père et la mère, en tant qu´´ils exercent le droit de garde, son solidairement responsables du dommage causé par leurs enfants mineurs habitant avec eux.

Les maîtres et les commettants, du dommage causé par leurs domestiques et préposés dans les fonctions auxquelles ils les ont employés;

Les instituteurs et les artisans, du dommage causé par leurs elèves et apprentis pendant le temps qu´´ils sont sous leur surveillance. [07]"

Ensina René Demogue [08] que a condição de preposto caracteriza-se essencialmente por Sua dependência, subordinação e obediência, necessárias à direção, supervisão e outras ordens do comitente. Após afirmar que são os prepostos quem representam uma pessoa de modo permanente, exemplifica com o agente de seguro, representante comercial, administrador etc.

O esforço argumentativo que se segue é no sentido de demonstrarmos que a CEF é responsável por ato da lotérica, porquanto esta agiu por conta e no interesse daquela.

Não teria a CEF como manter em todos os bairros de cada cidade do país aparato físico, tampouco pessoal suficiente concursado como empregados públicos, para se dedicarem à realização de apostas. Em face dessa carência técnica, física e financeira, a CEF delega a algumas sociedades empresárias o exercício da função de arrecadar e repassar o dinheiro das apostas, bem como registrá-las em sistema informatizado. Essas pessoas jurídicas empresárias são, em sua maioria, as conhecidas casas lotéricas, mas não as únicas. Sabemos também de alguns provedores de internet credenciados para receber apostas e efetuar descontos em boletos de mensalidade de prestação do respectivo serviço de acesso à internet.

Verificada que está essa necessidade da CEF de pulverizar os pontos de apostas pelas lotéricas espalhadas por todo o país, é ela, CEF, a responsável por atos de seus cometidos que, nesta qualidade, causarem danos a terceiros.

A jurisprudência pátria, inclusive, conhece que se pode estender a noção de preposto de uma pessoa jurídica a outra pessoa jurídica, senão vejamos:

"INDENIZATÓRIA. LOCAÇÃO DE IMÓVEL NO LITORAL. PAGAMENTO DA METADE DO ALUGUEL ANTECIPADO. INQUILINA QUE, NA DATA PREVISTA PARA O INÍCIO DO CONTRATO, DEPARA COM OUTRAS PESSOAS OCUPANDO O IMÓVEL. CELEBRAÇÃO DO CONTATO PELA CORRETORA DO IMÓVEL À REVELIA DA PROPRIETÁRIA, SEM PODERES PARA TANTO. RESPONSABILIDADE INDIRETA E OBJETIVA DA ADMINISTRADORA PELOS ATOS PRATICADOS POR SUA PREPOSTA, AINDA QUE TENHA HAVIDO ABUSO DE FUNÇÕES. ARTS. 932, III, C/C 933 DO CC.

1) Proprietária do imóvel que deve ser responsabilizada apenas pela devolução do valor do aluguel que recebeu, mesmo sem autorização, via depósito em conta corrente. Ausência de responsabilização pelos danos materiais ou morais sofridos pela autora, pois não houve culpa da dona do imóvel, que não havia dado poderes à corretora para celebrar contratos em seu nome.

2) Administradora de imóveis que, na condição de comitente da corretora, responde pela integralidade dos prejuízos suportados pela vítima, mesmo que tenha havido abuso de funções por parte da preposta, ficando-lhe assegurado o exercício de direito de regresso. (...)" (TJ/RS – 3ª t. rec. – Recurso Inominado n. 71002298297 – Rel. Eugênio Facchini Neto – j. 28.01.2010 – v.u).

Para os apostadores prejudicados é vantagem o ingresso de demanda em face da CEF, em razão de sua maior solvabilidade. Caberá então à CEF ressarcir-se junto à casa lotérica, sua cometida, conforme explanaremos a seguir.


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5. O único documento válido é o comprovante de aposta: a alegação da própria torpeza confronta com o princípio da boa-fé

A CEF aduz que o único documento válido para legitimação do recebimento do prêmio é o comprovante de aposta, emitido em nome de uma única pessoa. Em outras palavras, para a CEF, o documento emitido pelas lotéricas pelos chamados bolões não tem nenhum valor jurídico. Ora, toma-nos de assalto uma tal informação, pois não era de sua ignorância que essa prática sempre existiu e, digamos com todas as letras, sempre lhe trouxe vultoso retorno. O que pretende a CEF agora, após por tantos anos ter se beneficiado das apostas feitas em bolões, negar-lhes reconhecimento?

Frente a tal argumento, em nosso entender completamente infundado, algumas palavras sobre o princípio da boa-fé objetiva devem ser trazidas.

A boa-fé objetiva é uma cláusula geral que determina um padrão ético, de comportamento a ser observado no caso concreto, tendo-se em vista o que se espera do homem mediano frente a cada situação, particularmente considerada. Não se leva em conta o estado psicológico do sujeito, mas se lhe exige que siga um padrão de conduta socialmente aceito e eleito como correto.

Sintetiza Guilherme Calmon Nogueira da Gama [09] que a boa-fé objetiva é parâmetro de correção de conduta leal, proba e honesta. Já a boa-fé subjetiva é considerada como estado anímico representado pela ignorância de determinado aspecto relevante da avença, proporcionando a crença pessoal de se estar agindo conforme ao direito.

Para identificarmos a boa-fé objetiva, devemos saber como o homem mediano agiria, como pensaria, o que dele se poderia esperar, em determinada situação, e de acordo com as circunstâncias que a envolvem, como idade, sexo, condição social, região do país etc. Respondendo a essas indagações, ou a outras análogas, é que encontraremos a definição de boa-fé objetiva e, como já podemos perceber, seu sentido poderá variar, de acordo com cada situação, concretamente considerada. Daí dizermos que a despeito de seu caráter principiológico, a boa-fé objetiva é também uma cláusula geral, cujo sentido fica na dependência de ser preenchido pelo intérprete, para possibilitar que o princípio maior, da eticidade, seja atendido.

Deste modo, como cláusula geral, a boa-fé objetiva apresenta sentido móvel, permitindo que o magistrado o ajuste às particularidades do caso concreto, tais como o local onde se entabula o negócio, a natureza do contrato, bem como o grau de instrução dos contratantes.

Segundo Judith Martins Costa [10], a boa-fé objetiva é um mandamento de cooperação intersubjetiva e de consideração aos interesses do parceiro contratual. Podemos dizer que se trata de um padrão de conduta, de um comportamento reto, leal, honesto e de colaboração, que atenda às justas expectativas da outra parte.

Conforme nos ensinam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho [11], ao lado do dever jurídico principal, consubstanciado em prestação de dar, fazer ou não fazer, existem os deveres laterais, anexos ou satelitários, como querem os professores citados, decorrentes da boa-fé objetiva, e consistentes em lealdade, confiança, assistência, informação, confidencialidade, sigilo, dentre outros.

Esse princípio concretiza o princípio da eticidade, que, ao lado da operabilidade e sociabilidade, norteia todo o CC.

Do princípio da boa-fé objetiva decorrem outros subprincípios, dentre os quais de perto nos interessa o tu quoque. É expressão retirada da conhecida frase Tu quoque Bruti filli mi? – até tu Brutus, meu filho? – proferida por Júlio César.

Trata-se da vedação pelo direito da utilização de uma faculdade, que foi obtida ilicitamente. Ou seja, aquele que infringiu uma norma jurídica não pode invocá-la em proveito próprio.

Configura-se na proibição de o interessado valer-se da própria torpeza para pleitear direitos.

Em arrimo ao entendimento aqui esposado, trazemos à lume o seguinte julgado:

"NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. APELAÇÃO CÍVEL. Restando comprovado que a autora se beneficiou com o valor do empréstimo em discussão e, considerando que o banco responde pelos atos praticados por seus prepostos no exercício do trabalho que lhes competir, conforme artigo 932, inciso III, do CPC, a manutenção da sentença, que julgou parcialmente procedente o pedido, é medida que se impõe. Apelações desprovidas." (TJ/RS – 11ª C. Civ. – A.C. 70031598337 – Rel. Des. Voltaire de Lima Moraes – j. 25.11.2009 – v. u.).

Entendido que inexiste arrimo para que alguém se socorra da própria torpeza, analisemos, no tópico que se segue, a situação da CEF, caso seja condenada a prestar a indenização aos apostadores do bolão.


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6. Direito de regresso: a desconsideração da personalidade jurídica da casa lotérica

Uma vez condenada à reparação civil, consistente no pagamento do prêmio aos apostadores, a CEF terá legitimidade para, em direito de regresso, acionar a pessoa jurídica da casa lotérica. É isso que preconiza o art. 934 do CC, a saber:

"Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz."

A CEF poderá acionar a casa lotérica em ação autônoma, ou na mesma ação em que é demandada. No segundo caso, poderá valer-se da denunciação à lide, conforme prevista no art. 70, III, do CPC, a saber:

"Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:

III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda."

Como percebemos, o CPC não cuidou de definir o instituto da denunciação à lide, passando logo à sua enumeração. Segundo Daniel Assumpção Neves [12], trata-se de modalidade de intervenção de terceiros que se presta para que uma das partes traga ao processo um terceiro que tem responsabilidade de ressarci-la pelos eventuais danos advindos do resultado desse processo. O direito regressivo da parte contra terceiros é o fator principal que legitima a denunciação da lide.

Diferentemente da responsabilidade da CEF perante os apostadores, que é objetiva, a responsabilidade da casa lotérica em relação à CEF será subjetiva, com base no princípio geral de responsabilidade civil insculpido no já transcrito art. 186 do CC. Em outras palavras, para ressarcir-se, deverá a CEF, em ação de regresso, provar a culpa do administrador ou gerente da casa lotérica.

Ainda assim, como já dissemos supra, muito provavelmente a casa lotérica não terá lastro para fazer frente à tamanha reparação.

Sabemos também da existência de um princípio que vinha expresso no CC/16, mas não repetido no CC/02, de que o patrimônio da pessoa jurídica não se confunde com o de cada um de seus sócios. Falamos aqui do art. 20 da anterior codificação que assim dispunha:

"Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros."

Se não foi expressamente repetido pela atual codificação, esse princípio decorre do próprio sistema, já que a pessoa jurídica titulariza personalidade jurídica diversa da de cada um de seus sócios. Ademais, apenas a título de esclarecimento, a única hipótese de coexistência de patrimônio seria o caso do empresário individual, ou seja, do empresário pessoa natural que, ainda assim, destaca parte de seu patrimônio para emprego no exercício da empresa.

Em caso de abuso da personalidade da pessoa jurídica, caracterizada pelo abuso de sua finalidade, presumida esta em caso de confusão patrimonial, o juiz, a requerimento da parte interessada, ou do MP, quando lhe couber intervir nos autos, poderá desconsiderar a personalidade jurídica em relação a determinados atos.

É para coibir essa espécie de abuso que a doutrina desenvolveu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine ou disregard the legal entity. No direito francês recebeu a denominação de abus de la notion de personnalité sociale e na itália, teoria do superamento della personalità giuridica.

Segundo essa teoria, o juiz poderá afastar a aplicação do princípio constante no art. 20 do CC/16, de que a pessoa jurídica tem existência distinta da de seus sócios, quando estes agirem de má-fé ou com fraude,para sujeitar o patrimônio dos sócios à satisfação das obrigações contraídas pela sociedade, mediante o levantamento do véu da personalidade jurídica – lifting the corporate veil.

Entretanto, a decisão judicial que desconsidera a personalidade da pessoa jurídica não desfaz seus atos constitutivos, nem extingue sua personalidade jurídica, porque tais atos são apenas suspensos provisoriamente, e para efeitos decorrentes do caso concreto. Em outras palavras, a desconsideração da personalidade jurídica tem natureza unicamente processual, de modo que é correto afirmar que desconsideração não importa em despersonificação.

O CC/02 disciplinou a desconsideração da personalidade jurídica em seu art. 50, dispondo que:

"Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica."

Primeiramente vale salientarmos que o simples inadimplemento de obrigações contraídas pela pessoa jurídica, desacompanhado de seu uso abusivo, não é fato suficiente a autorizar a desconsideração de sua personalidade. Caso bastasse o mero inadimplemento, a desconsideração, que deveria ser excepcional, passaria a tornar-se regra, o que certamente prejudicaria a segurança jurídica que deve sempre fazer-se presente nos negócios obrigacionais.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho [13] chamam a atenção para o fato de que a norma geral sobre a desconsideração da personalidade jurídica não se limita aos sócios, estendendo-a aos administradores da pessoa jurídica. Isso porque, muitas vezes, os administradores são os verdadeiros donos da pessoa jurídica que, por sua vez, é registrada em nome dos chamados "testas-de-ferro".

Ainda há um importante desdobramento acerca da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que se faz oportuno esclarecermos.

Existem a teoria maior e a menor da desconsideração da personalidade jurídica. Segundo a teoria maior, o juiz fica autorizado a desconsiderar a personalidade jurídica para coibir fraudes e abusos praticados em seu nome. Como vemos, para essa teoria, a desconsideração só tem lugar em casos específicos.

Já a teoria menor autoriza o juiz a desconsiderar a personalidade jurídica em caso de mero prejuízo do credor. Trata-se de formulação muito mais elástica, e muito menos elaborada. Vem prevista no § 5º do art. 28 do CDC, nos seguintes termos:

"Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores."

Entre a CEF e a casa lotérica, deve ser adotada a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do citado art. 50 do CC, porquanto a relação jurídica travada entre ambas, de comitente e cometido, não se configura como de consumo. Caso os apostadores houvessem ingressado diretamente em face da casa lotérica, aí sim poderiam utilizar-se da teoria menor, porquanto entre estes configurada estaria a relação de consumo.

Fato é, no entanto, que quer utilizada a teoria da disregard pela CEF contra a casa lotérica, ou mesmo pelos apostadores contra ela, em nenhum caso acreditamos que seus sócios ou administradores terão lastro suficiente para o pagamento de uma indenização no importe de 52 milhões de reais.


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7. Aspectos penais do ilícito civil: a configuração do delito de estelionato

É importante termos em mente que a prática de uma conduta tipificada como crime atinge o interesse de toda a sociedade, e por isso deve ser reprimida pelo Estado. Não menos verdade é, todavia, que essa mesma conduta pode atingir um interesse privado do ofendido, quer o prejuízo advenha em seu patrimônio, quer em seus direitos da personalidade.

Sabemos, outrossim, da relação de relativa independência das instâncias penal e civil, conforme disposto no art. 935 do CC, a saber:

"Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal."

Como já tivemos oportunidade de destacar, concomitantemente ao ilícito civil, pode ser configurado um ilícito penal, para tanto bastando que determinada conduta, levada a efeito, esteja descrita em alguma lei penal, como fato típico.

Informam Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly [14] que o direito comparado conhece dois sistemas de disciplina da interdependência entre as instâncias penal e civil, a saber:

a) sistema da união, pelo qual o juiz penal resolve sobre o crime e sobre a reparação do dano; e

b) sistema da separação, pelo qual a reparação deve ser pleiteada no juízo cível.

No Brasil vigora o sistema da separação, nos termos do art. 935 do CC, ao passo que, por exemplo, em Portugal, como regra, vigora o sistema da união por força do art. 71 de seu CPP.

Não nos esqueçamos, contudo, que a teoria geral do processo, dentre outros, é regida pelo princípio da unidade de jurisdição. Segundo esse princípio, a divisão da justiça em matérias especializadas tem unicamente caráter prático, possibilitando, do ponto de vista didático, melhor organização dos estudos, e do ponto de vista da atuação dos magistrados, uma maior especialização na matéria.

Nas explanações de Fredie Didier Júnior [15], por questão de conveniência, especializam-se setores da função jurisdicional. Distribuem-se as causas pelos vários órgãos jurisdicionais, conforme as suas atribuições, que têm seus limites definidos em lei. Limites que lhes permitem o exercício da jurisdição. A jurisdição é una, porquanto manifestação do poder estatal. Entretanto, para que mais bem seja administrada, há de ser feita por diversos órgãos distintos.

Então, quando falamos de instâncias criminal e civil, o fazemos em razão da competência material atribuída a cada juízo, sem perdermos de vista o princípio da unidade de jurisdição.

No caso em tela, uma das possibilidades é que tenha sido empregado meios fraudulentos para que houvesse obtenção de indevida vantagem econômica por parte de algum agente da casa lotérica.

Se essa hipótese restar comprovada, estaremos então frente à figura típica de estelionato, prevista no art. 171 do CP. Vejamos então o que preconiza o dispositivo:

"Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa."

Comentando o dispositivo, anota Rogério Greco [16] que "desde que surgiram as relações sociais, o homem se vale da fraude para dissimular seus verdadeiros sentimentos, intenções, ou seja, para, de alguma forma, ocultar ou falsear a verdade, a fim de obter vantagens que, em tese, lhe seriam indevidas".

Para a configuração do estelionato é necessário que uma pessoa obtenha uma vantagem ilícita para si própria ou para outra, e que dessa vantagem decorra prejuízo para alguém e mais, que a conduta do estelionatário esteja dirigida finalisticamente para o prejuízo da outra. Em outras palavras, ao falarmos de estelionato, falamos do binômio vantagem/prejuízo.

Mas, para configuração desse delito, é necessária a prova de dolo do agente fraudador, pois do contrário o fato será atípico. Sua atipicidade, entretanto, em nada interfere nos reflexos civis da conduta, importando, tão-somente, no reconhecimento de irrelevância para o direito penal.

As autoridades policiais estão investigando se se trata de um fato isolado, ou se naquela lotérica a prática de não registrar apostas era corriqueira. Logicamente que aqueles apostadores assíduos que até hoje não foram contemplados no sorteio não se preocuparam, após cada concurso, em contatar a CEF para saberem se sua aposta foi ou não registrada. Em palavras simples, se configurada a reiteração da prática delitiva, podemos então dizer que a sorte da lotérica era o azar dos apostadores. Mas desta vez, o azar da lotérica foi a sorte dos apostadores.

Contudo, a imprensa vem noticiando que uma empregada da lotérica teria cometido um erro no registro da aposta. Se essa informação se confirmar, afastado estará o estelionato, pois diante de um erro, causado por um descuido, não se pode falar em dolo de quem quer que seja, quer direto, quer eventual. Isto porque o CP prevê no parágrafo único de seu art. 18 que ressalvadas as hipóteses expressamente previstas em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. E o estelionato só é punido na modalidade dolosa.


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8.. Observações finais

Do que aqui sustentamos, segundo nossas primeiras impressões sobre o fato são no seguinte sentido:

a) Trata-se de responsabilidade objetiva impura, por fato de terceiro.

b) Ao condenado à indenização será possível regressar contra o verdadeiro culpado, quer em ação autônoma, quer mediante intervenção de terceiros, na modalidade de denunciação à lide.

c) Em direito de regresso, a responsabilidade será subjetiva, havendo o primeiro condenado que provar a culpa daquele contra quem se pretende ressarcir.

d) O fato causador de dano na esfera cível também pode refletir na seara criminal. Em que pese a jurisdição ser una, sua divisão especializada mostra-se interessante tanto para os jurisdicionados, como para os órgãos que efetuam a prestação jurisdicional.

e) Em tese, é possível que se verifique a prática do delito de estelionato. Este delito, no entanto, só é punido em sua forma dolosa. Como tudo indica que houve falha humana quanto a não efetivação do registro das apostas, caracterizada está a negligência.

f) A irrelevância penal do fato não repercute na esfera civil, que busca a reparação dos prejudicados.

g) Caracterizada a fraude, mediante utilização abusiva da personalidade jurídica, pode ser aplicada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica para se agredir o patrimônio dos sócios, se o da sociedade empresária não for suficiente.

h) Por fim, nossa idéia não é criticar ou prejudicar quem quer que seja. Propomo-nos apenas a analisar o fato social à luz das regras oferecidas pelo arcabouço jurídico. E pudemos perceber que nosso direito encontra-se satisfatoriamente aparelhado de normas – princípios e regras – capazes de solucionar, com justiça e presteza, o caso que ora estudamos.


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9. Referências bibliográficas

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Proposta de classificação da responsabilidade objetiva: pura e impura. Cadernos de direito constitucional e ciências políticas, a. 4, n. 14, São Paulo: RT, 1996.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. Ed. São Paulo: Atlas, 2008.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. 2. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 4. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

DEMOGUE, René. De La réparation civil des délicts. Paris: Librairie Nouvelle de Droit ET de Jurisprudence, 1898.

DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. V. 1. 7. Ed. Salvador: JUSPODIVM, 2007.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. V. 1. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

________________________________________________ Novo curso de direito civil. V. 4. T. 2. São Paulo: Saraiva, 2008.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: obrigações. São Paulo: Atlas, 2008.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal. V. 3. 4. Ed. Impetus: Niterói, 2007.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2. Ed. São Paulo: RT, 2006.

MARTINS-COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002.

NADER, Paulo. Curso de direito civil. V. 3. 4. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

NEVES, Daniel Assumpção. Manual de direito processual civil. São Paulo: Método, 2009.


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Notas

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de dirieto civil, v. 4, t. 2, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 562.
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Direito civil: direito das obrigações, São Paulo: Atlas, 2008, p. 190.
Paulo Nader, Curso de direito civil, v. 3, 4 ed, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 399.
Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil nas relações de consumo, 2 ed, São Paulo: RT, 2006, p. 177.
Álvaro Villaça Azevedo, Proposta de classificação da responsabilidade objetiva: pura e impura, Cadernos de direito constitucional e ciências políticas, a. 4, n. 14, São Paulo: RT, 1996, p. 31.
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Novos rumos da reparação satisfatória, (texto gentilmente cedido por e-mail pela própria autora).
"Alguém é responsável não só pelo dano que causar por fato próprio, mas também como daquele causado pelo fato das pessoas pelas quais se deve responder, ou das coisas que se tem sob sua guarda. (...) pai e a mãe, enquanto exercem o direito de guarda, são solidariamente responsáveis pelo dano causado por seus filhos menores que com eles habitam; Os proprietários e os comitentes, pelo dano causado por seus empregados domésticos e prepostos nas funções para as quais são empregados; os mestres e artesãos, pelos danos causados por seus alunos e aprendizes."
René Demogue, De La réparation civil des délits, Paris: Librairie Nouvelle de Droit ET de Jurisprudence, 1898, p. 71-72.
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Direito civil, cit., p. 97.
Judith Martins-Costa, Diretrizes teóricas do novo Código Civil, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 199.
Pablo stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso, v. 4, cit., p. 14.
Daniel Assumpção Neves, Manual de direito processual civil, São Paulo: Método, p. 205.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, v. 1, 10 ed, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 233.
Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly, Curso de processo penal, 4 ed, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 154.
Fredie Didier Júnior, Curso de direito processual civil, v. 1, 7 ed, Salvador: JUSPODIVM, 2007, p. 93.
Rogério Greco, Curso de direito penal, v. 3, 4 ed, Niterói: Impetus, 2007, p. 239.

Fonte: Jus Navigandi

Culpa presumida não afasta responsabilidade em acidente de trabalho

Culpa presumida não afasta responsabilidade em acidente de trabalho
26/02/2010 - 06:05 | Fonte: TST

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve a condenação do Tribunal Regional da 12ª Região à Construtora Fetz Ltda., por responsabilidade em um acidente de trabalho ocorrido no ano de 2002, afastando o argumento apresentado pela empresa de que inexistia a responsabilidade, pois a culpa teria sido exclusiva do ex-empregado.

Um ex-empregado da construtora sofreu um acidente de trabalho em 2002, que resultou na amputação parcial de três dedos da mão direita, causando a redução de sua capacidade de trabalho. Ele executava a manutenção e lubrificação no interior de uma “bomba de mandar concreto”com a máquina em ponto morto e ainda mantinha as mãos dentro do equipamento, quando um outro empregado da empresa, sem a devida atenção, acionou a máquina causando o acidente e a consequente lesão.

O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região entendeu estarem presentes os requisitos da responsabilidade civil com base na Súmula 341 do STF na qual “é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”, condenando a empresa “ao pagamento de indenizações por danos morais, estéticos e materiais, despesas de tratamento e pensão mensal”. Confirmou, portanto, a sentença da Vara do Trabalho.

A empresa recorreu dessa decisão ao TST alegando que “o acidente de trabalho efetivamente ocorreu, mas por culpa exclusiva do recorrido”, afirmando ainda inexistir qualquer motivo para que o ex-empregado realizasse a manutenção e lubrificação da máquina com ela em ponto morto quando o correto seria desligá-la totalmente, e que o fato do preposto (empregado da empresa) ter acionado a alavanca de funcionamento e causado o acidente, seria causa secundária do ocorrido, pedindo portanto a exclusão da responsabilidade pelo acidente. Apontou violação ao artigo 159 do Código Civil de 1916.

A relatora do recurso de revista, ministra Rosa Maria Weber, ao analisar o caso na Terceira Turma, observou que o artigo 159 do Código Civil de 1916, vigente à época do acidente , “não estabelece a exclusão da culpa da reclamada na hipótese de suposta causa primária do acidente ser imputada unicamente à vítima do infortúnio”, entendendo, portanto, que o empregador é responsável pela reparação civil de danos causados por seus prepostos no exercício do trabalho, não afastando a responsabilidade da empresa. (RR-138200-93.2005.5.12.0020)

Dirceu Arcoverde

Terror psicológico continuado leva empresa a indenizar vendedor

Terror psicológico continuado leva empresa a indenizar vendedor
26/02/2010 - 06:30 | Fonte: TST

Humilhação, assédio moral e terror psicológico continuado. Uma grande empresa de seguros foi condenada a pagar indenização no valor de R$ 20 mil a um de seus vendedores que foi moralmente ofendido ao ser submetido à técnica de estímulo a vendas baseada no terror e na humilhação. A condenação foi mantida na Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em recurso no qual a empresa pretendia, entre outros, se isentar da punição.

O empregado trabalhou na empresa de 1989 a 2006 como vendedor de seguros. No mesmo ano da dispensa, reclamou na Justiça a ofensa sofrida e conseguiu indenização de R$ 100 mil, valor que o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE) considerou excessivo para a situação e o reduziu para R$ 20 mil. Ainda insatisfeita, a empresa recorreu ao TST, mas o valor foi mantido.

Ao examinar o caso na Primeira Turma, o ministro Vieira de Mello Filho verificou que o acórdão regional registrou a conduta abusiva da empresa no relacionamento com o vendedor, expondo-o a “vexame e constrangimento contínuo e habitual em seu ambiente de trabalho”, por conta da cobrança de melhores resultados nas vendas, inclusive com ameaça de dispensa.

Ao se manifestar na sessão de julgamento, o presidente da Primeira Turma, ministro Lelio Bentes Corrêa, expressou sua preocupação com as metas de vendas buscadas pelas empresas que utilizam a técnica do terror e da humilhação para conseguir melhores resultados. No presente caso, “a punição é necessária até para que a empresa reveja seu relacionamento com os demais empregados”, afirmou. (AIRR-91440-35.2006.5.06.0015) Veja também o vídeo Especial: Assédio moral no trabalho pode prejudicar empregados e empregadores - 11/02/2010

Mário Correia

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Lei que isenta adotante de criança carente do pagamento de IPTU é constitucional

Fonte: TJRN

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte determinou a isenção do pagamento de IPTU a uma senhora que adotou criança carente.

Tal benefício é previsto na Lei Municipal nº 117/1994 (art. 1º): “Fica isento do pagamento de IPTU incidente sobre o imóvel de sua propriedade e em que residir o contribuinte que venha a adotar, legalmente, criança carente”.

A senhora, que é moradora do bairro de Candelária, em Natal/RN, adotou uma criança carente através de processo judicial, em 2004. E, em julho de 2006, ela ingressou com um pedido administrativo a fim de obter o benefício fiscal de isenção de IPTU para o imóvel onde reside, conforme está previsto na Lei Municipal nº 117/1994 (art. 1º), entretanto, foi negado. E, por isso, resolveu ingressar na Justiça a fim de obter o benefício.

O juiz da 3ª Vara da Execução Fiscal e Tributária da Comarca de Natal, o dr. Felipe Barros, concedeu o benefício à autora determinando que o Fisco municipal considerasse isenta de IPTU a propriedade do imóvel em que a mesma reside, partir de 25 de junho de 2006, data em de início do pleito junto à Administração Pública.

Entretanto, o Município de Natal disse que a matéria tratada na referida Lei não poderia ser objeto de projeto de lei de iniciativa da Casa Legislativa municipal, pois a Lei Orgânica do Município (art. 39, §1º) prevê que a competência para conceder esse tipo de concessão seria de iniciativa privativa do chefe do executivo.

Dentre as argumentações apresentadas, o Município disse ainda que a inconstitucionalidade da Lei está sendo questionada perante o Superior Tribunal de Justiça em Recurso Extraordinário, "não tendo havido pronunciamento da Suprema Corte a respeito". E recorreu ao Tribunal de Justiça do RN.

Entretanto, o relator do processo, o des. Cristóvam Praxedes, disse a Lei Orgânica do Município de Natal não pode limitar a competência de iniciativa de lei que estabeleça norma de não incidência tributária ao Poder Executivo, pois nem a Constituição Federal limitou essa competência. Para o magistrado, não se pode confundir a iniciativa para a edição de normas de incidência tributária – ou de não incidência tributária, como é o caso -, com a iniciativa de lei orçamentária, mesmo interferindo na receita do município.

“O dispositivo inserto no artigo 39, §1º, da Lei Orgânica do Município do Natal é que estabelece uma restrição inconstitucional, não a Lei Municipal nº 117/1994, a qual foi editada em consonância com os princípios irradiados pela Norma Maior (art. 29, caput)”, disse o relator.

De acordo com o relator, a Lei Municipal nº 117/1994 estimula a realização de um princípio expresso na Constituição, art. 226, inciso VI do §3º, que é a ampla proteção à criança e ao adolescente: “tal dispositivo aponta para a necessidade de adoção de medidas pelo próprio poder público no sentido de estimular, através, inclusive, de incentivos fiscais – tal como é classificada a isenção -, que a sociedade promova a convivência familiar da universalidade das crianças e adolescentes, em especial daqueles que se encontrem em situação de carência”.

Dessa forma, o Desembargador julgou estar afastada qualquer hipótese de inconstitucionalidade da lei municipal em questão, mantendo a sentença dada em primeiro grau.
Evolução histórica do Direito do Consumidor
Elaborado em 09.1999.

Flávio Barbosa Quinaud Pedron

Mestre e Doutorando em Direito pela UFMG. Especialista em Direito Processual pela PUC-Minas. Professor de Teoria Geral do Processo e Direito Processual na PUC-Minas. Professor de Hermenêutica Jurídica, Filosofia do Direito, Ciência Política e Teoria do Estado no Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, Belo Horizonte/MG. Advogado

Viviane Machado Caffarate

Graduada pelaa Faculdade Mineira de Direito (PUC/MG), em Belo Horizonte (MG). Analista Tributária da Receita Federal


I. A Evolução do Direito do Consumidor

O Direito do Consumidor é obra relativamente recente na Doutrina e na Legislação. Tem seu surgimento como ramo do Direito, principalmente, na metade deste século. Porém, indiretamente encontramos contornos deste segmento do Direito presente, de forma esparsa, em normas das mais diversas, em várias jurisprudências e, acima de tudo, nos costumes dos mais variados países. Porém, não era concebido como uma categoria jurídica distinta e, também, não recebia a denominação que hoje apresenta.

Altamiro José dos Santos destaca o Código de Hamurabi (2300 a.C.). Este já em seu tempo regulamentava o comércio, de modo que o controle e a supervisão se encontravam a cargo do palácio. O que demonstrava que se existia preocupação com o lucro abusivo é porque o consumidor já estava tendo seus interesses resguardados. Santos lembra que:

"consoante a" lei "235 do Código de Hamurabi, o construtor de barcos estava obrigado a refazê-lo em caso de defeito estrutural, dentro do prazo de até um ano (...)" (Santos, 1987. p. 78-79).

Desta norma podemos supor uma noção dos vícios redibitórios. Havia também regras contra o enriquecimento em detrimento de outrem ("lei" 48), bem assim a modificabilidade unilateral dos desajustes por desequilíbrio nas prestações, em razão de forças da natureza.

Os interesses dos consumidores já estavam resguardados na Mesopotâmia, no Egito Antigo e na Índia do Século XVIII a.C., onde o Código de Massú previa pena de multa e punição, além de ressarcimento de danos, aos que adulterassem gêneros ("lei" 967) ou entregassem coisa de espécie inferior à acertada ou, ainda, vendessem bens de igual natureza por preços diferentes ("lei" 968).

No Direito Romano Clássico, o vendedor era responsável pelos vícios da coisa, a não ser que estes fossem por ele ignorados. Porém, no Período Justinianeo, a responsabilidade era atribuída ao vendedor, mesmo que desconhecesse do defeito. As ações redibitórias e quanti minoris eram instrumentos, que amparadas à Boa-Fé do consumidor, ressarciam este em casos de vícios ocultos na coisa vendida. Se o vendedor tivesse ciência do vício, deveria, então, devolver o que recebeu em dobro.

"no período romano, de forma indireta, diversas leis também atingiam o consumidor, tais como: a Lei Sempcônia de 123 a.C., encarregando o Estado da distribuição de cereais abaixo do preço de mercado; a Lei Clódia do ano 58 a.C., reservando o benefício de tal distribuição aos indigentes e; a Lei Aureliana, do ano 270 da nossa era, determinando fosse feita a distribuição do pão diretamente pelo Estado. Eram leis ditadas pela intervenção do Estado no mercado ante as dificuldades de abastecimento havidas nessa época em Roma" (Prux, 1998. p. 79).

De acordo com os estudos de Waldírio Bulgarelli,

"pode-se encontrar antecedentes os mais antigos: Aristóteles já se referia a manobras de especuladores na Grécia Antiga, e em Roma atestam-no a Lex Julia de cemnoma, o Édito de Diocleciano e a Constituição de Zenon" (Bulgarelli, apud Prux, 1998. p. 79).

Há estudos que apontam depoimentos de Cícero (Século I a.C.) assegurando a garantia sobre vícios ocultos na compra-venda no caso do vendedor prometer que a mercadoria era dotada de determinadas qualidades e estas serem inexistentes.

"Pirenne, no comentário de sua obra cobrindo o século XIII, é bastante elucidativo no subtítulo - Proteção ao consumidor - ao escrever que a disciplina imposta ao artesão tinha naturalmente por objeto assegurar a qualidade dos produtos fabricados. Neste sentido – acrescenta textualmente o mestre gaulês - também favorecia o consumidor" (SIDOU, apud PRUX, 1998. p. 781).

A França de Luiz XI (1481) punia com banho escaldante aquele que vendesse manteiga com pedra no interior para aumentar o peso, ou leite com água para aumentar o volume.

O jurista português Carlos Ferreira Almeida afirma que no Direito Português:

"os códigos penais de 1852 e o vigente de 1886 (...), reprimindo certas práticas comerciais desonestas, protegiam indiretamente interesses dos comerciantes: sob o título genérico de crimes contra a saúde pública, punem-se certos actos de venda de substâncias venenosas e abortivas (art. 248º) e fabrico e venda de gêneros alimentícios nocivos à saúde pública (art. 251º); consideram-se criminosas certas fraudes nas vendas (engano sobre a natureza e sobre a quantidade das coisas – art. 456); tipificava-se ainda como crime a prática do monopólio, consistente na recusa de venda de gêneros para uso público (art. 275º) e alteração dos preços que resultariam da natural e livre concorrência, designadamente através de coligações com outros indivíduos, disposições revogadas por legislação da época corporativista, que regrediu em relação ao liberalismo consagrado no código penal" (ALMEIDA,1982. p. 40).

Na Suécia, a primeira legislação protetora do consumidor foi em 1910.

Já nos EUA, em 1914, criou-se a Federal Trade Commission, que tinha o objetivo de aplicar a lei antitruste e proteger os interesses do consumidor. Também nos EUA, em 1773, em seu período de colônia, o episódio contra o imposto do chá no porto de Boston (Boston Tea Party) é um registro de uma manifestação de reação dos consumidores contra as exigências exorbitantes do produtor inglês.

A Revolução americana de 1776 foi uma revolução do consumidor. Pois nas palavras de Miriam de Almeida Souza, foi uma revolução

"contra o sistema mercantilista de comércio britânico colonial da época, no qual os consumidores americanos eram obrigados a comprar produtos manufaturados na Inglaterra, pelos tipos e preços estabelecidos pela metrópole, que exercia o seu monopólio. (...) Samuel Adams, uma figura marcante no episódio do chá no porto de Boston, que, já em 1785 na República, reforçou as seculares "assizes" (Leis do Pão), da antiga metrópole, apontando sua assinatura na lei que proibia qualquer adulteração de alimentos no estado de Massachusetts" (SOUZA, 1996. p. 51).

Pode-se notar que esta lei representa um marco histórico na luta pelo respeito aos direitos do consumidor.

No Brasil, o Direito do Consumidor surgiu entre as décadas de 40 e 60, quando foram sancionados diversas leis e decretos federais legislando sobre saúde, proteção econômica e comunicações. Dentre todas, pode-se citar: a Lei n. 1221/51, denominada Lei de Economia Popular; a Lei Delegada n. 4/62; a Constituição de 1967 com a emenda n. 1/69, que consagrou a defesa do consumidor; e a Constituição Federal de 1988, que apresenta a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica (art. 170) e no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que expressamente determinou a criação do Código de Defesa do consumidor.


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II. O Surgimento do Direito do Consumidor do Prisma da Evolução do Estado Liberal

O Estado Liberal surgiu no século XVIII em contraposição ao Estado absoluto e veio assegurar o indivíduo em face do Estado. O Estado Liberal tem como características o poder limitado; os direitos individuais e políticos; a defesa da livre incitava e livre concorrência e a não intervenção do Estado na esfera privada. Adam Smith, um dos principais pensadores do liberalismo, afirmava:

"É suficiente que deixemos o homem abandonado em sua iniciativa para que ao perseguir seu próprio interesse promova o dos demais. O interesse privado é o motor da vida econômica" (SMITH, apud DERANI, p.32).

Assim, neste período, as leis eram feitas para dar sustentação ao liberalismo econômico. O Direito regia-se pelos Princípios da Autonomia da Vontade, do Consensualismo e da Obrigatoriedade Contratual.

No século XIX, com o advento da Revolução Industrial, houve uma substituição da maquinofatura pela máquina, as pessoas deixaram de trabalhar em casa e foram trabalhar nas fábricas e ao redor destas surgiram os centros urbanos. As fábricas, devido à automação incipiente das máquinas, não empregaram a grande parte da população, gerando o desemprego e a conseqüente a exclusão social daqueles que estavam desempregados. A grande procura por empregos gerou a desvalorização da mão-de-obra. A liberdade contratual, instituída na Revolução Francesa, aliada a grande oferta de trabalho, fazia com que as pessoas, para se manterem empregadas, se submetessem à exploração. Concomitante a estes fatos, a livre incitava e livre concorrência defendida pelos liberais não se concretizou, pois a concorrência não se iniciava em condições iguais e as regras do jogo não eram respeitadas. Com isso, algumas empresas que se enriqueceram, gerando uma concentração econômica.

O Estado Social surge no século XX como resposta à miséria e a exploração de grande parte da população. O Estado Social tem como características o poder limitado, a garantia os direitos individuais e políticos, acrescentando a estes os direitos sociais e econômicos. Logo, o Estado passou a intervir na Economia para promover justiça social. Nas Constituições promulgadas adotando esse modelo de Estado, os direitos individuais eram mais importantes que os direitos sociais. Estes foram regulados como normas pragmáticas, dependendo, então, de regulamentação. Assim acorreu com a Constituição brasileira de 1988 que dispõe que "o Estado promoverá na forma da lei, a defesa do consumidor". Portanto, a Constituição Federal de 1988 exigiu que o Estado abandonasse a sua posição de mero espectador da sorte do consumidor, para adotar um modelo jurídico e uma política de consumo que efetivamente protegesse o consumidor. Isso porque, o Código Civil, formulado segundo o pensamento liberal, trouxe o vício redibitório como meio de proteção do consumidor. Esse meio, no entanto, mostrou-se ineficaz para a proteção do consumidor.

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, editado segundo os Princípios de um Estado Democrático de Direito, em muito inovou em comparação com o Código Civil. Façamos, aqui, uma comparação exemplificativa entre as regras deste e as do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. O Código Civil fala em coisas, objeto de contratos comutativos e em bens e imóveis. Já o Código de Proteção e Defesa do Consumidor fala em produtos, que seriam quaisquer bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, duráveis e não duráveis e em serviços. Outro ponto é que o Código Civil fala em defeitos ocultos que tornem a coisa imprópria para o uso ou diminuam o seu valor. Por sua vez o Código de Proteção e Defesa do Consumidor acrescenta que o defeito pode até mesmo ser de fácil constatação e que a coisa poderá ser enjeitada por não conferir com as especificações da embalagem, do rótulo, da propaganda, etc. Além disso, o prazo decadencial para substituir, devolver ou pedir abatimento do preço da coisa também foi ampliado no Código de Proteção e Defesa do Consumidor.


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III. A Revolução Industrial e O Direito do Consumidor

O período da Revolução Industrial é de grande importância para o desenvolvimento do Direito do Consumidor.

"Antes da era industrial, o produtor-fabricante era simplesmente uma ou algumas pessoas que se juntavam para confeccionar peças e depois trocar os objetos (bartering). Com o crescimento da população e o movimento do campo para as cidades, formam-se grupos maiores, a produção aumentou e a responsabilidade se concentrou no fabricante, que passou a responder por todo o grupo" (SOUZA, 1996. p.48).

O advento da Revolução Industrial foi responsável pelo crescimento da chamada produção em massa. Devido a este movimento, a produção perdeu seu toque "pessoal" e o intercâmbio do comércio ganhou proporções ainda mais despersonalizadas, já que passaram a haver outros intermediários entre a produção e o consumo. Em conseqüência disto,

"o produtor precisava dar escoamento à produção, praticando, às vezes, atos fraudulentos, enganosos, por isso mesmo, abusivos. A justiça social, então, entendeu ser necessária a promulgação de leis para controlar o produtor-fabricante e proteger o consumidor-comprador" (SOUZA, 1996. p. 48).

Acrescenta-se, ainda, que "o produtor, via de regra, sempre se interessou mais pela parte monetária do que com o produto, ou mesmo em satisfazer o consumidor" (SOUZA, 1996. p. 48).

O crescimento e contínuos avanços das tecnologias fizeram com que fossem inseridas na mente do consumidor as idéias de que ele estava precisando de mais objetos que até o momento nunca sentira necessidade de adquirir em sua vida cotidiana. O produtor estava sempre interessado em formas para escoar sua produção e manter o fluxo de produção-consumo. Logo, sentiu necessidade de estimular o consumidor a uma necessidade, ainda que artificial, para manter o processo produtivo em funcionamento. Criou-se, desta forma, o que o professor Thierry Bourgoignie, da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, denomina de "norma social do consumo", que:

"faz com que o consumidor perca o controle individual das decisões de consumo e passe a ser parte de uma classe, a "consommariat", conferindo claramente uma dimensão social ao consumidor e ao ato de consumir" (BOURGOIGNIE, apud SOUZA, 1996. p. 48).


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IV. A Selva

O norte-americano Upton Sinclair, em 1906, escreveu um romance chamado The Jungle (A Selva). Este serviu para despertar no povo do seu país o mais vivo interesse pela problemática do consumidor. Sinclair era um jovem jornalista, dotado de idéias socialistas, que , no intuito de justificar e fundamentar suas reivindicações proletárias, consistentes de melhorias de salário e de condições de trabalho, disfarçou-se em operário para realizar suas observações na cidade de Chicago. Em seu romance, ele retrata em cores ousadas e dramáticas o impacto social do capitalismo industrial no começo do século XX.

"Os principais personagens eram de uma família de camponeses lituanos que vieram trabalhar pelos contos e fantasias de liberdade e pujança na América" (Souza, 1996. p. 52).

Sinclair demonstra os abusos cometidos pela industria da carne, ao descrever de forma bem realística os alimentos deteriorados. Um exemplo é o seguinte trecho de sua obra:

"a carne misturada com pedaços de tecidos esfarrapados e sujos, pães mofados, moídos juntamente com os enchimentos das lingüiças vendidas em Chicago, embora proibidas no comércio exterior" (SINCLAIR, apud SOUZA, 1996. p. 52).

O impacto da novela The Jungle foi de um modo tão avassalador, que logo sofreu traduções para 17 idiomas. O romance acabou, também, por inspirar a elaboração de duas leis federais nos EUA, que fortaleceram a fiscalização da pureza da carne, a Meat Inspection Act e a Pure Food and Drug Act, de 1906.


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V. O Direito do Consumidor na Segunda Guerra Mundial e no Cenário do Pós-Guerra

Foi em plena Segunda Guerra Mundial, quando a produção estava a serviço e controle do Estado, que se despontava na América Keynesiasna o movimento em prol dos direitos do consumidor. Mas curiosamente, foram o surgimento da mídia e as conquistas tecnológicas que deram causa ao ressurgimento da defesa do consumidor.

"a guerra intensificou a produção industrial em massa, e contribuiu para as grandes invenções e o aprofundamento da produção em série. Todo o esforço da guerra resultou, inevitavelmente, em aumento substancial de produção no posterior tempo de paz. O know-how gerado para a guerra provocou, então um crescimento em vários segmentos industriais, gerando um arsenal de produtos surpérfulos e diversificados, em um mercado antes restrito somente ao essencial. Com o advento da televisão, resultou da propaganda informativa o marketing (desenvolvido em forma de propaganda de guerra), com o objetivo de escoar a produção no mercado. Com isso, aumentaram os problemas relacionados à produção e ao consumo, em face de uma competitividade altamente sofisticada por causa das novas mídias e das próprias complexidades dos mercados surgidos no pós-guerra, e do advento do marketing científico. Passou-se então a praticar uma concorrência desleal, fortalecendo a tendência da formação dos cartéis, trustes e oligopólios, o que sem dúvida, colaborou, dentre outros motivos, para o agravamento dos problemas sociais e conflitivos urbanos em decorrência da concentração de renda" (Souza, 1996. p. 54).

Podemos perceber que esses problemas influenciaram sensivelmente a vida dos consumidores, quer seja pela alta dos preços, queda na qualidade de vida ou aumento da poluição.

Após o período do pós-guerra acontece o ressurgimento da cláusula rebus sic stantibus, o que enfraquece o princípio da força obrigatória dos contratos. Esta restauração se deu sob o nome de "teoria da imprevisão" e visava a quebra do princípio do pacta sunt servanda. Esta quebra possibilitou o surgimento do Direito do Consumidor, que se fundamentava a partir da responsabilidade civil objetiva e do reconhecimento dos interesses e direitos difusos.

Orlando Gomes afirma que:

"o princípio da força obrigatória das convenções, pelo qual o juiz estava obrigado a fazer cumprir os efeitos do contrato, quaisquer que fossem as circunstâncias ou as conseqüências, está abalado. O legislador intervém, a cada instante, na economia dos contratos, ditando medidas que, tendo aplicação imediata, alteram os efeitos dos contratos anteriormente praticados, e vai se admitindo o poder do juiz de adaptar seus efeitos às novas circunstâncias (cláusula rebus sic stantibus), ou de exonerar o devedor do seu cumprimento, se ocorrer imprevisão. Por fim, desde que os contratos são fonte de obrigações e estas importam limitação da liberdade individual, entendia-se que os seus efeitos não deveriam atingir a terceiros. O contrato era res inter alios acta. Mas as necessidades sociais impuseram a quebra, ainda que excepcional, desse princípio da relatividade dos efeitos do contrato, para a satisfação de certos interesses coletivos privados" (GOMES, 1979. p. 105-106).

A partir das iniciativas do presidente americano John Fitzgerald Kennedy, na década de 60, houve a consolidação do Direito do Consumidor nos Estados Unidos. Dirigindo-se por meio de uma mensagem especial ao Congresso Americano, em 1962, Kennedy identificou os pontos mais importantes em torno da questão:

"(1) os bens e serviços colocados no mercado devem ser sadios e seguros para os uso, promovidos e apresentados de uma maneira que permita ao consumidor fazer uma escolha satisfatória;

(2) que a voz do consumidor seja ouvida no processo de tomada de decisão governamental que detenha o tipo, a qualidade e o preço de bens e serviços colocados no mercado;

(3) tenha o consumidor o direito de ser informado sobre as condições e serviços;

(4) e ainda o direito a preços justos" (SOUZA, 1996. p. 56).

Seguindo o exemplo de Kennedy, a Comissão de Direitos Humanos das nações Unidas, na sua 29ª Sessão em 1973, em Genebra, também reconheceu os princípios e chamou-os de Direitos Fundamentais do Consumidor. Por sua vez, o programa Preliminar da Comunidade Européia para uma Política de Proteção e Informação dos Consumidores dividia os direitos fundamentais em cinco categorias:

"(1) proteção da saúde e da segurança;

(2) proteção dos interesses econômicos;

(3) reparação dos prejuízos;

(4) informação e educação;

(5) representação (ou direito de ser ouvido)" (SOUZA, 1996, p. 56).

Em 1985, as Nações Unidas, por meio da Resolução n.º 39/248, estabelece objetivos, princípios e normas para que os governos membros desenvolvam ou reforcem políticas firmes de proteção ao consumidor. Esta foi, claramente, a primeira vez que, em nível mundial, houve o reconhecimento e aceitação dos direitos básicos do consumidor. O Anexo 3 da Resolução mostra quais são os princípios gerais que serão tomados como padrões mínimos pelos governos:

"(a) proteger o consumidor quanto a prejuízos à sua saúde e segurança;

(b) fomentar e proteger os interesses econômicos dos consumidores;

(c) fornecer aos consumidores informações adequadas para capacita-los a fazer escolhas acertadas, de acordo com as necessidades e desejos individuais;

(d) educar o consumidor;

(e) criar possibilidade de real ressarcimento ao consumidor;

(f) garantir a liberdade para formar grupos de consumidores e outros grupos e organizações de relevância e oportunidade para que estas organizações possam apresentar seus enfoques nos processos decisórios a elas referentes" (SOUZA, 1996. p.57).

Miriam Souza lembra, ainda, que:

"as Nações Unidas também entendem como medida para a proteção dos consumidores o Código de Conduta para as Firmas Transnacionais, projeto de ONU desde meados dos anos 60, ponto de vista compartilhado pela Organização Internacional das Associações de Consumidores (International Organization of Consumers Unions – IOCU), com sede em Haia" (Souza, 1996. p. 57).

O IOCU é amplamente respeitado entre as associações de consumidores no mundo. E sobre os direitos do consumidor enumera:

"(1) segurança – proteção contra produtos, processos e serviços nocivos à saúde ou à vida;

(2) informação – conhecimento dos dados necessários para fazer escolhas e decisões informadas;

(3) escolha – acesso a uma variedade de produtos e serviços com qualidade e preços competitivos;

(4) a ser ouvido – exposição e consideração das perspectivas dos consumidores na formação das políticas nacionais;

(5) indenização – solução justa de queixas justas;

(6) educação – aquisição dos conhecimentos e das habilidades necessárias para ser um consumidor informado ao longo da vida;

(7) ambiente saudável – ambiente físico apto a proporcionar melhor qualidade de vida agora e no futuro" (SOUZA, 1996. p. 58).

A proteção do Direito do Consumidor é de tamanha relevância, que muitos dos ordenamentos jurídicos, inclusive o brasileiro, pela Constituição Federal de 1988, já consagram, acolhendo a Resolução da ONU.


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VI. A Constituição Brasileira e O Direito do Consumidor

A questão dos Direitos do Consumidor é tão importante que em três oportunidades distintas é tratada na Constituição Federal vigente. A primeira vez, já em seu Capítulo I do Título II, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos estabelece a Carta magna, no artigo 5º, XXXII que "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor" o que quer dizer, em outras palavras, que o Governo Federal tem a obrigação de defender o consumidor, de acordo com o que estiver estabelecido nas leis.

A segunda vez que a Constituição menciona a defesa do consumidor é quando trata dos princípios gerais da atividade econômica no Brasil, citando em seu artigo 170, V, que a defesa do consumidor é um dos princípios que devem ser observados no exercício de qualquer atividade econômica.

Finalmente, o artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), determina que o Congresso Nacional elabore o Código de Defesa do Consumidor.

Estes três dispositivos constitucionais são mencionados no artigo 1º do Código de Defesa do Consumidor.

José Geraldo Brito Filomeno lembra que a sensibilização dos

"constituintes de 1887/88, foi obtida por unanimidade na oportunidade do encerramento do VII Encontro Nacional das (...) Entidades de Defesa Do Consumidor, desta feita realizado em Brasília, por razões óbvias, no calor das discussões da Assembléia Nacional Constituinte, e que acabou sendo devidamente protocolada e registrada sob n.º 2.875, em 8-5-87, trazendo sugestões de redação, inclusive aos então artigos 36 e 74 da Comissão "Afonso Arinos", com especial destaque para a contemplação dos direitos fundamentais do consumidor (ao próprio consumo, à segurança, à escolha, à informação, a ser ouvido, à indenização, à educação para o consumo e a um meio ambiental saudável)." (FILOMENO, 1991. p. 21-22).

Mas, o Código do Consumidor é só o início. É o que alerta o jurista Fábio Konder Comparato: "na verdade, a dialética produtor x consumidor é bem mais complexa e delicada do que a dialética capital x trabalho" (grifo nosso) (COMPARATO, apud SOUZA, 1996. p. 59).


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Bibliografia

ALMEIDA, Carlos Ferreira. Os direitos dos consumidores. Coimbra: Almeida, 1982.

DERANI, Cristiane. Política Nacional das Relações de Consumo e o Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. n. 29.

FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. São Paulo: Atlas, 1991.

GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro:Forense, 1979. 6 ed.

PRUX, Oscar Ivan. Responsabilidade Civil do Profissional Liberal no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte:Del Rey, 1998.

SANTOS, Altamiro José dos. Direitos Do Consumidor. Revista do IAP. Curitiba, Instituto dos Advogados do Paraná, 1987. n. 10.

Souza, Miriam de Almeida. A Política legislativa do Consumidor no Direito Comparado. Belo Horizonte: Edições Ciência Jurídica, 1996.

Fonte: Jus Navigandi

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Temas de Direito Agrário
Elaborado em 11.1996.

Ismael Marinho Falcão

advogado e jornalista em João Pessoa (PB), professor de Direito no Centro Universitário de João Pessoa


É relevante a abordagem de temas de direito agrário, sobretudo nos dias atuais em que, não somente os estudantes dos cursos de graduação das nossas Faculdades de Direito ou Departamentos de Ciências Jurídicas e Sociais das Universidades brasileiras como a comunidade nacional como um todo, sente a necessidade de aprofundar os conhecimentos dos temas específicos desse novo ramo da ciência do direito, seja para aprimorar o acervo biobibliográfico individual, seja para robustecimento de suas teses de defesa.


Há temas no campo do direito agrário que dificilmente vão ser encontrados na bibliografia nacional. Daí a nossa ousadia, colhendo alguns apontamentos em meu "Direito Agrário Brasileiro", edição da Edipro (Bauru-SP, 1995), vir trazer este contributo aos que sentem essa necessidade.


Dentre as obras existentes sobre o tema base, recomendaríamos com muito prazer o trabalho do professor Rafael Augusto de Mendonça Lima, sob o título "Direito Agrário", editado pela Renovar e facilmente encontrável nas livrarias brasileiras. Há outras obras muito boas sobre o assunto, como, por exemplo, as assinadas pelos professores Paulo Torminn Borges, da Universidade de Goiás, Raymundo Laranjeira, da Universidade de Santa Cruz, na Bahia e a de João Bosco Medeiros de Souza, juiz federal na Paraíba, que toda boa livraria dispõe em seu acervo.


Aqui, de modo sintético, lhes dou algumas definições, como, por exemplo, sobre atividade agrária, tomando por empréstimo a lição do agrarista bahiano Raymundo Laranjeira: -"Conceituando, podemos dizer que as atividades agrárias são o somatório de tarefas conduzidas pelo homem sobre o agro, tendentes a dar uso ou a obter proveito do bem agrário." Já o argentino Antonino Vivanco entende a atividade agrária da seguinte forma: -"Consiste essencialmente na ação humana, intencionalmente dirigida a produzir com a participação ativa da natureza e a conservar as fontes produtivas naturais."


Em síntese, podemos afirmar que a atividade agrária nada mais é do que aquela atividade, decorrente do trabalho individual, regulada pelo Direito Agrário.


No que pertine ao sujeito agrário, poderíamos dizer que é todo aquele que, possuindo personalidade jurídica, sendo capaz de direitos e deveres, seja sujeito da atividade agrária. Vale dizer, sujeito agrário é o ser humano que vive em função da terra, aquele que dedica sua força de trabalho no amanho da terra, seja como proprietário, seja como trabalhador não proprietário.


Quanto a conceituar o que seja o objeto agrário, vale tomar de empréstimo a definição ditada pelo agrarista fluminense Octávio de Mello Alvarenga, para quem "O objeto do Direito Agrário resulta de toda ação humana orientada no sentido da produção, contando com a participação ativa da natureza, sem descurar da conservação das fontes produtivas naturais."


Em nosso trabalho "Direito Agrário Brasileiro", lá pela página 50 se não nos falha a memória, tratando do tema, ousamos afirmar que "O objeto do Direito Agrário constitui a matéria de fato reguladora da atividade agrária, consoante se extrai do art. 92 do Estatuto da Terra, embora não textualmente conceituado". Daí porque, dizendo melhor e de forma sintética, poderíamos afirmar que o objeto agrário nada mais é do que o complexo de produção formado pela trilogia homem-terra-comunidade.


No que respeita à relação jurídica agrária, temos que ir à Introdução à Ciência do Direito para nela aurir o conceito tradicional de relação jurídica para, adaptando-o às conotações jusagraristas, podemos definir o que seja uma relação jurídica agrária, sabido que, segundo Del Vecchio, a relação jurídica consiste num vínculo entre pessoas, em razão do qual uma pode pretender um bem a que outra é obrigada e essa relação só existirá quando certas ações dos sujeito, que constituem o âmbito pessoal de determinadas normas, forem relevantes no que atina ao caráter deôntico das normas aplicáveis à situação. Assim, sempre que esse vínculo diga respeito ao sujeito agrário, aí teremos, então, flagrantemente, uma relação jurídica agrária, daí podermos concluir, sinteticamente, que denomina-se como tal toda relação jurídica cujo objeto primordial seja a atividade agrária.


Do mesmo modo, para definir o fato jurídico agrário temos que recorrer aos conceitos jurídicos fundamentais da Ciência do Direito, sabido que, lato sensu, fato jurídico é o elemento que dá origem aos direitos subjetivos, impulsionando a criação da relação jurídica, concretizando as normas jurídicas. Diante disso, comungando com a definição do mestre argentino Antonino Vivanco, temos que o fato jurídico agrário é o acontecimento suscetível de produzir alguma aquisição, modificação, transferência ou extinção de vínculos jurídicos agrários.


Por fim, quem fala em fato jurídico, falará, certamente, em ato jurídico, que nada mais é do que o fato de concretização da vontade humana gerando conseqüências jurídicas previstas em lei. Partindo dessa premissa, temos que o ato jurídico agrário é todo ato voluntário, lícito, inerente à atividade agrária, que produz efeitos jurídicos agrários, ou seja, que cria, modifica, transfere ou extingue vínculos jurídicos agrários, segundo a legislação agrária vigente.


A diferença que podemos estabelecer entre ato jurídico civil, ou negócio jurídico civil e o ato jurídico agrário, ou negócio jurídico agrário, está no objeto desse ato, vale dizer: se o ato for civil, o negócio jurídico será civil; se o ato for agrário, o negócio jurídico será agrário. Daí podermos afirmar que são atos ou fatos jurídicos agrários todos aqueles atos ou fatos que tenham por objeto a atividade agrária.


Fonte: Jus Navigandi
A atuação do auditor fiscal do trabalho na constatação de fraudes à legislação do trabalho: a intermediação de mão-de-obra
Elaborado em 01.2010.

Marcius Cruz da Ponte Souza

Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil. Pós-graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Christus.


SUMÁRIO: Introdução; 1 A flexibilização das normas trabalhistas e a tutela do trabalho digno pelo Estado; 2 A Coexistência harmônica e independente da dupla tutela estatal ao trabalho: a inconstitucionalidade da Emenda três; 3 A fraude trabalhista por meio de intermediação de mão-de-obra; 4 As cooperativas de mão-de-obra e o seu combate pela Inspeção do Trabalho; Considerações finais; Bibliografia.


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RESUMO

No presente estudo, busca-se demonstrar a coexistência e a compatibilidade das tutelas jurisdicional e administrativa ao trabalho, bem como visa esclarecer acerca dos prejuízos causados pela eventual supressão da prerrogativa de os auditores fiscais apurar, no caso concreto, os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, com enfoque precípuo na fraudes decorrentes de intermediação de mão-de-obra.

PALAVRAS-CHAVE: Inspeção do Trabalho. Fraudes. Emenda três. Intermediação de mão-de-obra.


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Introdução

A Constituição Federal, no seu artigo 1º, elenca como fundamento do Estado Democrático de Direito a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, subordinando o capital ao atendimento do interesse social, não dando guarida às pretensões neoliberais de prevalência do lucro especulativo e a qualquer custo, com o fim de suprimir os direitos mais basilares do trabalhador.

A despeito da ampla tutela constitucional ao direito fundamental do trabalho digno, resiste a crença de que a legislação imperativa trabalhista pode ser burlada, de modo que é necessária a participação ativa de várias frentes no combate às fraudes.

As normas de proteção ao trabalho, na era da globalização financeira, são vistas como desestímulo a novos investimentos. Para a garantia de competitividade, de maior produtividade e de melhor qualidade de produtos aliados à redução de custos, a doutrina neoliberal defende o abandono do direito do trabalho tradicional, como única fórmula capaz de resolver a questão do desemprego e do subemprego. A atualização da legislação vem acompanhada da necessidade de supressão ou atenuação da legislação imperativa estatal.

Nesse contexto, a flexibilização das normas trabalhistas promoveu grave precarização das relações laborais, de modo tão ou mais degradante do que os fatos sociais que ensejaram o surgimento do direito do trabalho, ocasionando um rompimento do núcleo essencial dos princípios justrabalhistas, que tem como base o princípio tutelar.

Somente mediante uma atuação preventiva e repressiva conjunta e integrada dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, do Ministério Público e da sociedade civil, pode assegurar a efetividade das normas jusprotetivas.

Em total descompasso com essa assertiva, o Congresso Nacional aprovou a Emenda três ao Projeto de Lei que criou a Receita Federal do Brasil (PL 6.272/05), condicionando a atuação dos auditores fiscais ao prévio controle pelo Poder Judiciário, quando constatada fraudes ou simulações para ocultar uma relação de emprego. Embora esse dispositivo tenha sido vetado pelo Presidente, a matéria permanece sendo debatida pelo Legislativo brasileiro e pela sociedade, o que demonstra a importância de uma avaliação crítica da proposta de alteração legislativa.

No presente artigo, busca-se demonstrar a inconstitucionalidade da emenda três, analisando a coexistência harmônica e independente da atuação jurisdicional e da administrativa, realizada pelos auditores fiscais, na repressão a formas precarizantes de trabalho à margem da relação de emprego, notadamente por meio de intermediação de mão-de-obra.


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1.A flexibilização das normas trabalhistas e a tutela do trabalho digno pelo Estado

A relação capital-trabalho vem sofrendo diversas alterações nas últimas décadas. A globalização econômica incrementou a competitividade entre as empresas. Para garantir espaço nesse contexto, houve uma crescente necessidade de redução de custos, com destaque para os direitos trabalhistas.

Essas mudanças ensejaram a necessidade de reavaliação da rigidez das normas trabalhistas, tidas como causadoras da crise do desemprego. Os imperativos econômicos promoveram um questionamento acerca da permanência do princípio da proteção ao trabalho, que visa a nivelar as desigualdades existentes entre os sujeitos no pacto empregatício.

Para a doutrina neoliberal, o Estado deve abster-se da tutela ao hipossuficiente. As normas estatais de proteção ao trabalho são óbices ao desenvolvimento da economia. A criação de direitos trabalhistas deve ocorrer mediante negociação coletiva e com mecanismos que permitam a contratação de trabalhadores descartáveis, ocasionando a queda de qualidade dos empregos mantidos e a migração de trabalhadores para o setor informal.

Como ressalta Sílvio Beltramelli Neto, considerando que a flexibilização do direito do trabalho implica em torná-lo menos rígido ou até em desregulamentá-lo, a discussão de seus limites, necessariamente, deve analisar também a abordagem temática do "mínimo existencial", representante da idéia de direitos e prestações mínimas a que todo o ser humano deve ter acesso de modo a garantir-lhe uma vida digna, respeitando o duplo aspecto: "1) negativo, contra a supressão dos direitos e prestações; e 2) positivo, pela entrega estatal das prestações materiais" [01].

Nesse contexto, a função dos direitos fundamentais cresce de importância, como leciona Arion Sayão Romita. "O núcleo duro representado pela gama de direitos denominados fundamentais resiste ao embate dos novos acontecimentos de ordem econômica para reafirmar o império da necessidade de respeito à dignidade da pessoa humana" [02].

A Constituição Federal de 1988 prevê, como fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana, princípio nuclear dos direitos humanos e do sistema constitucional moderno, irradiando valores, em diferentes nuances, para quase todos os direitos fundamentais inscritos na Carta Magna.

A dignidade é "uma qualidade intrínseca da pessoa humana, é algo que simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável, na medida em que constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado" [03]. Possui caráter universal, pois se trata de atributo inerente ao indivíduo. O direito não confere a dignidade ao homem, tampouco pode suprimi-la. No entanto, cabe a ele reconhecê-la e protegê-la.

Conforme observa Flavia Piovesan, o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional [04]. Ela assegura ao ser humano um mínimo invulnerável em seu status pessoal [05].

Nesse contexto, o Estado deve conferir uma tutela especial, com o fim de garantir o equilíbrio das relações sociais. Assim, "o Estado, como fiscalizador das condições de trabalho, tem papel fundamental, de forma a contribuir para que a dignidade da pessoa humana seja respeitada e, através dela, sejam alcançados o bem-estar e a justiça social" [06].

A assimetria econômica e social das partes, na relação de emprego, exige uma atuação constante do Estado na tutela ao trabalho digno, tendo em vista a desigualdade dos contratantes. É promovida uma dupla proteção, no âmbito jurisdicional e no plano administrativo, em observância ao disposto nos arts. 3º e 23 da Convenção 81 da Organização Internacional do Trabalho.

A inação do empregado na busca pela efetivação dos seus direitos, em face do temor do desemprego e pela inexistência de regulamentação de garantias efetivas contra a dispensa arbitrária ou imotivada (art. 7º, I da CF), aliados à fluência do prazo prescricional de cinco anos na constância da relação empregatícia (art. 7º, inciso XXIX da CF) revela a insuficiência da tutela jurisdicional, que, na esfera trabalhista, é conhecida como "justiça dos desempregados".


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2.A Coexistência harmônica e independente da dupla tutela estatal ao trabalho: a inconstitucionalidade da Emenda três

Para garantir a efetividade dos direitos sociais dos trabalhadores constantes do seu art. 7º, a Constituição Federal estabelece, nos termos do inciso XXIV do art. 21 da Constituição Federal, que a União detém a competência privativa para organizar, manter e executar a inspeção do trabalho.

A atividade administrativa compete ao Ministério do Trabalho e Emprego, por meio dos servidores integrantes da carreira de auditor-fiscal do trabalho, cuja função, nos termos da Lei nº. 10.593/2002, objetiva assegurar a observância das disposições legais e regulamentares, inclusive as relacionadas à segurança e à medicina do trabalho, no âmbito das relações de trabalho e emprego (art. 11, inciso I), podendo lavrar autos de infração ao verificar a irregularidade ou fraudes à legislação trabalhista, bem como termos de compromisso. A competência da fiscalização trabalhista tem assento também na CLT, nos arts. 626 a 631.

A proteção conferida pela atuação da Inspeção do Trabalho não se confunde com a tutela jurisdicional prevista no art. 114 da Carta Magna. A competência para processar e julgar é da Justiça do Trabalho, o que não colide com a poder de polícia administrativa estatal, também de índole constitucional. O foco precípuo de atuação é diverso e harmônico. Enquanto na jurisdição ocorre, preponderantemente, de forma reparadora/compensatória, a inspeção do trabalho atua preventivamente e repressivamente.

A presença do Estado a fim de garantir a observância do direito material trabalhista, por meio dos auditores, não possui somente cunho repressivo, mas também tem caráter preventivo-pedagógico, pois o fim maior de sua atuação é o cumprimento das normas laborais, a melhoria da condição social do trabalhador e a efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana nas relações trabalhistas.

A Emenda Constitucional nº. 45/2004 ampliou a competência da Justiça do Trabalho [07]. O inciso VII do art. 114 da Constituição estabelece ser competência dessa Justiça especializada as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho. A partir da publicação da emenda, os Órgãos Judiciários trabalhistas passaram a julgar as ações que pretendem anular ou impugnar a declaração de vínculo empregatício nos autos de infração emitidos pelos auditores fiscais do trabalho.

Alguns juízes, a partir de equivocada interpretação da legislação, entenderam que os auditores fiscais do trabalho estariam invadindo competência privativa do Poder Judiciário ao declarar a existência de relação empregatícia, quando o tomador de serviços simula uma relação civil, como meio para fraudar a legislação laboral.

A divergência sobre essa tese ganhou maior espaço com a aprovação pelo Congresso Nacional da Emenda três ao Projeto de Lei que criou a Receita Federal do Brasil (PL 6.272/2005), convertido na Lei 11.457/2007.

Como ressalta José Pedro dos Reis [08], a polêmica sobre a possibilidade de o auditor poder ou não confirmar a relação de emprego, durante a ação fiscal, disseminou-se a partir dessa nova competência constitucional, pois alguns juízes passaram a negar essa possibilidade em suas decisões, "confundindo a ação de verificação da existência do vínculo pelo auditor fiscal com o reconhecimento desse vínculo em uma ação judicial e principalmente agora com a aprovação pela Câmara dos Deputados da Emenda Três".

Tal Emenda condiciona a atuação dos auditores fiscais, diante de irregularidades trabalhistas, ao prévio exame pelo Poder Judiciário, in verbis: "No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta Lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial". Esse dispositivo foi vetado pelo Presidente da República. No entanto, o veto pode ainda ser derrubado pelo Congresso Nacional.

O veto presidencial tem sido apontado, de forma parcial pela mídia, como um dos principais óbices ao empreendedorismo no país, porque está sujeito à arbitrariedade do fiscal do trabalho ao desqualificar um contrato jurídico.

A iniciativa legislativa tenta impedir que pessoas jurídicas sejam desconsideradas pelos auditores fiscais, a despeito do fato de que estas tenham por objeto exclusivo burlar a legislação trabalhista, com a redução de encargos e direitos laborais. Gera prejuízos incalculáveis ao trabalhador, pois retira dele o direito de ser tutelado pelo Estado contra a prática de contratação sob formas precarizantes, disfarçadas de trabalho autônomo, eventual ou sem vínculo de emprego. Essa Emenda promove o engessamento do trabalho da fiscalização.

A Emenda três contraria o interesse público e é flagrantemente inconstitucional, pois viola cláusulas pétreas da Constituição Federal, como o princípio da separação dos poderes, na medida em que vincula, previamente, a atividade de fiscalização do Poder Executivo, no uso do seu poder de polícia administrativa [09], à decisão prévia do Poder Judiciário (art. 2º c/c o art. 60, §4º da CF).

Ela promove uma suspensão da atuação administrativa, implicando, em curto prazo, em um estímulo, respaldado por lei, à realização de fraudes ao sistema de proteção ao emprego, postergando, por tempo indefinido, o efetivo acesso pelos trabalhadores ao seu direito tutelado, na medida em que o auditor somente poderia caracterizar o vínculo mediante prévio reconhecimento judicial ou anotação espontânea da CTPS pelo empregador. O mau empresário estaria imunizado e a atuação da proteção administrativa restaria esvaziada.

Infringe também o fundamento constitucional do valor social do trabalho (art. 1º, inciso IV da CF) e o princípio da vedação de retrocesso, bem como pode frustrar a observância dos direitos sociais constitucionalmente garantidos no art. 7º da Carta Magna, violando os princípios da melhoria da condição social dos trabalhadores e da proteção.

No plano internacional, a medida fere compromissos internacionais ratificados pelo Estado brasileiro, especialmente em relação ao conjunto de convenções firmadas perante a Organização Internacional do Trabalho (OIT), notadamente a Convenção 81 e a Recomendação 198 da Organização Internacional do Trabalho, que determina aos Estados membros "lutar contra as relações de trabalho encobertas, no contexto, por exemplo, de outras relações que possam incluir o recurso a formas de contratos que ocultem a verdadeira situação jurídica, entendendo-se que existe uma relação de trabalho encoberta quando um empregador considera um empregado como se não o fosse, de uma maneira que oculta sua verdadeira condição jurídica, e que possa produzir situações nas quais os contratos dão lugar para que os trabalhadores se vejam privados da proteção a que têm direito" [10].

Não há conflito de competência na atuação da tutela administrativa e jurisdicional. Elas coexistem de forma harmônica e independente. O Poder Executivo, por meio da atuação dos auditores fiscais e no exercício do poder de polícia administrativa, interpreta e aplica a legislação trabalhista de índole constitucional. Quando o auditor verifica uma simulação para burlar a legislação protetiva, ele não está sentenciando e sim constatando uma irregularidade que ensejará a lavratura de auto de infração, que pode ser revista tanto no âmbito administrativo, como no judicial, sendo que, somente neste, opera o fenômeno da coisa julgada, tornando-se definitivas as decisões que reconhecem uma eventual relação jurídica empregatícia.

O princípio da unidade de jurisdição permanece inabalável (art. 5º, inciso XXXV da CF). No processo administrativo que visa à aplicação da multa, instaurado ao final da auditoria, são proporcionados ao autuado a ampla defesa e o contraditório, inerentes ao devido processo legal (art. 5º, incisos LIV, LV da CF). A multa somente é aplicada caso o autuado não tenha se desincumbido de provar a inexistência de violação ao dispositivo legal apontado.

Não há abuso de autoridade quando o auditor, no exercício da função, autua o empregador que busca burlar e frustrar a efetivação de direitos sociais constitucionalmente garantidos ao empregado.

Salvo nos casos em que a lei estabelece a observância do critério da dupla visita ou de procedimento especial, previstos nos arts. 627 e 627-A da CLT, o auditor possui o poder/dever de autuar quando da verificação de infringências a preceitos legais, sob pena de responsabilização administrativa do agente fiscal (art. 628 da CLT) [11]. Não lhe é assegurado decidir sobre a oportunidade ou conveniência da autuação, de forma discricionária. Trata-se de ato administrativo vinculado.

Em prol da efetividade das normas laborais, os auditores fiscais possuem o poder de adotar medidas que limitam a liberdade dos administrados [12]. Elas decorrem do poder de polícia, que tem como atributos a coercibilidade e a auto-executoriedade.

Para Di Pietro, a auto-executoriedade dos atos administrativos consiste na possibilidade que possui a Administração de, com os próprios meios, pôr em execução as suas decisões, sem precisar recorrer previamente ao Poder Judiciário [13]. Como ensina Celso Antonio Bandeira de Mello:

É natural que seja no campo do poder de polícia que se manifesta de modo freqüente o exercício da coação administrativa, pois os interesses coletivos defendidos frequentemente não poderiam, para eficaz proteção, depender de demoras resultantes do procedimento judicial, sob pena de perecimento dos valores sociais resguardados através de medidas de polícia, respeitadas, evidentemente, entretanto, as garantias individuais do cidadão constitucionalmente estabelecidas.

É obvio, todavia, que em todas as hipóteses os particulares podem sempre recorrer ao Poder Judiciário para sustar as providências administrativas que tenham fundado receio de vir a sofrer em desconformidade com a lei ou para obter as reparações devidas quando, da atuação ilegal da Administração, venham sofrer danos causados a pretexto do exercício do poder de polícia [14].

Tanto a Lei 10.593/2002, no seu art. 11, incisos I e II, quanto a Lei nº. 7.855/89, em seu art. 7º, § 1º permitem a constatação do vínculo empregatício pelo auditor fiscal do trabalho, in verbis:

Lei 10.593/2002 - Art. 11. Os ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho têm por atribuições assegurar, em todo o território nacional:

I - o cumprimento de disposições legais e regulamentares, inclusive as relacionadas à segurança e à medicina do trabalho, no âmbito das relações de trabalho e de emprego;

II - a verificação dos registros em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, visando à redução dos índices de informalidade;

Lei 7.855/89- Art. 7º. Fica instituído o Programa de Desenvolvimento do Sistema Federal de Inspeção do trabalho, destinado a promover e desenvolver as atividades de inspeção das normas de proteção, segurança e medicina do trabalho.

§ 1º O Ministro de Estado do Trabalho estabelecerá os princípios norteadores do Programa que terá como objetivo principal assegurar o reconhecimento do vínculo empregatício do trabalhador e os direitos dele decorrentes e, para maior eficiência em sua operacionalização, fará observar o critério de rodízios dos agentes de Inspeção do Trabalho na forma prevista no Regulamento da Inspeção do Trabalho.

Ressalte-se, ainda, que, como os demais atos administrativos, os fatos relatados e as provas colhidas em razão da atividade pelos auditores fiscais do trabalho gozam de presunção de veracidade e de legitimidade.

Como leciona Di Pietro, a presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei, enquanto que a presunção de veracidade diz respeito aos fatos, presumindo-se verdadeiros os fatos alegados pela Administração. Um dos efeitos dessa presunção é a inversão do ônus probatório [15].

O relatório de fiscalização, preenchidas as formalidades legais, reveste-se da condição de documento público, expressando fé pública, com a presunção de sua veracidade, sendo-lhe conferida, por expressa disposição legal, eficácia probatória, consoante o art. 364 do Código de Processo Civil.

Assim, a informação fiscal firmada por tais servidores, atuantes como prepostos do Estado, goza de fé pública e faz prova das irregularidades detectadas. Ressalte-se que tal presunção é juris tantum, podendo ser amplamente discutida no âmbito administrativo e, esgotado este, o autuado ainda dispõe da via judicial.

Caso aprovada a Emenda três, o dispositivo não só engessaria e fulminaria com a prerrogativa legal dos auditores fiscais de autuar empresas que desrespeitem a legislação brasileira, como derrogaria a histórica proteção normativa do trabalhador, atribuindo ao Poder Judiciário a exclusividade para decidir sobre relações de trabalho entre uma empresa e uma firma individual.

Ademais, não haveria o fomento ao emprego e sim a dissimulação dos vínculos empregatícios e a informalidade nas relações de trabalho, com a substituição de empregados por trabalhadores em situações precárias, como falsas pessoas jurídicas, cooperativas de mão-de-obra, parcerias e representações comerciais.

Essa Emenda pode ocasionar grave retrocesso social, pois suspende a eficácia das normas laborais protetivas e retira do trabalhador o direito de ser protegido pelo Estado contra a prática de contratação sob formas precarizantes, disfarçadas de trabalho autônomo, eventual ou sem vínculo de emprego. O empregador pode contratar "autônomos" com subordinação jurídica, sem sofrer qualquer ação administrativa do Estado em curto ou médio prazo.

A erradicação do trabalho em condições análogas às de escravo também sofreria grave impacto. Isso porque, não raro, o verdadeiro empregador tenta burlar a legislação trabalhista, indicando o "gato", arregimentador da mão-de-obra escrava e sem bens para garantir os créditos trabalhistas, como o tomador dos serviços subordinados. Há, ainda, casos em que o empregador simula contratos civis de parceria ou de empreitada, para evadir-se das obrigações laborais. Tais práticas teriam uma sobrevida, ante a impossibilidade de sua desconfiguração pela autoridade fiscal.

A CLT perderia a sua eficácia social, ficando em inevitável desuso e a classe trabalhadora seria a maior prejudicada.

A ausência de registro na sua real condição ocasiona inúmeros prejuízos aos falsos autônomos, pois lhes são subtraídos todos os direitos trabalhistas, como salário mínimo, horas extras, jornada legal, décimo terceiro, férias, FGTS, aviso prévio, etc. e trabalhadores informais não estariam tutelados pelas normas regulamentares de segurança e medicina do trabalho.

A tutela ao meio ambiente laboral, inerente ao direito fundamental à vida digna (art. 225 c/c art. 200, VIII e art. 7º, inciso XXII), conferida aos trabalhadores sem reconhecimento espontâneo de vínculo empregatício pelo empregador restaria prejudicada, pois, para uma vertente doutrinária, as normas regulamentares expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego não lhes tutelam [16].

A auditoria in loco realizada para verificação da observância das normas de saúde e segurança tem caráter eminentemente preventivo, permitindo a constatação prévia ao evento danoso, que, por vezes, tem caráter irreversível.

Esse dispositivo não prejudica, no entanto, somente interesses coletivos da classe de trabalhadores ativos. Afeta, outrossim, receitas estatais decorrentes do recolhimento de contribuições previdenciárias de segurados empregados, que são superiores às devidas pelos contribuintes individuais, aumenta a informalidade, bem como prejudica a aplicação de recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço em infra-estrutura e habitação, cujos interesses são de toda a coletividade.

Outro grave prejuízo decorrente da eventual aprovação da Emenda três consiste no engessamento da repressão estatal diante da constatação de fraudes perpetradas em intermediações de mão-de-obra, por meio de cooperativas, e de terceirizações ilícitas, cujo objeto precípuo consiste no fornecimento de trabalhadores subordinados, burlando a legislação trabalhista.

Essa prática agrava ainda mais a precarização dos empregos existentes. Os falsos cooperados não possuem o mínimo de proteção social, pois não lhes são garantidos os direitos sociais previstos no art. 7º da Carta Magna. Essa modalidade de fraude será objeto de análise mais detida no próximo capítulo.


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3.A fraude trabalhista por meio de intermediação de mão-de-obra

O crescimento da terceirização e do cooperativismo, no Brasil, teve impulso com a reestruturação produtiva, ocorrida no final da década de 1960.

Na forma de organização vertical de trabalho fordista, que imperou na primeira metade do século XX, a grande empresa ocupa-se de todas as etapas de produção, com utilização intensiva de trabalhadores numa mesma sede, sob critérios clássicos de subordinação. O trabalho é mecanizado e rigidamente padronizado, especializado e fragmentado. A produção ocorre em massa. Há segregação entre o trabalho manual e o intelectual. O trabalhador faz apenas uma única tarefa, sem gozar de autonomia e controle no processo produtivo, com forte cunho alienante.

Ante a necessidade de agregar maior flexibilidade e dinamismo à produção, o modelo de organização fordista perdeu espaço. Com a crise capitalista da década de 1970, foi superado pela forma horizontal de organização produtiva toyotista.

A saturação dos mercados e a baixa lucratividade impulsionaram a busca por um regime de acumulação flexível, onde as atividades diretas empreendidas pela empresa são mínimas e inexiste formação de estoques. Há diversidade de produtos, porém a produção é condicionada à demanda. Os trabalhadores são polivalentes e realizam suas tarefas múltiplas em equipe. A produção é enxuta e descentralizada por uma rede de fornecedores. Não há mão-de-obra ociosa.

Essa forma moderna de estruturação das empresas tem como estratégia a redução de custos, para garantir maior competitividade no mercado globalizado. Adota a externalização da produção e o fomento à flexibilização da tutela do labor humano. Ganha impulso o trabalho periférico de natureza temporária (Lei 6.019/74), autônoma, e a terceirização de serviços, que precarizam a condição social do trabalhador.

Esse fenômeno foi agravado com a globalização. Como salienta Arnor Lima Neto, "a globalização e a velocidade das transformações, em função dos avanços tecnológicos e da informática, influenciam novas tendências nos processos produtivos da geração de informações, lazer e entretenimento; alteram radicalmente os processos produtivos, e o objetivo é apenas a maximização dos lucros, incrementando-se a exploração trabalhista e desprotegendo os trabalhadores com a desregulamentação de seus direitos" [17].

A terceirização, em seus moldes originais, não é ilícita, pois visa possibilitar à empresa maior concentração de seus esforços na sua atividade principal, melhorando a qualidade e a produtividade, transferindo as acessórias para prestadores de serviços especializados exercerem-nas de forma autônoma.

Uma vertente doutrinária atribui como vantagens ao uso da terceirização a redução de custos, a maior competitividade, o aumento na lucratividade e na produtividade e a melhoria na qualidade de produtos.

O intuito de redução de custos, por meio da terceirização, é equivocado, pois, além dos pagamentos dos direitos dos trabalhadores, devem ser agregados o lucro e os custos do prestador de serviços. Para tornar possível o equacionamento da fórmula, os prejuízos são, via de regra, repassados ao trabalhador, seja pelo não pagamento da integralidade dos seus direitos, seja pelas precárias condições de trabalho, com franca desvalorização do labor humano.

A terceirização, ao invés de permitir a concentração do tomador na sua atividade principal e a melhoria de qualidade, vem sendo desvirtuada e utilizada como instrumento para a redução de direitos do trabalhador, precarizando o trabalho humano.

Rodrigo Carelli leciona que a precarização decorrente do trabalho intermediado ocorre por meio de três fenômenos observáveis: a subtração dos direitos dos trabalhadores intermediados, com relação aos que deteriam caso fossem diretamente contratados; a fragmentação da classe trabalhadora, com perda do poder organizativo coletivo dos trabalhadores; e a degradação do meio ambiente laboral, com maior probabilidade de acidentes de trabalho e menor proteção face aos riscos ambientais de trabalho. Além disso, o trabalho precarizado enseja a exclusão social do indivíduo [18].

O trabalhador terceirizado não aufere as mesmas vantagens percebidas pelos empregados da tomadora, notadamente as advindas de pactos coletivos, pois, como regra, não possuem o mesmo enquadramento sindical.

Não há legislação tratando genericamente acerca do fenômeno de terceirização, salvo em situações específicas, como serviços de vigilância (Lei 7.102/83). A princípio, ela é lícita. O que o direito repudia é a intermediação de mão-de-obra, utilizada para impedir a formação de vínculo com o verdadeiro empregador [19].

À falta de norma regulamentadora da terceirização, o Tribunal Superior do Trabalho, revisando o enunciado 256, editou a súmula 331, que assim dispõe:

TST Enunciado nº. 331 - Revisão da Súmula nº. 256 - Res. 23/1993, DJ 21, 28.12.1993 e 04.01.1994 - Alterada (Inciso IV) - Res. 96/2000, DJ 18, 19 e 20.09.2000 - Mantida - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

Contrato de Prestação de Serviços - Legalidade

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº. 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). (Revisão do Enunciado nº. 256 - TST)

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº. 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº. 8.666, de 21.06.1993). (Alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000).

O inciso I estabelece, como regra, a ilegalidade da intermediação de mão-de-obra, com a formação de vínculo diretamente com o tomador, somente excetuando o trabalho temporário, previsto na Lei 6.019/74. Nesse caso, devem ser observados os seus estritos limites para a sua validade, como o prazo determinado de três meses, podendo ser prorrogado por igual período, desde que autorizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Deve estar presente, também, uma das seguintes razões que permitam a celebração dessa modalidade contratual: atendimento de necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou acréscimo extraordinário de serviços, nos termos do art. 2º da Lei 6.019/74.

O inciso II excetua o vínculo com o tomador de serviços quando se trata de Administração Pública direta, indireta e fundacional, por força da exigência de concurso público, prevista no art. 37, II da Constituição Federal. Nesse caso, embora também seja vedada a intermediação de mão-de-obra, não se forma o vínculo com o tomador de serviços, em virtude da proibição prevista na Lei Maior.

Enquanto o inciso I trata da intermediação de mão-de-obra, o inciso III dispõe acerca da terceirização lícita. Estabelece que não há formação de vínculo com o tomador, caso a prestação de serviços seja na atividade-meio, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

É vedada a terceirização na atividade-fim. Há presunção de que, nesses casos, estão presentes os elementos fático-jurídicos da relação de emprego com o tomador de serviços, ocorrendo a intermediação de mão-de-obra.

O inciso IV trata da responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços pelas obrigações trabalhistas não cumpridas pelo empregador, em caso de subcontratação. Tem como pressuposto jurídico a culpa in eligendo e a culpa in vigilando do contratante, que prescindem de demonstração, pois se trata de responsabilidade objetiva, nos termos do art. 932, inciso III c/c o art. 933 do novo Código Civil.

Na Administração Pública, o Decreto-lei 200/67 permite a terceirização de alguns serviços no seu art. 10, §7º, in verbis:

Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

No entanto, a intermediação de mão-de-obra é vedada, pois além de constituir fraude e precarizar o trabalho humano, viola o princípio do concurso público (art. 37, II da CF). Para sanar quaisquer dúvidas, o Decreto 2.271/97 expressamente a proíbe:

Art. 4º É vedada a inclusão de disposições nos instrumentos contratuais que permitam: (...) II - caracterização exclusiva do objeto como fornecimento de mão-de-obra; (...) IV - subordinação dos empregados da contratada à administração da contratante.


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4.As cooperativas de mão-de-obra e o seu combate pela Inspeção do Trabalho

Um dos casos mais aviltantes de fraude na intermediação de mão-de-obra ocorre com a locação de trabalhadores por meio de cooperativas de trabalho. No final do século XX, o cooperativismo, no Brasil, proliferou-se.

Alice Monteiro de Barros [20], diante da inexistência de proibição legal expressa, admite a organização em cooperativas de trabalhadores vinculados a qualquer setor da economia, desde que presentes todas as características essenciais previstas na legislação civil (art. 1.094, incisos I a VIII do Código Civil) [21].

A política nacional do autêntico cooperativismo encontra respaldo constitucional no parágrafo 2º do art. 174 da Carta Magna, o qual estabelece que a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo. O art. 5º, inciso XVIII, da Constituição, por sua vez, expressa que a criação de associações e, na forma da lei, de cooperativas independe de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento.

As cooperativas, segundo Arnor Lima Neto, podem ser divididas em quatro grupos específicos: cooperativas de consumo, de produção, de crédito e de trabalho [22].

A despeito do cunho democrático e social fomentado pelo verdadeiro cooperativismo, com a inclusão do parágrafo único do art. 442 na Consolidação das Leis do Trabalho [23], grande parte do empresariado interpretou o dispositivo como permissivo para contratar mão-de-obra por intermédio de cooperativas formais, sob qualquer rótulo, e ver-se desobrigado de arcar com os direitos trabalhistas e encargos sociais dos trabalhadores subordinados, com redução dos custos de produção e precarização das relações de trabalho.

Esse dispositivo foi desvirtuado. Foram constituídas cooperativas de mão-de-obra com o único objetivo de fornecer trabalhadores subordinados, em substituição aos empregados do tomador [24].

Como ressalta Godinho, o parágrafo único do art. 442 não permite a ocorrência de fraudes às normas trabalhistas, pois não se trata de excludente legal absoluta, mas de simples presunção relativa de ausência de vínculo de emprego, caso exista efetiva relação cooperativa envolvendo o trabalhador lato sensu.

O vínculo empregatício deve ser reconhecido junto ao tomador, quando presentes os elementos fático-jurídicos da relação de emprego com o contratante dos serviços e a ausência de finalidade e princípios inerentes ao cooperativismo, afastando a simulação perpetrada pelas partes [25].

Para Arnaldo Sussekind [26], o acréscimo do parágrafo único do art. 442 da CLT, por ser óbvio e desnecessário, ensejou "uma falsa impressão e conseqüente abuso no sentido de que os cooperativados podem prestar serviços às empresas contratantes, sob a supervisão ou direção destas, sem a caracterização da relação empregatícia". Acrescenta o jurista:

Na verdade, porém, somente não se forma o vínculo empregatício com o tomador dos serviços quando os cooperados trabalham na cooperativa e para a cooperativa de que são partes, como seus associados. O tomador dos serviços da cooperativa deve estabelecer uma relação jurídica e de fato com a sociedade e não uma relação fática, com efeitos jurídicos, com os cooperativados.

Destarte, as cooperativas de trabalho permanecem fora do campo de incidência do art. 7º da Constituição, sempre que operarem de conformidade com a sua estruturação jurídica e finalidade social. Inversamente, quando os cooperativados trabalharem, na realidade, como empregados do tomador de serviços da cooperativa, configurada estará a relação de emprego entre eles e a empresa contratante. Aplicar-se-ão no caso o princípio da primazia da realidade consagrado no art. 9º da CLT, tal como referido no Enunciado TST n. 331. Neste sentido prevalecem a doutrina e a jurisprudência.

Para Márcio Túlio Viana, citado por Carelli, o parágrafo único do art. 442 da CLT refere-se tão somente aos verdadeiros cooperados, que mantêm entre si relação societária. Observa o jurista que, quando o legislador utilizou a expressão "qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa", a lei não está afirmando "qualquer que seja o modo pelo qual o trabalho é executado. (...) é necessário que se trate realmente de cooperativa, não só no plano formal, mas especialmente no mundo real" [27].

Como ressalta Arnor Lima Neto:

Em se tratando especificamente de cooperativas de trabalho, ficará caracterizada uma terceirização ilegal sempre que prevalecer a intermediação de mão-de-obra mascarando uma subjacente relação de emprego entre a empresa contratante e os trabalhadores "cooperativados", ou entre estes e a própria "cooperativa", empresa formalmente constituída sob essa modalidade legal, mas que, de fato, atue como preposta econômica da tomadora dos serviços dos "cooperados", com a finalidade de sonegar e fraudar as obrigações trabalhistas e legais [28].

Para Rodrigo Carelli [29]:

Pode haver terceirização, em atividade meio, por cooperativa de trabalho e produção, mas nunca por cooperativa de mão-de-obra, pois se tratará, no caso, de mera intermediação de mão-de-obra, e não verdadeira terceirização de serviços, destarte, contrária ao direito do trabalho. Se, mesmo na atividade-meio, estiverem presentes os requisitos da relação empregatícia, a relação entre a cooperativa e a empresa cliente deverá ser simplesmente desconsiderada.

A Constituição Federal de 1988, logo no seu art. 1º, inciso IV, elenca como fundamento da República Federativa do Brasil, o valor social do trabalho. O parágrafo único do art. 442 da CLT, de natureza infraconstitucional, não pode inovar a ponto de criar formas de trabalho sem quaisquer garantias e que deneguem o seu valor em um ordenamento jurídico que tem como parâmetro interpretativo a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF), bem como frustrar a efetividade do art. 7º da CF, que tem por objeto a melhoria da condição social dos trabalhadores, afastando a proteção social direcionada aos trabalhadores empregados, tendo em vista que, aos cooperados, não é assegurado nenhum direito previsto na legislação trabalhista.

A interpretação ampliativa do dispositivo celetista referido, que alcança os cooperativados que executam trabalho subordinado, é flagrantemente inconstitucional, devendo-se proceder a uma interpretação conforme a Constituição, para excluir do dispositivo a exegese que iniba a proteção constitucional destinada aos trabalhadores.

O parágrafo único do art. 442 deve ser interpretado conjuntamente com os princípios do direito do trabalho, as normas constitucionais e infraconstitucionais. Um simples dispositivo, mediante uma interpretação isolada e incorreta, não pode alterar toda a configuração principiológica e doutrinária da legislação trabalhista.

O direito trabalhista é permeado de normas imperativas, de ordem pública. Nessa relação, a autonomia da vontade é mitigada, em face da desigualdade entre os contratantes. São normas cogentes e indisponíveis aos particulares, não podendo ser derrogadas por pactos privados, sob pena de serem estes tidos como nulos de pleno direito, nos termos do art. 9º da CLT [30].

O contrato de trabalho é um acordo tácito ou expresso (art. 442 da CLT). Verificados os seus elementos fático-jurídicos, quais sejam, prestação de serviços por pessoa física, com caráter de infungibilidade, ou seja, intuito personae, não eventualidade, onerosidade, pessoalidade, subordinação jurídica ao tomador que detém a escolha do modo de realização da prestação de serviços (poder de direção empresarial), a relação empregatícia deve ser reconhecida.

A existência de um contrato de trabalho independe da vontade formal das partes ou do teor do pacto celebrado, pois vige no direito laboral o princípio da primazia da realidade (art. 9º da CLT). Prevalece a realidade dos fatos, independentemente da exteriorização formal, que emerge de documentos.

Os arts. 2º e 3º da CLT conceituam as figuras do empregador e do empregado. Ainda que duas empresas firmem um contrato de terceirização, se verificado que os empregados estão subsumidos ao conceito do art. 3º da CLT e a empresa contratante se encaixa, em relação a esses empregados, na definição do art. 2º, haverá um mero fornecimento de mão-de-obra, prática repugnada pelo direito [31].

O contrato é nulo, pois visa impedir a formação de vínculo empregatício junto ao tomador de serviços, bem como é ilegal, uma vez que o intermediador não se enquadra no conceito de empregador prevista no art. 2º da Consolidação.

Ressalte-se que, para a constatação da fraude, interessa o modo pelo qual o trabalho está sendo realizado, pois a simples inserção formal de trabalhadores em cooperativas, ou melhor, em "fraudoperativas", não tem o condão de transformá-los em autônomos.

Os Tribunais Trabalhistas vem rechaçando a prática de intermediação de mão-obra via cooperativa, conforme se depreende do seguinte julgado do TST:

(...) verifica-se que, se a realidade demonstra que a cooperativa foi criada apenas com o intuito de fraudar a legislação trabalhista (CLT, art. 9º), e ainda, se a realidade demonstra que estão presentes os requisitos do art. 3º da CLT, há plena possibilidade de se reconhecer o vínculo empregatício com a cooperativa ou com o tomador de serviços. (TST - RR 7722-2002-900-11-00, Quinta Turma, Relator Ministro Rider Nogueira da Cunha).

O serviço prestado pela cooperativa há de ser realizado de forma autônoma e eventual. Como leciona Ronaldo Curado Fleury, a relação entre a cooperativa e os cooperados somente é válida quando presentes os seguintes requisitos:

Adesão voluntária; limitação do número de cotas-partes para cada associado; singularidade de voto; retorno das sobras de exercício, e outros. Ocorre que, a realidade tem nos mostrado a adesão às cooperativas pelos trabalhadores, como se estivessem preenchendo uma proposta de emprego, a inexistência de assembléias e o sumiço da sobra líquida de exercício [32].

A cooperativa de trabalho, para ser lícita, deve constituir-se em uma unidade de produção, cuja organização será realizada conjuntamente pelos trabalhadores por meio da mesma [33], devendo ser observado se os princípios e requisitos do cooperativismo estão sendo cumpridos [34].

Para Godinho, o princípio da dupla qualidade "informa que a pessoa filiada tem de ser, ao mesmo tempo, em sua cooperativa, cooperado e cliente, auferindo as vantagens dessa duplicidade de situações". O verdadeiro cooperado, além de prestar serviços, deverá ser beneficiário central dos serviços prestados pela entidade (art. 6º, I, II e III e art. 7º da Lei 5.764/70). Como ensina o jurista, a oferta de serviços a terceiros constitui mero instrumento para a viabilização de seu objetivo primário, que é a prestação de serviços aos seus integrantes. Na cooperativa, as pessoas, além de serem donas do capital e dos meios de produção, são a própria força de trabalho. Destina-se a cooperativa a prestar serviços aos próprios associados, objetivando a melhoria da condição social dos cooperados, atuando por eles e para eles.

Outrossim, como justificativa para a sua existência, a cooperativa deve atender também ao princípio da retribuição pessoal diferenciada. Leciona Godinho que, ao cooperado deve ser assegurada

uma retribuição pessoal, em virtude de sua atividade autônoma, superior àquilo que obteria caso não estivesse associado. (...) O princípio da retribuição pessoal diferenciada é a diretriz jurídica que assegura ao cooperado um complexo de vantagens comparativas de natureza diversa muito superior ao patamar que obteria caso atuando destituído da proteção cooperativista [35].

Arnor Lima Neto aponta como princípios básicos adotados pelo cooperativismo internacional: adesão livre e voluntária; controle democrático; participação econômica do sócio; autonomia e independência; educação, treinamento e informação; cooperação entre cooperativas; preocupação com a comunidade [36].

O Estado deve coibir as fraudes perpetradas por terceirizações ilícitas e por cooperativas de mão-de-obra. Nesse sentido, a Organização Internacional do Trabalho editou a Recomendação 193, em 20/06/2002, que, no seu item 8, item 1, alínea "a" e "b", estabelece que as políticas nacionais deverão promover a aplicação das normas fundamentais do trabalho da OIT e da Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos fundamentais no trabalho para todos os trabalhadores das cooperativas sem qualquer distinção, bem como devem velar para que não sejam criadas ou utilizadas cooperativas para fraudar a legislação do trabalho, nem para estabelecer relações de trabalho dissimuladas, e lutar contra as pseudo-cooperativas, que violam os direitos dos trabalhadores, velando para que a legislação do trabalho seja aplicada em todas as empresas.

A Portaria n. 925, de 28/09/2005, do Ministério do Trabalho e Emprego, que trata de auditorias fiscais nas empresas tomadoras de serviços de cooperativas de trabalho, impõe a verificação da observância pela cooperativa de trabalho dos princípios básicos do cooperativismo, bem como da existência dos elementos fático-jurídicos da relação empregatícia [37]. Verificada a fraude, o auditor deve lavrar o auto de infração, pois a conduta encontra óbice no art. 9º da CLT.

A jurisprudência majoritária dos Tribunais vem acatando a possibilidade de o auditor fiscal do trabalho reconhecer a relação de emprego, independentemente de controle prévio pelo Poder Judiciário. Nesse sentido, José Pedro dos Reis [38] elenca alguns precedentes:

"ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO À CLT. COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. COOPERATIVAS DE TRABALHO. ATIVIDADE-FIM. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CERCEAMENTO DE DEFESA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. NORMAS DE SEGURANÇA. 1. No exercício das atribuições previstas nos artigos 626 e 628 da CLT, a fiscalização do Ministério do Trabalho pode desconsiderar contrato de terceirização e reconhecer o vínculo empregatício entre as partes, caso efetivamente constate que o contrato visa apenas burlar a legislação laboral e escapar das obrigações dela decorrentes. 2. Sendo incontroverso nos autos que a mão-de-obra cooperativada foi utilizada na atividade-fim da autora, qual seja, a construção civil, forçoso reconhecer a relação empregatícia entre os associados da cooperativa e a empresa tomadora do serviço (art. 3º da CLT), desconsiderando-se o contrato que visou desvirtuar e fraudar a aplicação da legislação trabalhista (art. 9º da CLT) e, por conseguinte, exigir-se o respectivo registro no livro de empregados, nos termos do art. 41 da CLT. 3. Não se cogita de cerceamento de defesa se a fiscalização do Ministério do Trabalho comprova ter entregue cópia do auto de infração ao preposto da empresa autuada na obra. Se, contudo, este não entrega o documento à empresa autuada, tal fato escapa à responsabilidade da fiscalização. 4. A prova testemunhal produzida nos autos, por si só, é insuficiente a infirmar a presunção de veracidade das alegações constantes do autos de infração, confirmadas em juízo." (TRF 4.ª Região, 3.ª Turma, Apelação Cível 420917, Rel. Juiz Francisco Donizete Gomes, DJU de 20/11/2002). A jurisprudência do STJ vai nessa mesma linha de pensamento, e aceita a possibilidade de até mesmo do auditor fiscal do INSS reconhecer a relação de emprego com a finalidade de obrigar ao recolhimento das contribuições previdenciárias.

"RECURSO ESPECIAL - FISCALIZAÇÃO - CONSTATAÇÃO DE LIAME LABORAL POR MEIO DE FISCAL DA PREVIDÊNCIA - ALEGADA POSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO DE PESSOAS QUE PRESTAM SERVIÇOS NAS EMPRESAS QUE DEVEM RECOLHER CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - INCOMPETÊNCIA PARA DESQUALIFICAR A RELAÇÃO EMPREGATÍCIA RECONHECIDA EM AMBAS AS INSTÂNCIAS – PRETENDIDA REFORMA COM BASE EM JULGADO DESTE SODALÍCIO - RECURSO PROVIDO. No particular, o fiscal, ao promover a fiscalização para eventual cobrança da contribuição, entendeu que os médicos que estavam a prestar serviços nas dependências do hospital da contribuinte possuíam vínculo de trabalho, razão por que lavrou os autos de infração. O IAPAS ou o INSS (art. 33 da Lei n. 8.212), ao exercer a fiscalização acerca do efetivo recolhimento das contribuições por parte do contribuinte, possui o dever de investigar a relação laboral entre a empresa e as pessoas que a ela prestam serviços. Caso constate que a empresa erroneamente descaracteriza a relação empregatícia, a fiscalização deve proceder à autuação, a fim de que seja efetivada a arrecadação. O juízo de valor do fiscal da previdência acerca de possível relação trabalhista omitida pela empresa, a bem da verdade, não é definitivo e poderá ser contestado, seja administrativamente, seja judicialmente. Nessa linha de entendimento, confira-se REsp 236.279-RJ, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 20/3/2000. Recurso especial conhecido e provido com base na divergência jurisprudencial." (STJ, 2.ª Turma, REsp 515821/RJ, Rel. Min. Franciulli Neto, DJ de 25/04/2005).

Diante do exposto, o auditor fiscal do trabalho, autorizado pela Carta Magna e por normas infraconstitucionais, possui o poder/dever de verificar a legalidade de contratos celebrados por cooperativas de trabalho e por empresas de terceirização de serviços, a fim de verificar se estão presentes os pressupostos caracterizadores da relação de emprego, nos termos do art. 2º e 3º da CLT, bem como pode autuar o infrator que visa burlar o fiel cumprimento das normas protetivas laborais, independentemente de prévio controle judicial.


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Considerações finais

A prerrogativa dos auditores fiscais de autuar empresas que visam fraudar a legislação trabalhista é inerente ao poder de polícia administrativa, que não colide com o poder jurisdicional, atribuído em caráter privativo ao Poder Judiciário.

Os auditores fiscais possuem o poder/dever de verificar se estão presentes os elementos fático-jurídicos do pacto empregatício, em consonância com as normas principiológicas que regem o direito do trabalho, com destaque para os princípios da proteção (art. 7º, caput, da CF), da primazia da realidade (art. 9º da CLT) e da irrenunciabilidade (art. 444 da CLT).

O Estado deve reprimir a intermediação de mão-de-obra realizada por meio de cooperativas fraudulentas. O vínculo empregatício deve ser reconhecido junto ao tomador de serviços, uma vez que o parágrafo único do art. 442 da CLT somente se aplica aos verdadeiros cooperativados, inexistindo os elementos fático-jurídicos da relação de emprego e atendidos os princípios básicos do cooperativismo.

A Emenda três, que condiciona a atuação da Inspeção do Trabalho à prévia decisão judicial é flagrantemente inconstitucional, e pode causar prejuízos irreparáveis ao trabalhador, pois se encontra na contramão da tutela progressiva aos direitos sociais fundamentais previstos na Carta Magna e dos compromissos firmados pelo Estado brasileiro perante a comunidade internacional.

A atuação do poder de polícia administrativa pelos auditores fiscais do trabalho no curso da relação de emprego revela-se essencial e possui nitidamente cunho social, não somente da coletividade de trabalhadores ativos. Objetiva atender a um interesse difuso no implemento das normas que dignificam o labor humano (art. 1º, inciso III da CF), inibindo a prática ou a permanência de condutas contrárias ao direito.


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Notas

BELTRAMELLI NETO, Sílvio. O direito do trabalho como afirmação fático-jurídica da dignidade da pessoa humana: um pressuposto do debate sobre a flexibilização. In: Revista do Ministério Público do Trabalho/ Procuradoria-Geral do Trabalho. Ano XVII - nº. 34-setembro de 2007. Brasília: LTr, 2007. p. 102-121.
ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 2 ed. ver. e aum. São Paulo: LTr, 2007. p. 409.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6 ed. ver. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 118.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed. ver. , ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006. p. 27.
MENEZES, Mauro de Azevedo. Constituição e reforma trabalhista no Brasil: interpretação na perspectiva dos direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2003. p. 185.
LIMA NETO, Arnor. Cooperativas de trabalho: intermediação de mão-de-obra e subtração dos direitos dos trabalhadores. 1 ed. 3 tir. Curitiba: Juruá, 2006. p. 259.
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I-as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II-as ações que envolvam exercício do direito de greve; III-as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; IV- os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V-os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; VI-as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; VII- as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; VIII-a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; IX-outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
REIS, José Pedro dos. A verificação da existência do vínculo de emprego pela inspeção do trabalho não se confunde com a competência exclusiva da justiça laboral de reconhecer judicialmente esse vínculo- a inconstitucionalidade da emenda três. Disponível em Acesso em: 26 abril.2008.
Di Pietro leciona que, pelo conceito moderno, adotado no direito no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 111).
A Convenção 81 da Organização do Trabalho, ratificada, no Brasil, pelo Decreto nº. 41.721/57, seria derrogada tacitamente com a aprovação da emenda, em franco descompasso da progressiva ampliação internacional ao trabalho digno. Ela estabelece que todos os membros desse Organismo Internacional devem possuir um sistema de inspeção do trabalho. Assim dispõe o art. 3º da referida Convenção: O sistema de inspeção de trabalho será encarregado: a)de assegurar a aplicação das disposições legais relativas às condições legais relativas as condições de trabalho e à proteção dos trabalhadores no exercício de sua profissão, tais como as disposições relativas à duração do trabalho, aos salários, á higiene e ao bem-estar, ao emprego das crianças e dos adolescentes e a outras matérias conexas, na medida em que os inspetores são encarregados de assegurar a aplicação das ditas disposições; b)de fornecer informações e conselhos técnicos aos empregadores e trabalhadores sobre os meios mais eficazes de observar as disposições legais; c)de levar ao conhecimento da autoridade competente as deficiências ou os abusos que não estão especificamente compreendidos nas disposições legais existentes.
Art. 627 - A fim de promover a instrução dos responsáveis no cumprimento das leis de proteção do trabalho, a fiscalização deverá observar o critério de dupla visita nos seguintes casos: a) quando ocorrer promulgação ou expedição de novas leis, regulamentos ou instruções ministeriais, sendo que, com relação exclusivamente a esses atos, será feita apenas a instrução dos responsáveis;b) em se realizando a primeira inspeção dos estabelecimentos ou dos locais de trabalho, recentemente inaugurados ou empreendidos. Art. 627-A. Poderá ser instaurado procedimento especial para a ação fiscal, objetivando a orientação sobre o cumprimento das leis de proteção ao trabalho, bem como a prevenção e o saneamento de infrações à legislação mediante Termo de Compromisso, na forma a ser disciplinada no Regulamento da Inspeção do Trabalho. Art. 628. Salvo o disposto nos arts. 627 e 627-A, a toda verificação em que o Auditor-Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade administrativa, a lavratura de auto de infração.
O artigo 161 da CLT estabelece que o Delegado Regional do Trabalho, à vista do laudo técnico do serviço competente que demonstre grave e iminente risco para o trabalhador, poderá interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão, tomada com a brevidade que a ocorrência exigir, as providências que deverão ser adotadas para prevenção de infortúnios de trabalho. Outrossim, o art. 12 da Convenção 81 da OIT prevê que os inspetores do trabalho munidos de credenciais serão autorizados: a) a penetrar livremente e sem aviso prévio, a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer estabelecimento submetido à inspeção; b) a penetrar durante o dia em todos os locais que eles possam ter motivo razoável para supor estarem sujeitos ao controle de inspeção; c) a proceder a todos os exames, controles e inquéritos julgados necessários para assegurar que as disposições legais são efetivamente observadas, e notadamente: I - a interrogar, seja só ou em presença de testemunhas, o empregador ou o pessoal do estabelecimento sobre quaisquer matérias relativas à aplicação das disposições legais; II - a pedir vistas de todos os livros, registros e documentos prescritos pela legislação relativa às condições de trabalho, com o fim de verificar sua conformidade com os dispositivos legais de os copiar ou extrair dados; III - a exigir a afixação dos avisos previstos pelas disposições legais; IV - a retirar ou levar, para fim de análise, amostras de materiais e substâncias utilizadas ou manipuladas, contudo que o empregador ou seu representante seja advertido de que os materiais ou substâncias foram retiradas ou levadas para esse fim.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 114.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 738.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 192.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da Reclamação 3303, julgou competente a Justiça do Trabalho nas ações que tenham como causa de pedir a infringência de normas de saúde e segurança no trabalho, ainda que não possuam trabalhadores regidos pelo regime celetista, confirmando entendimento da Corte de que compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores (STF Súmula nº. 736 - 26/11/2003 - DJ de 9/12/2003, p. 2; DJ de 10/12/2003, p. 3; DJ de 11/12/2003, p. 3. Competência - Causa de Pedir - Descumprimento - Normas Trabalhistas - Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores). Os ministros, por unanimidade, consideraram improcedente o pedido formulado pelo estado do Piauí contra a decisão da 2ª Vara do Trabalho de Teresina (PI). O caso refere-se a uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra o estado do Piauí em decorrência do descumprimento, pelo poder público estadual, das normas de saúde, higiene e segurança do trabalho verificado no Instituto de Medicina Legal (IML), ente da Secretaria de Segurança daquele estado. Ao analisar a Ação Civil Pública nº. 2004.002.22.00-6, a Vara Trabalhista reconheceu a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para propor a ação e também declarou-se competente para julgar a causa. O Estado dizia que o processamento da ação civil pública perante a Justiça trabalhista violaria a autoridade da decisão tomada pelo Supremo na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3395/DF, de relatoria do ministro Nelson Jobim, que conferiu interpretação conforme ao inciso I do art. 114 da CF, inserido pela emenda constitucional (EC) n.º 45/2004, a fim de determinar que a apreciação de causas instauradas entre o poder público e seus servidores, "a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo", não seriam de competência da Justiça do Trabalho. Neste julgamento, o Tribunal assentou a tese de que é da competência da justiça comum processar e julgar as causas instauradas entre o poder público e servidores estatutários. O relator lembrou que, na ocasião, a Corte suspendeu qualquer interpretação dada ao artigo 114, I, da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional nº. 45/2004, que inclua na competência da Justiça do Trabalho a apreciação de causas instauradas entre o poder público e seus servidores, ‘a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo’. Alega o procurador-geral do estado que não existem, no Piauí, ‘servidores contratados pelo regime da CLT que justifiquem a atuação do Ministério Público do Trabalho em face deste ente federado ou o reconhecimento de competências à Justiça Laboral’. Voto do relator - O relator da reclamação, ministro Carlos Ayres Britto, concluiu pela improcedência do pedido, ao entender que a decisão do Supremo não foi desrespeitada. ‘O processamento da ação civil pública na Justiça do Trabalho em nada contraria o decidido na ADI 3395 porque a ação civil pública em foco tem por objeto exigir o cumprimento pelo poder público piauiense de normas trabalhistas relativas à higiene, segurança e saúde dos trabalhadores’, disse. A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha salientou que a ação civil pública em trâmite na Vara trabalhista do estado e a decisão do Supremo na ADI 3395 não têm relação. Portanto, a reclamação do Piauí quanto ao suposto descumprimento por parte do juízo trabalhista seria improcedente. ‘Na ação civil pública, o que se questionou foi a condição de trabalho dos servidores’, disse ela, ressaltando que a matéria não tem pertinência com o que foi decidido pelo Supremo na ADI 3395. Os ministros, por unanimidade, julgaram improcedente a Reclamação, cassando a liminar deferida pelo relator em junho de 2005 que havia suspendido o curso da ação civil pública e os efeitos da decisão reclamada. Como ressalta o Procurador do Trabalho Bruno Gomes Borges da Fonseca, os auditores-fiscais do trabalho, outrossim, podem proceder à ação fiscalizatória para verificarem o cumprimento das normas laborais pelos Entes Públicos, especialmente quanto à questão ligada ao meio ambiente de trabalho. Tal assertiva encontra respaldo no inciso I do art. 11 da lei n.º 10.593/2002 admite a fiscalização tanto na relação de emprego, como na relação de trabalho, que inclui as normas laborais atinentes ao servidor público estatutário.
Assim, o STF, ao mesmo tempo em que definiu que a Justiça do Trabalho não tem competência para conhecer de demandas que envolvam os direitos laborais dos servidores públicos, fixou entendimento sumular de que a Justiça do Trabalho é competente para apreciar ações que tratem do meio ambiente de trabalho. Resume o Procurador que, "em ponderação destas duas decisões, a conclusão razoável é a de que a Justiça do Trabalho não é competente para conhecer de demandas que tratem dos direitos laborais do servidor público, tirante as questões ligadas ao meio ambiente laboral destes trabalhadores. Ora, a decisão que restringiu a competência da Justiça do Trabalho tem caráter limitativo, e, portanto, é crivada de forma não-ampliativa, em razão do postulado da máxima efetividade das normas constitucionais" (FONSECA, Bruno Gomes Borges da. O Ministério Público do Trabalho e a Delegacia Regional do Trabalho. Uma proposta de atuação conjunta. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1636, 24 dez. 2007. Disponível em: . Acesso em: 26 abr. 2008).

LIMA NETO, Arnor. Cooperativas de trabalho: intermediação de mão-de-obra e subtração dos direitos dos trabalhadores. 1 ed. 3 tir. Curitiba: Juruá, 2006. p. 56.
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Terceirização e intermediação de mão-de-obra: ruptura do sistema trabalhista, precarização do trabalho e exclusão social. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 167.
Deve ser diferenciada a terceirização lícita da mera intermediação de mão-de-obra. A primeira consiste na prestação de serviços especializados, realizados de forma autônoma, em atividades periféricas ou acessórias. Cinge-se à prestação de um serviço determinado. Já a intermediação, como fornecimento de mão-de-obra subordinada, é vedada pelo ordenamento. Trata-se de fraude trabalhista, com afronta ao princípio da proteção ao trabalho, constante do art. 7º, caput, da Constituição Federal.
Rodrigo Carelli elenca elementos que indicam a existência de intermediação de mão-de-obra: Organização do trabalho pela contratante (gestão do trabalho); falta de especialidade da empresa contratada (Know-how ou técnica específica); detenção de meios materiais para a realização de serviços; realização da atividade permanente da tomadora, dentro de estabelecimento próprio da contratante; ordens e orientações procedimentais por parte da contratante; prevalência do elemento trabalho humano no contrato; remuneração do contrato baseada em número de trabalhadores; prestação de serviços para uma única empresa tomadora; a realização subseqüente de um mesmo serviço por empresas distintas, permanecendo os mesmos trabalhadores, etc. (CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Terceirização e intermediação de mão-de-obra: ruptura do sistema trabalhista, precarização do trabalho e exclusão social. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 124).

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 212.
Art. 1.094. São características da sociedade cooperativa: I - variabilidade, ou dispensa do capital social; II - concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a administração da sociedade, sem limitação de número máximo; III - limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar; IV - intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança; V - quorum, para a assembléia geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios presentes à reunião, e não no capital social representado; VI - direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a sociedade, e qualquer que seja o valor de sua participação; VII - distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado; VIII - indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução da sociedade.
LIMA NETO, Arnor. Cooperativas de trabalho: intermediação de mão-de-obra e subtração dos direitos dos trabalhadores. 1 ed. 3 tir. Curitiba: Juruá, 2006. p. 153.
O parágrafo único do art. 442 da CLT assim prescreve: "Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela".
Não está sendo abordada, no presente artigo, a cooperativa de produção, onde os cooperados possuem os meios de produção e o bem obtido pelo resultado final da atividade, constituindo uma unidade produtiva, organizada pelos próprios cooperativados, tampouco da cooperativa de profissionais liberais, que realiza atividades com autonomia e sem pessoalidade. Nesses casos, há verdadeiras cooperativas, fomentadas pelo legislador ordinário (art. 90 da Lei 5.764/71 e parágrafo único do art. 442 da CLT), não havendo relação empregatícia com os trabalhadores. Neste estudo, interessa-nos mais propriamente a análise das cooperativas de trabalho, pois são nelas em que, não raro, são observadas práticas de marchandage e fraudes à legislação do trabalho.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 329.
SUSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 87-88.
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Cooperativas de mão-de-obra: manual contra fraude. São Paulo: LTr, 2002. p. 55.
LIMA NETO, Arnor. Cooperativas de trabalho: intermediação de mão-de-obra e subtração dos direitos dos trabalhadores. 1 ed. Curitiba: Juruá, 2006. p. 194.
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. As ações coletivas e o combate às terceirizações ilícitas. In: RIBEIRO JÚNIOR, José Hortêncio...[et al.](Org.). Cooperativas de mão-de-obra: manual contra fraude. São Paulo: LTr, 2002. p. 44.
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Formas atípicas de trabalho. São Paulo: LTr, 2004. p. 45.
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. As ações coletivas e o combate às terceirizações ilícitas. In: RIBEIRO JÚNIOR, José Hortêncio... [et al.](Org.). Ação coletiva na visão de juízes e Procuradores do Trabalho. São Paulo: LTr, 2006. p. 205.
Apud BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho Decente: análise jurídica da exploração, trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno. São Paulo: LTr, 2004. p. 122.
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Cooperativas de mão-de-obra: manual contra fraude. São Paulo: LTr, 2002. p. 47.
Rodrigo Carelli. Cooperativas de trabalho – o joio e o trigo. In: CALDAS, Roberto Figueiredo; PAIXÃO, Cristiano; RODRIGUES, Douglas Alencar (Coord.). Os Novos horizontes do Direito do Trabalho: homenagem ao Ministro José Luciano de Castilho Pereira. São Paulo: LTr, 2005. A Lei 5.764/71, no seu art. 4º que "as cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: I - adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços; II - variabilidade do capital social representado por quotas-partes; III - limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais; IV - inacessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade; V - singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade; VI - quorum para o funcionamento e deliberação da Assembléia Geral baseado no número de associados e não no capital; VII - retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral; VIII - indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica Educacional e Social; IX - neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social; X - prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa; XI - área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços".
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 330-331.
LIMA NETO, Arnor. Cooperativas de trabalho: intermediação de mão-de-obra e subtração dos direitos dos trabalhadores. 1 ed. 3 tir. Curitiba: Juruá, 2006. p. 137.
Portaria 925, de 28/09/2005, do Ministério do Trabalho e Emprego: art. 1º. Agente da Inspeção do Trabalho, quando da fiscalização na empresa tomadora de serviços de sociedade cooperativa, no meio urbano ou rural, procederá ao levantamento físico, objetivando detectar a existência dos requisitos da relação de emprego entre a empresa tomadora e os cooperados, nos termos do art. 3º da CLT. § 1ºPresentes os requisitos do art. 3º da CLT, ensejará a lavratura de Auto de Infração. § 2ºSem prejuízo do disposto neste artigo e seu § 1º, o Agente da Inspeção do Trabalho verificará junto à sociedade cooperativa se a mesma se enquadra no regime jurídico estabelecido pela Lei nº. 5.764, de 16 de dezembro de 1971, mediante a análise das seguintes características: a) número mínimo de vinte associados; b) capital variável, representado por quotas-partes, para cada associado, inacessíveis a terceiros, estranhos à sociedade; c) limitação do número de quotas-partes para cada associado;
d) singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, exceção feita às de crédito, optarem pelo critério de proporcionalidade; e) quorum para as assembléias, baseado no número de associados e não no capital; f)retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado; g) prestação de assistência ao associado; h) fornecimento de serviços a terceiros atendendo a seus objetivos sociais.
REIS, José Pedro dos. A verificação da existência do vínculo de emprego pela inspeção do trabalho não se confunde com a competência exclusiva da justiça laboral de reconhecer judicialmente esse vínculo - a inconstitucionalidade da emenda três. Disponível em Acesso em: 26 abril.2008.

Fonte: Jus Navigandi

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A Organização Mundial da Saúde ( OMS ) pediu "transparência" ao  Brasil  na divulgação de dados sobre a  covid-19 . A entidade esp...